O Filho do Conto escrita por Matheus Nascimento


Capítulo 5
Um rasgo no tecido




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CHUVA MAIS UMA VEZ.

Chovera bastante nesse dezembro de calor. Chuvas rápidas e fortes com direito a raios e trovões. Max gostava dessas chuvas, mas apenas observando-as, não sentindo-as na pele. Por isso estava parado em pé na varanda da casa esperando ela passar.

Elas lembravam sua mãe. Aquela personalidade forte. Uma mulher destemida, corajosa, não tinha medo de nada. Tão diferente do filho...

Às vezes Max se perguntava se realmente tinha o sangue de sua mãe correndo em suas veias. O porquê de ser tão covarde, frágil e medroso o tempo todo. Ele odiava tudo aquilo. Aquela situação horrível que estava sendo obrigado a enfrentar. Ele não ligava para o destino do mundo, com a 34ª Dimensão sem Morte. Ele só queria sossego dentro das Cercanias, ao lado de sua mãe, lendo um bom livro sobre os animais dos Tempos Antigos com Moz deitado ao seu lado, dormindo. Parece ser algo simples, mas na situação universal atual, sossego e paz era o maior dos tesouros.

O garoto passara os últimos dias se preparando pra sua jornada em busca pela mãe com o amigo Moz. Lera diversos daqueles livros que encontrara no velho baú no sótão. Uns falava sobre Eterno e seus anjos, outros sobre como Funesto surgiu no mundo e devastou Eterath, alguns sobre os Mitos e sua breve atuação na história, já uns sobre os Dias Fatídicos e o holocausto do mundo, até um sobre os animais da Nova Era. (Max se perguntava o tempo todo quem escrevia aqueles livros). Mas o que realmente te ajudou foi aquele que falava sobre Morte e sua Dimensão e outro que citava as Dimensões conhecidas.

Os livros não eram muito específicos, por isso teve que usar sua inteligência aguçada pra raciocinar um belo plano. Mas era difícil fazer isso sobre pressão. Moz ficava apressando Max o tempo inteiro: “está na hora de ir, meu caro. Livros não vão buscar sua mãe”. Mas, apesar das constantes pressões de Moz, ele ainda estava estranho...

Moz ultimamente estava muito calado. Mais que normalmente. E Max sabia que isso significava que a raposa estava planejando algo. Algo que não necessitasse de livros.

O garoto nada dissera a ele sobre o que encontrara nos livros, apenas disse que sabia o que fazer, mesmo não sabendo.

Adiaram a jornada diversas vezes por causa da constante insistência de Max em ser cauteloso e isso estava irritando profundamente Moz. Não que Moz não seja cauteloso. Não. Só que Max exagerava às vezes.

Ele preparara uma mochila com todos os itens que achou necessário: lanterna, comida, água, cobertores e roupas extras. Elaborava planos, mas descartava todos. No final acabou sem nenhum.

A chuva estava passando. Moz apareceu de trás da casa. Tinha ido verificar um barulho estranho. Desconfiavam que fosse apenas mais um corvo.

− Se você presa pela vida de sua mãe – disse a raposa indo para a cobertura da varanda e sacudindo o pelo laranja molhado. O cachecol balançou freneticamente. E, pelo visto, realmente era só um corvo − não deveria ficar esperando uma chuva boba de verão passar pra ir salvá-la.

− É minha primeira vez fora das Cercanias, Moz. Não conheço o que me espera mundo afora. Sei apenas o que leio nos livros e a maioria dos que tenho aqui em casa são didáticos. Aqueles das escolas dos Tempos Antigos. Desculpe-me se estou demorando muito pra ir à busca de minha mãe, só não quero estragar tudo. Piorar o que já está ruim... – Deu um longo suspiro. Olhou tristonho para as Montanhas da Plenitude, imaginando sua mãe em qualquer situação que seja na Floresta de Anklar. Quase chorou. – Não sei se ela está morta ou não, mas sinto que não. Algo muito forte pulsa em mim me dizendo que ela continua viva em algum lugar, esperando por mim. Escolhi salvá-la pra tê-la mais uma vez a meu lado. Mas a consequência disso é o fim do mundo. Supostamente o fim do mundo. Não sei se devo confiar em meus sonhos.

Moz pareceu dar um leve sorriso. Estava gostando da súbita determinação do garoto, mesmo que essa ainda seja muito pouca.

