O Filho do Conto escrita por Matheus Nascimento


Capítulo 3
Um breve conto sobre Eterath


Notas iniciais do capítulo

Prepare-se para conhecer um pouquinho sobre Eterno, Funesto e os Dias Fatídicos. Mas só um pouquinho, hein. *3*



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AMANHECEU. O calor irradiava nos picos das Montanhas da Plenitude. Dourado, o sol da manhã resplandecia, cauteloso, dentre elas dissipando a neblina matinal.

As Montanhas da Plenitude estavam a algumas milhas de distancia da casa, mas seus picos congelados brilhavam, oferecendo uma bela vista pela janela. Era um aglomerado de montanhas numa planície rochosa que recebera esse nome pela magnitude, grandeza e vastidão do local, e por acharem serem montanhas totalizadas, completas. Que não precisavam mais de desenvolvimento. Que seu ápice era ser integral; animais, criaturas mágicas, harmonia, paz, até a moradia de um deus de pedra pacífico, tudo isso transformava o local pleno. Max nunca fora até lá, mas gostaria muito.

Ele as observava como se fosse a última vez que as veriam. Uma espécie de despedida no olhar.

− Você vai voltar, não se preocupe – falou Moz, percebendo a preocupação nos olhos do amigo, mas não parecia concretizar suas próprias palavras. Estava tão inseguro quanto o menino.

− Não é só isso, Moz. Ainda não tivemos aquela conversa. Você sabe... E-eu...

− Shhh! Já disse, ainda não. Há tempo suficiente ao nosso favor. Então, por favor, acalme-se. Meu amigo, você precisa entender a gravura da situação em que nos encontramos. E já se passaram dois dias desde o seu sonho estranho e você ainda não me contou nada sobre. Ou você acha que eu não sei. Vamos, desembucha!

Max suspirou. Sentou calmamente na beira da cama. Os olhos fixos na paisagem a fora, olhando, mas não vendo.

− Eu não via oportunidade, Moz. Eu juro que eu ia contar. Tantas coisas aconteceram – e vão acontecer, pensou – e... Você sabe...

Deu uma longa pausa. Moz, surpreendentemente, esperou Max continuar com paciência.

− Eu sonhei com a beirada daquele precipício novamente – continuou −, como nas outras vezes, e, como antes, Camac apareceu e começou a dizer coisas aleatórias, sem sentido. Mas dessa vez ele parecia falar sério. Não recitou trechos de profecias passadas nem poemas antigos, muito menos canções na Língua Antiga. Moz, Camac me avisou coisas terríveis. Disse-me que Morte está desaparecido do Palácio Penumbra e que os Ceifeiros atacariam a nossa Dimensão em breve. Atacariam mamãe e...

Max começou a entrar em pânico, mas Moz interveio, dizendo para o garoto que já bastava, que já entendeu o suficiente.

Quando o garoto se estabilizou Moz pediu que pegasse o livro cujo título outrora brilhara para analisá-lo melhor já que não tivera tempo anteriormente.

O garoto entregou-lhe o livro que estava em cima do criado-mudo para a raposa e disse:

− Camac disse que era pra eu te entregar o livro, que você saberia o que fazer...

Moz olhou atentamente ao livro, farejando algumas vezes. Lambendo de leve também.

− Onde o encontrou? – fez a pergunta devagar. Um pouco disperso olhando no lugar onde estivera o titulo brilhante.

− Num baú velho no sótão. Estava procurando minha lanterna quando me deparei com ele, nunca o vira antes e estava destrancado, então...

Moz abriu o livro com a patinha negra folheando as páginas (ou tentando, já que nunca tinha pegado num livro antes, ou pelo menos era o que parecia).

− Entendo... Você estava lendo ele o tempo todo ontem à noite. Do que se tratava?

Max pareceu achar a pergunta estranha. Olhou para os lados, tentando, inutilmente, lembrar.

− Que coisa estranha! Eu o li quase que por completo e agora não me lembro de nada. Moz, o que está havendo? Porque não consigo me lembrar dum livro que li ontem?

Moz fechou os olhos por um tempo que pareceu uma eternidade para Max.

− Lembra-se pelo menos do título, não é? Daquele que brilhava em vermelho?

− Bem, sim, mas...

− E qual era?

− A... A inevitável... Não. A Inviável Misericórdia dos Anjos. É, é isso mesmo. Sabe o que significa?

Moz pareceu ligeiramente ansioso. Deu uma breve pausa e disse, olhando nos olhos do amigo:

− Meu querido Max, nós vamos ter aquela conversa agora.

...

Moz tinha dito que ia ter “aquela” conversa com Max “agora”, mas na realidade tinham ido almoçar primeiro. Eles passaram a manhã inteira no quarto que se esqueceram de tomar o café da manhã.

Quando chegaram ao andar de baixo a comida já estava posta na mesa. Um verdadeiro banquete pra apenas dois pratos, que Max só comeria o purê de batata, ervilhas e uma gorda coxa de frango-gauler assado e, quem sabe, um copo de suco de laranja-azul bem gelado. Moz comeria apenas as maçãs-da-terra, peras e ovos de galinha-gauler cozidos.

