O Filho do Conto escrita por Matheus Nascimento


Capítulo 2
A raposa e o urso


Notas iniciais do capítulo

Como é difícil descrever batalhas! Y--Y



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CORUJAS são criaturas estranhas. Misteriosas.

E aquela coruja-barrada que voava sobre os pinheiros pontiagudos não era diferente.

A noite estava chegando ao fim pela madrugada fria. A neblina começava se espessar. Quase não dava pra ver as estrelas, que só salpicavam levemente o céu preto feito piche. Algumas nuvens ajudavam na escuridão naquela noite sem lua. Naquela noite silenciosa.

As asas beges com listras marrons balançavam levemente num voo majestoso. Ela parecia estar procurando algo para a caça, rodeando algumas vezes a mesma área. Os olhos totalmente negros fixos.

De repente algo se mexeu lá em baixo e fez um barulho fino e ao mesmo tempo abafado de galhos e folhas se quebrando.

A coruja encolheu as asas e caiu na direção do som. A presa havia sido pega. Ou quase...

Quando ela chegou bem perto do chão para agarrar algo, a coruja foi surpreendida com um puxão brusco. Algo a tinha agarrado.

Os braços que a tinham pegado eram finos e as mãos gigantes com garras enormes fediam a carniça. O mais estranho era o fato de ser totalmente em sombras. Que se contorcia no ar, bruxuleando levemente transparente.

− Dessa vez você não escapa, Ceifeira maldita!

A voz da criatura era rouca como um sussurro e ribombou num grito forte e maligno.

E desapareceu nas sombras das árvores.

...

A lanterna de Max iluminava o caminho escuro pelas árvores com uma luz branca.

Os planos não tinham dado certo.

Aos saltos e tropeços, o garoto e seu companheiro raposo corriam pela floresta densa.

Quando ouviram um som desconhecido pararam.

− É ele – Sussurrou Max, trêmulo.

Uma labareda de fogo cortou o ar bem ao longe de onde eles estavam, iluminando a noite escura.

− Temos que subir esta árvore – Moz apontou com o focinho branco para uma árvore grande e velha a frente deles.

− Pode ser igualmente perigoso. É melhor você subir lá primeiro e verificar.

O som ecoou novamente, dessa vez mais perto do que antes, mas ainda sim longe o bastante (por enquanto).

Percebendo isso, Moz se transformou numa raposa-cinzenta. Não ficou muito maior do que antes, apenas com uma combinação de pelos brancos, vermelhos, pretos e cinzas. O topo da cabeça, dorso, lados, e o restante da cauda ficaram cinza, com o ventre, peito, pernas e os lados da face sendo marrom avermelhado. As bochechas, focinho e garganta transformaram-se em tons de brancos. A única coisa que sobrara que era possível identificar o animal era o cachecol verde listrado em preto. Max sabia o porquê de Moz ter se transformado numa raposa-cinzenta; as raposas-cinzentas são ótimas escaladoras de árvores e enxergam muito bem no escuro, uma perfeita espécie para a situação em que se encontravam.

Com saltos, escaladas e acrobacias, Moz, agora raposa-cinzenta e não mais raposa vermelha, subia pelo pinheiro rapidamente. Examinando cada parte do grande pinheiro, saltando nos galhos e rapidamente saltando para outro. A calda, agora mais espessa e longa, parecida com uma de lobo, com ponta de pelos negros, ficava praticamente imóvel no meio a escalada, apenas o cachecol balançando-se freneticamente. O menino parado lá em baixo observava ansiosamente e olhava de instante em instante para os arredores, com o súbito medo de um perigo supostamente iminente.

− Suba! – Gritou Moz logo acima num galho alto e resistente.

O garoto suspirou, se preparando. Girou o anel de prata que usava no mindinho esquerdo.

− Vamos! Vamos!

− Moz, eu não consigo. E-eu... Eu não posso. – Arquejou.

A voz trêmula e cansada do menino pareceu assustar a raposa, que estava em pé num galho grosso da árvore.

− Quer ser morto por um urso estúpido? Ser destruído sem nem mesmo sair em partida numa aventura? Ou quer lutar, mostrar que tem coragem e determinação? Você é mais do que isso, meu querido amigo. Não desista logo agora. Vamos!

Moz gritava estridente. Estar com pena no garoto medroso lá em baixo parecia machucar seu coração.

Max baixou a cabeça. As mãos tremendo feita vara verde. Soluços anunciavam lágrimas de desespero.

De repente, sons abafados e contínuos como pisadas de um gigante fizeram o chão tremer. Moz percebendo isso mudou completamente o tom de voz para desespero. Tinha que fazer o garoto subir de alguma forma.

− Não me faça descer aí! Tire o anel, é a nossa única chance! – Moz gritava desesperado. Angustia prevalecia em sua voz. Os dentes afiados a mostra com rosnados altos – Pelo Eterno, garoto! Coragem! Ewller Mo’gul é o menor de nossos problemas. Graças a ele desviamos de nosso caminho, agora graças a você morreremos e não findaremos nossa missão...

