O Filho do Conto escrita por Matheus Nascimento


Capítulo 4
Tão perto, tão longe




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−MORTE AINDA continua desaparecido, milady – ponderou Camac, indistinto. Sua voz agora não era como no sonho, em todas as direções, vinha diretamente de sua boca.

Com pensamentos longe, o Ceifeiro respondia as perguntas dadas pela mulher com tédio na voz sem se importar com o que a mesma pensasse de sua atitude nada convencional.

− É óbvio, energúmeno! Acha que não sei? O que eu perguntei foi: onde Morte se encontra? Onde aquele fedorento está?

− Ah, sim! Sim. Morte. Desaparecido. Ninguém o viu. O Palácio Penumbra está sem seu Rei. É. Isso.

Pelo visto a conversa estava daquele jeito há horas.

A mulher estava coberta por um longo manto cor de vinho com um grande capuz que cobria boa parte do seu rosto em sombras densas. Estava sentada de pernas cruzadas num grande trono de estofado vermelho-sangue e bordas cor de ouro.

Ergueu uma das mãos escondidas sob o manto em direção a Camac, que estava de pé em sua frente ao altar do trono, flutuando. Seu cetro com cabeça de caveira de olhos de rubi brilhava refletindo a luz do sol da tarde.

Ela ficou com a mão erguida por um tempo. A mão estava segurando o ar como se estivesse apertando o coração do Ceifeiro. Suas unhas cumpridas de esmalte vermelho pareciam brotar das pontas dos dedos como os de um réptil.

− Cansei do seu joguinho – disse ela num tom frio e cortante. Sua voz suave era calma, mas guardava fúria – Não vai me contar, vou arrancá-lo de você como se arranca asas de uma borboleta. – Seus olhos brilharam escarlate na penumbra de seu rosto sob o manto. Ela fechou a mão bruscamente e todo o piso do salão tremeu juntamente com as colunas de mármore brancas. Ondas invisíveis pulsaram da mão, mas nada aconteceu a Camac.

− Não tenho sangue pra me controlar, Pálida.

O Ceifeiro ribombou numa gargalhada ridícula, mas no mesmo instante parou. A mulher, que Camac chamava de Pálida, sorriu. Ou pelo menos foi o que pareceu sob o capuz do manto.

Camac logo se lembrou. Seu rosto branco fantasmagórico tomou uma expressão de horror. A máscara-caveira estalou como se estivesse rachando. Seus olhos negros brilharam num microscópico ponto vermelho.

Seu corpo se contorceu por inteiro. Sons de ossos se quebrando ecoaram no grande salão praticamente vazio. Sua cabeça curvou-se brusca e assustadoramente para trás deixando sua cartola cair no chão. Seu cetro também caiu, estilhaçando as pedras de rubi em centenas de pedaços que logo em seguida brilharam e desapareceram no ar.

Gritou estridente. Arreganhou a boca, tanto até rasgar a pele da bochecha. Um vapor negro exalou de seu corpo e uma fumaça preta como o breu da madrugada e espessa como tinta em contato com água cristalina saiu de dentro da boca de gengiva escura e dentes amarelados. Ela subiu em direção ao teto abobado e se extinguiu.

Camac se lembrou.

A mulher deu um leve risinho e abriu a mão num gesto de um pequeno empurrão. O Ceifeiro foi arremessado com tanta força em direção ao grande portal de entrada que estilhaçou os vitrais e, antes mesmo de se estraçalhar na parede, seu corpo diluiu-se em partículas negras ao vento, extinguindo-se junto com seu grito de desespero.

Camac se lembrou. Como sempre, tarde de mais.

Ela podia controlar Ceifeiros. E Camac era um Ceifeiro, infelizmente.

...

Max estava na varanda, lendo.

Moz deitado, “dormindo” ao seu lado. Era tarde da noite e o garoto não conseguia dormir, pra variar. Ficava pensando em tudo que acontecera. Nas repentinas descobertas e acontecimentos.

Já estava começando a ficando farto de tudo aquilo. Só queria ficar em paz ao lado de sua mãe. Ela lhe contando histórias sobre a Antiga Era, de como as coisas eram ao mesmo tempo fáceis e muito difíceis.

Os dois já haviam adiado a jornada duas vezes. Uma busca que não sabiam nem por onde começar. Sua mãe estava perdida em algum lugar de Alklar. Uma floresta de árvores de troncos negros e folhas púrpuras.

A Floresta de Anklar ficava logo atrás das Montanhas da Plenitude, um lugar relativamente próximo da casa deles. Uma jornada a pé duraria, mais ou menos, dois ou três dias no máximo.

Tão perto, tão longe.

A viagem seria perigosa de mais. Talvez não conseguissem chegar até metade do caminho vivos. (Mo’gul que o diga).

Se já tinham sido atacados de dentro das Cercanias, imagine afora delas.