Sentaram-se em silêncio, cada um em uma das extremidades da mesa grande de mármore bege com detalhes em linhas estilo grego marrons. Ela estava bem farta com todo o tipo de comida possível num almoço. Poderia até citar todas, mas não quero te deixar com água na boca.

Comeram rápido. Moz terminou primeiro e sem pedir licença saiu da mesa. Pulou da cadeira, também de mármore bege, que era maior que as demais pra se adaptar melhor ao corpo pequeno da raposa.

Saltou e saiu correndo as pressas para o segundo andar em direção ao quarto de Max. Disse para ele ir rápido e que estaria esperando lá enquanto corria pelas escadas de madeira.

Ele deu leve sorriso. Acabou o almoço um tempo depois. Levantou e subiu calmamente para o quarto. Olhou de esguelha para a cozinha.

O banquete digno do Rei Iryllan III tinha sumido sem deixar rastros de migalhas.

...

− Quanto tempo ainda tem até sairmos em partida? – Max perguntou a Moz.

Eles estavam sentados na cama. Max de pernas cruzadas pegou o livro que deixou em cima da cama ao sair pra almoçar. Folheou pela primeira vez desde a noite anterior. Para sua surpresa as páginas estavam em branco. Fechou o livro rapidamente e depois abriu de novo. Em branco. Piscou e olhou pra Moz, que estava deitado, olhando em silêncio para o amigo.

− Max, meu caro – começou Moz, ignorando a pergunta anterior e as páginas em branco do livro − Há muitos houve uma era de paz e harmonia no Vale e toda Eterath estava equilibrada com a natureza. Shaddai, o Eterno, o Único, Os Olhos Que Tudo Vêem, o Primeiro e Último, caminhava por entre os Bosques Sagrados e brincava alegremente com seu amigo de Dimensão: o Cervo, o Veado Branco, o Cervo de Luz, o Príncipe dos Homens. Frequentemente o Veado-vermelho visitava Eterath para se encontrar com Eterno e vise-versa. Mas numa dessas visitas a Terra rompeu-se. O mal se aglomerou sob um terço da Terra numa grande cratera conhecida como Buraco, Boca do Diabo ou Profundezas. O causador desse grande male foi Baalberith, mais conhecido como Funesto, o Pastor Negro, o Senhor das Profundezas, o Pai das Trevas, Sete Peles, o Alvorecer. Funesto tomou um terço da criação de Eterno para si e o mesmo não pôde fazer nada para impedi-lo, pois estava escrito em suas veias em ouro e prata que isso aconteceria e que era preciso acontecer. Mas Funesto estava disposto a assolar Eterath. Queria o Mundo todo só para ele, mas igualmente não podia fazer nada, pois estava escrito nas linhas de seu coração em prata e bronze que era preciso esperar. Ele não podia fazer nada, a não ser criar.

“Funesto teve um filho com ele mesmo; Abblaheu, o Profano, o único capaz de atravessar as fronteiras do Buraco, pois ainda não conhecia o mal. Abblaheu tinha a missão de destruir toda a criação de Eterno pra só assim recriar seu próprio mundo. Mas seu filho o traiu. O Profano entendeu a maldade do pai assim que adentrou a área limpa de Eterath e criou os guerreiros negros do Universo, os Filhos das Estrelas. Sete demônios ultrapoderosos criados para matar Eterno. Mas Eterno não hesitou. Criou os Mitos. Os dez guerreiros mais poderosos de Eterath...”.

Max estava atônito, vidrado na história quando voltou a si. Lembrou-se do livro em branco.

− Espera aí. Que conversa é essa, Moz? Está muito interessante, sério, mas o que tudo isso tem a ver com...

− Se me interromper de novo eu vou te estrangular.

− O.K., Moz. Desculpe.

Max corou, envergonhado e arrependido, mas no fundo queria muito ouvir o resto da história mesmo já sabendo boa parte dela. Tudo parecia mais interessante vindo da boca de Moz.

− Como eu ia dizendo, Eterno, o Único, criou os dez guerreiros mais poderosos de Eterath, os Mitos. Metade deus, metade homem, os Mitos destruíam montanhas, mas sangravam com um corte de espada. Cada um deles tinha uma habilidade em especial; Branca, a Primeira, era capaz de conjurar o poder do gelo e da neve, assim como o sangue.” Max corou novamente, olhando de canto para o chão. Girou o anel de prata em seu mindinho esquerdo. “Ela tinha o poder de moldar seu próprio sangue numa batalha, além de que podia invocar um Ceifeiro pra lutar ao seu lado” Max impressionou-se “Depois de Branca veio El’lla, a Segunda; podia ver o passado e futuro de tudo e todos, ler mentes, e se transformar em qualquer criatura que imaginasse ser. Dentre os dez, El’lla era a mais calada, por isso, a que menos se sabe. Depois delas vieram os outros sucessivamente. Vermelha, A Caçadora, a invocadora de lobos, depois Zell, a dos cabelos gigantes, Tristhan, A Fera, o Primeiro Lycaonte... Enfim, todos eles derrotaram os Filhos das Estrelas.