Max desabou de joelhos e caiu aos berros no choro. A mão foi novamente no lado esquerdo do peito. Seus olhos arregalados misturavam medo, dor e tristeza. Moz o tinha ofendido. Às vezes ele fazia isso nesses tipos de situação, mas por pura inocência, sempre ficava se martirizando depois, desculpando-se por ter ofendido sem querer o amigo humano.

O barulho de tronco se estilhaçando ecoou pela floresta. Ewller Mo’gul estava se aproximando...

Um brilho vermelho escuro e fraco surgiu a vários metros de distancia pelas árvores ao redor, se fortificando cada vez mais, cada vez mais próximo.

− Argh! – Resmungou Moz com muita raiva, não ódio, mas raiva por ter que fazer aquilo – Você me obrigou a isso.

A raposa-cinzenta saltou do tronco, despencando cinco metros abaixo numa velocidade incrível. Não foi possível ver seu pouso, apenas o borrão acinzentado indo em direção floresta adentro.

Em direção a Mo’gul.

...

Era possível identificar sons de uma batalha.

Como dois elefantes num grande encontrão. O som grave e abafado ecoou na noite silenciosa.

Chutes, socos, mordidas, tapas e arranhões de garras ferozes, deduziu Max, que estava de pé, intacto. Os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar. Já tinha presenciado o amigo raposo fazer aquilo algumas raras vezes. E nunca gostava da situação seguinte, quando Moz voltava furioso tagarelando e balbuciando, dizendo como odiava fazer aquilo e como dava tontura e sono que faria qualquer um dormir quatro dias seguidos. Os sons que vinham na direção leste, mais adentro da floresta, era como dois gigantes batalhando, dinossauros furiosos brigando por comida, rápidos como leões brigando por território.

Uma árvore se estilhaçou e Max pôde ver os pedaços de cascalho esvoaçando no céu escuro, como um bando de morcegos assustados. Alguns pássaros alcançaram voo bem lá longe, subitamente assustados com os barulhos daquela batalha mortal. Algumas árvores estavam completamente em chamas e alguns rastros de incêndio apareciam na floresta.

Mais um som forte ecoou. Dessa vez único e mais alto. Árvores estilhaçavam em fileira em direção a Max. O garoto ficou parado, como se estivesse apenas esperando pra ser atingido por o que quer que fosse aquilo que levou um golpe suficientemente forte para arremessá-lo quilômetros de distância estilhaçando árvores como se fossem palitos de dente.

Um brilho vermelho passou por ele, estilhaçando a árvore ao lado. Max não pôde identificar o que era, mas com certeza não era Moz que tinha levado o golpe. Mo’gul estilhaçou mais uma árvore à frente e bateu com toda força no chão, rachando-o bruscamente e levantando uma nuvem de poeira densa e alaranjada do chão.

Moz apareceu dentre os estilhaços das árvores, com passadas pesadas.

Mesmo já tendo conhecimento daquela forma, Max teve um leve susto, mas logo relaxou. A raposa-vermelha se transformou em lycaonte, um monstro muito parecido com um lobisomem. Tinha uns quatro metros de altura e andava sob duas patas. Os braços eram fortes e musculosos com mãos grandes e com grandes garras pretas afiadas. Tinha pelos cinza-escuros, peitoral, barriga e cabeça eram brancos.

Na cabeça parecia ter uma pequena juba de leão branca, com pontas cor de sujeira. As orelhas cinza eram pontudas, como a de um duende. Sua calda era muito espessa, parecida com a de antes – quando era raposa-vermelha – só que cinza-escuro.

Como sempre, quando Moz se transformava, o cachecol verde listrado continuava intacto. E dessa vez não foi diferente, mas tinha algo estranho. Em vez de o cachecol ficar parecendo bem menor no pescoço do grande monstro, na verdade tinha aumentado de tamanho. Ficou um cachecol gigante, apenas não se encostando ao chão como antes.

Moz rugiu, revelando suas presas de dentes enormes. Olhou para Max e correu em quatro patas em direção a Mo’gul.

Ouviu-se o barulho de ossos se quebrando e o grunhido de dor do urso. E silêncio.

Moz se aproximou com a patinha preta mancando e o focinho cheio de sangue. Tinha voltado a forma de raposa-vermelha.

− Precisamos conversar. A situação está pior do que imaginávamos.

Disse com voz rouca. Os olhos cansados expressavam preocupação.

O garoto nada disse, apenas deu alguns passos e olhou no buraco no chão pelo buraco feito na árvore.

Ewller Mo’gul estava debruçado sobre o chão. O pescoço sangrando como um chafariz. O urso era duas vezes maior que um urso comum. Tinha os pelos do cotovelo, joelhos e ombros em chamas. Antes deviam estar bem intensas, agora era apenas pequenos rastros de fogo vermelho, frio e se extinguindo devagar.

Estava morto e Max não fizera nada pra ajudar. Só ficou chorando feito um bebezinho, com medo de não conseguir chegar ao fim.

Ou de impedi-lo.

Moz lançou-lhe um último olhar e voltou a cabeça na direção da casa. Max o seguiu sem olhar pra trás.


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