− Agora eu sei Max, seus sonhos são reais. Eu também sinto que há algo estranho acontecendo. Vi isso e mais em minhas meditações. Meu caro, respeito com todo fervor a sua escolha. Vamos primeiro salvar sua mãe. Mas também salvaremos Eterath das mãos podres daqueles Ceifeiros. Nós temos que fazer isso. Eterath é nosso lar, e sua missão no mundo ainda não acabou.

Max não entendeu o que Moz quis dizer com aquilo, mas resolveu não perguntar. Um, porque sabia que a raposa não responderia, dois, porque ele não queria saber.

Os dois se entreolharam findando a conversa como se ainda não tivesse acabado.

A chuva finalmente cessou. O cheirinho de terra molhada inundou o ar como perfume de moça. As nuvens cinzentas iam se afastando aos poucos deixando o brilho dourado do Sol mais forte e revelando um belo céu azul.

Um corvo guinchou na floresta.

− É a nossa deixa? – Perguntou Max.

Moz assentiu, sorrindo. Mas subitamente seus pelos eriçaram. Os da cauda tremularam como espinhos. Virou bruscamente para o céu. Sua expressão era de horror. O sorriso raro esvaiu-se.

− Não! – Exclamou Moz, horrorizado.

− O quê?!

Max olhou em direção ao olhar de Moz. E viu o que queria não ver nunca.

− Não! – Exclamou Max, perplexo.

Uma nuvem negra apoderou-se do céu dentre a grande fenda que se formou depois da tempestade. Como um enxame de abelha gigante, centenas de milhares de Ceifeiros caiam em direção a casa em suas mais variadas formas. Alguns como corvos gigantes de quatro olhos, outros como mulheres formosas, e uns como homens velhos. Cada um com uma arma diferente em mãos. Foices, espadas, adagas... Todos prontos para quebrar de uma vez as Cercanias e destruir por completo o lar de Max e Moz.

...

A mulher andava a passos largos e impacientes pelo grande salão do castelo em direção a grande porta pesada de carvalho. Seu manto vinho esvoaçava.

Agora seu rosto era visível com o capuz jogado para trás. Tinha cabelos louros tão claros que pareciam reluzir brancos ao sol. As sobrancelhas grossas tão escuras quanto o lugar mais profundo do Buraco. Os olhos igualmente negros brilhavam de excitação sobre uma expressão neutra. Os lábios pareciam ser naturalmente escuros, como os de um defunto.

Antes de chegar às portas elas subitamente se abriram e a criatura mais horrenda já vista apareceu.

Com uns três metros de altura, a criatura era extremamente magra ao ponto esquelética. Tinha seis asas de anjos cheia de olhos que nunca piscavam espalhados por elas fixados na mulher. Não tinha boca nem nariz e os olhos eram muito fundos e totalmente brancos. Os quatro braços balançavam como varetas enquanto se movimentava rapidamente em direção à mulher. Os finos cabelos brancos flutuava como se estivesse debaixo d’água. A pele era cinzenta e sua frieza era perceptível de longe.

Ela se assustou com a entrada repentina e quase caiu pra trás. Pareceu querer fugir para o outro lado do castelo, mas reconsiderou o fato, já sabendo que seria inútil fugir.

O homem gigante esquelético ergueu os quatro braços e apontou-os para a mulher. As mãos tinham seis dedos e na palma de cada uma formava-se uma boca.

− Morte! – Sussurrou ela.

− Chega de mentiras, Branca de Neve – disse ele pelas bocas das mãos. Sua voz grave multiplicava-se por quatro −, chega de enganar o pobre garoto. Ele não merece isso. E você pagará pela traição.

Uma foice gigante apareceu de trás de Morte. Ela tinha duas lâminas negras assim como a madeira que as apoiavam.

Branca de Neve arquejou.

Sem precisar tocar na foice, Morte cortou o ar em sua frente e um rasgo negro tremulou. Era como um rasgo no tecido. Um rasgo no tecido da realidade que revelava um buraco negro escondido.

O buraco negro começou a sugar Branca. Ela gritou em reprovação. Um grito estridente que ecoou nos confins de Eterath. Em tentativa de se segurar em algo, a mulher fez brotar do chão uma estalagmite de gelo. Mas foi inútil, o cristal de gelo se quebrou logo em seguida e os fragmentos foram puxados para o portal.

E, consequentemente, Branca de Neve também foi sugada.


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Notas finais do capítulo

Já vou começar a segunda parte da história. Preparem-se!



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