“Mas por um preço terrível. A Morte os levou para a 37ª Dimensão, a Dimensão dos Mortos... Os Guerreiros morreram e hoje vivem como Mitos. Lendas que jamais morrerão enquanto eu viver.

“Funesto gastara muito poder na criação de Abblaheu e não tinha forças para descria-lo. E Abblaheu, o Profano ficara furioso com a derrota de seus Filhos e decidiu ele mesmo destruir Eterno, mas este já estava longe. Não se sabe pra onde fora e nem o porquê de ter “fugido”, isso e mais outras são mistérios que hão de se revelar. O único que encontrou lá foi o Veado-vermelho, O Cervo de Luz. O Cervo com apenas um golpe dilacerou Abblaheu e o mandou direto para as Profundezas junto a seu pai. Nunca mais pôde sair de lá, as barreiras foram reforçadas e foi obrigado a aguentar a presença do pai furioso pela traição do filho, e agora conhecia o mal mais do que nunca, o Buraco agora era sua prisão eterna. Mas viram que nada daquilo importava, apenas a vingança por Eterno, o Cervo e Eterath os mantinham vivos e unidos. Com o resto das forças que lhe restavam criaram a maior variedade de monstros possível e soltaram no Buraco. Um preço grande, pois seus corpos se desfizeram em poeira cósmica e vagam pelo Universo esperando o Fim dos Tempos para enfim renascerem com o Apocalipse. Mas foram espertos o bastante pra saber que um dia a barreira enfraqueceria, pois o Cervo não se encontrava mais em Eterath para renová-la, afinal o próprio já tinha uma Dimensão a que cuidar, não devia se dar ao luxo de ficar de babá de Eterath. E no dia que a barreira enfraquecesse, nesse dia, todos os monstros correriam feito loucos por toda a face da Terra. Eterath seria destruída e Eterno não estaria lá pra protegê-la novamente...”

Enfim acabou, percebeu. Depois de uma longa pausa, Max, ainda atônito, disse:

− Moz, isso não aconteceu de verdade, você sabe. O Buraco foi causado por causa do meteoro da Grande Guerra dos Dias Fatídicos. E os Mitos só são estatuas bobas espalhadas por Eterath. Essa é uma versão subliminar pra o que realmente aconteceu no passado, na Guerra. Não é?

Fez a pergunta como se perguntasse a si mesmo se acreditava ou não no que acabara de dizer.

Moz lhe dirigiu um olhar significativo, respodendo a pergunta mentalmente: “talvez sim, talvez não...”.

− Meu querido amigo. A barreira se desfez. Os monstros estão à solta por Eterath. As Cercanias que protegem nossa casa estão enfraquecendo. Mo’gul só foi o inicio. Agora temos isso; Morte desaparecida de sua Dimensão e Ceifeiros sedentos por almas soltos num planeta onde as únicas almas para ceifarem são sua e da sua mãe, que também desapareceu há uma semana. Max, meu amado e fiel amigo, eu entendo o fato de agir de maneiras impróprias às vezes, é muita pressão sobrecarregada em suas costas, muito estresse nos seus fracos ombros. Tantas coisas pra resolver, pobrezinho. É apenas uma criança e não um Mito. Eu lhe sinto dizer, mas, pela primeira vez em toda a minha vida, eu não sei mais o que fazer. Estou perdido tanto quanto você. Achar sua mãe, buscar Morte, destruir monstros... Isso não é pra nós. Atos heroicos para heróis, e nós não somos heróis. Longe disso... Desculpe-me, bom amigo, desculpe-me.

Max estava perplexo. Nunca vira o amigo raposo daquele jeito. Cada palavra dita era um corte fundo e doloroso em seu coração.

Algo começou a fervilhar em seu interior de repente. Não um novo ataque. Não. Dessa vez Max tinha determinação em suas veias. Ele tinha que pensar em algo. Pela primeira vez falaria o que Moz precisava fazer. Pela primeira vez tomaria liderança em uma situação de perigo, não chorar feito bebê dentre as árvores com medo de ursos e corvos. Ia enfrentar os perigos que assolam Eterath por seu amigo. Por sua mãe.

Ele descobriria alguma maneira pra resolver os problemas. Tinha que descobrir.

Acharia sua mãe, acharia a própria Morte, mataria todos os monstros que aparecessem em sua frente...

Era só preciso tirar o anel.


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Notas finais do capítulo

Cito as Montanhas da Plenitude agora. No primeiro capitulo citei a Cachoeira do Boto. Esses e mais outros mil são locações de Eterath e são melhores entendidas num mapa (que eu tenho aqui em mãos haha). Talvez eu o poste.



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