Mas Max não tinha escolha. Precisava salvar sua mãe mesmo não sabendo se ela está viva ou não.

Eram tantos problemas!

E ainda tinha Morte. Mais um pra lista de desaparecidos de Max. Morte vivia na 34ª Dimensão dos Mortos no Palácio Penumbra e quase nunca saía de lá. Sempre deixava o trabalho sujo para seus serventes Ceifeiros. Mas por algum motivo desconhecido desaparecera. Talvez o mesmo motivo pelo qual sua mãe também tinha desaparecido. E como Max começaria procurando por Morte? Ele não fazia ideia. Primeiro, não sabia como chegar à 34ª Dimensão, segundo, Morte poderia reaparecer a qualquer hora. Ele nem sequer sabia se os acontecimentos narrados por Camac eram verídicos.

Camac!

O Ceifeiro tinha dado pistas para ele. Não se lembrava muito bem de quais eram, apesar de ser instruído de não esquecê-las, mas isso é inevitável.

Achar o Anjo Misericordioso, resgatar a Espada de Sangue, derrotar o dragão, comer a Maçã Envenenada, buscar por Morte...”

Achar o Anjo Misericordioso? Camac era cheio de contradições, às vezes. Talvez não estivesse se referindo a um anjo de verdade, sequer eles existissem mesmo.

Espada de Sangue? Max conhecia o Mito de Branca de Neve. A guerreira usava uma espada feita de sangue. Isso era o mais próximo que ele havia chegado de conciliar as duas coisas, mas ele não acreditava realmente nos Mitos. Talvez o Ceifeiro estivesse se referindo a uma espada qualquer que se assemelhe ao do Mito, ou pode ser que seja uma referência a alguma arma do passado em relação aos Dias Fatídicos. Ele não sabia.

Dragão? Isso ele sabia que não existia. Nunca existiu. Faz parte das histórias do Antigo Povo que hoje vivem apenas em livros e lendas. Mas, mais uma vez, pode ser que seja uma referência a alguma outra coisa que não seja aquilo que diz. Ele vai ter que descobrir. E, se tudo indica, lutar e vencer o dragão, seja lá o que ou quem for.

Maçã Envenenada. Mais uma referência ao Mito de Branca. A Maçã Envenenada, assim diz a lenda, foi o objeto sagrado deixado por Branca após sua morte. A Maçã foi o seu Saingrahl, uma coisa que Moz esqueceu-se de dizer-lhe na “conversa”, não é um fato importante nos Mitos, pois contém muitas contradições e desavenças, mas a maioria diz que um Saingrahl é um objeto de grande poder capaz de fazer milagres e maravilhas. Outros dizem ser capazes de dar poderes a quem possuí-lo. Todos eles foram deixados pelos Mitos, misteriosamente, após morrerem. Mas tudo isso só piora a situação de Max. Tudo leva a crer que os Mitos são ou foram reais e que terá que abrir a mente pra enfrentar o mundo em sua jornada.

Mas ele se recusava a isso. Não podia acreditar.

Max teria que decidir em que jornada deveria ir. Salvar Morte e consequentemente o mundo ou salvar sua mãe para enfim morrerem juntos?

Uma vez ela dissera:

− Max, querido. Seu nascimento não foi em vão. Você é mais forte do que parece. Seu destino está traçado em sangue, seu fado será o peso da vitória, sua sorte será o amor verdadeiro.

Era só um garotinho e não compreendia direito os fatos. Não entendia o que a mãe queria dizer.

Agora ele tinha uma ideia. Seu destino em sangue talvez fosse morrer por amor e o peso da vitória seria não poder desfrutá-la.

Ele lia um livro diferente agora. Capa dura e preta com titulo prateado.

Os Mortos Sob Minhas Asas

Falava sobre a 34ª Dimensão, Morte e seus Ceifeiros.

Eram um pouco contraditórios os fatos ali escritos, por isso fazia o menino pouco acreditar no que lia. Mas precisava encontrar um jeito de resolver seus problemas e tinha que começar de algum lugar.

Encontrara o livro no mesmo baú que encontrara o A inviável misericórdia dos anjos. Trouxera-o numa pilha com vários outros, mas se concentrou apenas naquele que tempo depois esqueceria tudo o que lera... Frustrante.

A varanda estava iluminada pela lâmpada alaranjada sobre um pequeno globo de cristal que criava desenhos de luz na parede. Maripozinhas circulavam em volta dela fazendo alguns pequenos barulhos de asas batendo e dos constantes encontrões que elas davam no globo de cristal, atraídas pela luz.

O menino estava sentado numa cadeira velha de balanço que pertencera a sua avó. Fechou o livro e o colocou no colo. Moz levantou a cabeça e olhou atentamente para Max, esperando o garoto falar.

− Vamos, Moz. Precisamos encontrar minha mãe.


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