Guinea P escrita por Gaby Molina


Capítulo 9
Capítulo 9 - Carpete


Notas iniciais do capítulo

Que tal complicarmos as coisas um pouquinho mais? :3



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James

— Deixa eu ver se entendi — Gregory me encarou depois que contei toda a minha ideia. — Acha que Woopert está tão caidinho pela garota que os ajudaria a dar o fora daqui?

— Eu acho que Jess pode convencê-lo — corrigi. — Mas, sim. É isso aí.

— E se não der certo?

Eu sorri.

— Aquela garota pode ser bem persuasiva se quiser.

— Então... Ela e o Woopert estão num relacionamento secreto ou algo do tipo?

Dei de ombros.

— Sei lá. Não me importo.

— Achei que vocês dois estivessem juntos.

Fiz que não com a cabeça.

—... Elas sempre preferem os britânicos, não é?

Eu ri.

— Até parece. Não é nada disso.

Gregory me encarou por um minuto.

— Garoto, se eu tivesse a sua idade e uma garota daquelas vivesse comigo, eu não ia ficar parado só olhando.

Dei de ombros novamente, mas acho que algo em meu olhar me denunciou, porque Gregory deu um tapa na mesa, animado, e gritou:

— Aaaah, isso explica tudo! Você já beijou ela, não foi, seu pervertido bonitão?!

— Greg, cale a boca — sussurrei. — As pessoas estão encarando.

— Elas já acham que eu sou pirado, meu caro. Diga-me, como exatamente vocês se beijaram e ela agora está com o Woopert?

— Érrr... Eu não sei direito. Nunca conversamos sobre isso, na verdade.

— O que vocês disseram depois?

— Bem... Eu disse "Diga ao Woopert que mandei lembranças".

Greg sorriu, satisfeito.

— Esse é o meu garoto. Mas você não gosta dela, gosta?

Revirei os olhos.

— Não. Só nos deixamos levar no momento, ambos os lados. Me importo com ela, mas como uma amiga.

— Ótimo, porque ter o Woopert quebrando o seu nariz poderia comprometer um pouco a parte onde ele ajuda na missão.

— É, faz sentido. Porém, duvido que ele fosse conseguir.

— É, eu também.

Sobre o que estão falando? — Jess sentou-se ao meu lado, fitando-me.

— Sobre você — sorri, dando o troco.

Ela franziu o cenho.

— Você é um garoto muito malvado, Rivers. Então, eu falei com um cara aqui embaixo chamado Sean Althourt, que desenhou isto para mim — ela tirou do bolso um pedaço de papel. — É um mapa do edifício e seus arredores, incluindo todos os níveis.

— Se alguém conhece este lugar, é o Althourt — concordou Gregory.

Eu não conhecia o cara, então não fiz nenhuma objeção.

— O gramado atrás do Alfa é cercado por uma cerca elétrica que fica ligada 24hrs. A porta da frente possui alarme.

— Ele deu alguma ideia de como podemos sair daqui? — perguntei.

— Bem... Primeiro ele riu da minha cara. E riu da minha cara todo o tempo enquanto desenhava, mas depois marcou no desenho todas as câmeras do lugar, e mostrou que tem um ponto cego bem além no gramado. Porém, é o lado mais longe do edifício em todo o gramado. Seria difícil chegar até lá sem que nenhuma câmera nos notasse, mas não impossível.

— Bom trabalho — elogiou Gregory.

— Bem, obrigada. Mas tudo isso é inútil se não conseguirmos passar pela cerca elétrica.

Jess

Tivemos mais algumas reuniões como aquela, mas não conseguimos criar nada que realmente valesse a pena tentar.

Eu estava sentada na cela com James quando um dos seguranças abriu a porta.

— Menina, você foi liberada.

— Por quê? — ergui uma sobrancelha.

Eu assumo daqui, Vinxton.

Eu nunca me sentira tão aliviada por ouvir a voz de Derek.

— Derek! — fitei-o, sorrindo.

— Desculpe a demora, ninguém sabia me dizer onde você estava... E este lugar definitivamente não era minha primeira opção. Vamos?

— Boa tarde, Woopert — James sorriu, acenando.

— Tchau, Rivers.

— Derek — encarei-o, séria.

Ele suspirou, entendendo o que eu queria.

— Sério mesmo? — ele me fitou, suplicante. Assenti. — Tudo bem. Vamos logo, Rivers.

— Oh, meu herói — debochou James, saindo da cela comigo.

— Deixe-me adivinhar — disse Derek. — Rivers fez alguma merda e arrastou você junto.

— Na verdade, acabamos aqui embaixo porque eu me recusei a ter um filho com a sua namorada. De nada — James abriu um sorriso presunçoso, dando um tapinha nas costas do louro.

— Não somos namorados — defendi, e depois fiquei me perguntando por que diabos fizera aquilo.

— Até a próxima, Greg! — James acenou para seu velho companheiro, que estava em sua cela.

— Tente manter-se longe de problemas, garoto! E você também, mocinha! Foi um prazer conhecê-la!

— O mesmo, Gregory! — sorri, acenando.

— Lembre-se do que eu te disse, James. E boa sorte!

— Eu não acredito em sorte — disse James. — Acredito em estatísticas.

— As estatísticas podem surpreender você às vezes — argumentei.

Ele deu de ombros.

— Gosto de surpresas.

— Você planeja falar todas essas coisas antes de dormir, ou só vai improvisando pelo caminho? — Derek ergueu uma sobrancelha.

James

— Mesmo se eu planejasse alguma coisa, mudaria tudo no meio do dia.

— Apenas para manter a vida interessante — concluiu Jess.

Fitei-a por um minuto, agradavelmente surpreso.

— Exatamente!

Derek — que não estava tão agradavelmente surpreso — começou a nos apressar ainda mais para que chegássemos logo ao Alfa, assim ele podia fazer o que quisera fazer desde que Jess o fizera me tirar daquela cela:

— Tudo bem, então. Chegamos. Agora, tchau, Rivers.

— Na verdade... — Jess mordeu o lábio, hesitante. — Eu preciso falar com James por um minuto.

Era difícil ver quem estava mais surpreso: eu ou Derek. Mas era fácil ver quem estava mais puto com a coisa toda.

— Certo — cedeu ele. — Vejo você depois?

— Claro — ela sorriu e se virou para mim. — Ah, tire essa porra de sorriso do rosto e vamos logo.

Comprimi o sorriso presunçoso. Jess me arrastou pelo pulso até o meu dormitório, mas Michael estava lá. Então ela apenas bateu a porta e continuou me arrastando até um corredor sem movimento.

Ela sentou-se no carpete, com as costas encostadas na parede, e eu sentei-me ao lado dela.

— Quando dizemos que nós vamos escapar... — começou ela. — Quem são nós? Eu e você? Eu, você e Gregory? Porque eu realmente acho que deveríamos incluir Gregory. E Kristen e Coraline? E Michael? Valerie?

— Jess, não dá para salvar todo mundo. De certo perceberiam se um grupo muito grande sumisse e, além do mais, isso é perigoso. Aquelas reuniões em alto e bom som que fazíamos lá embaixo não podem acontecer aqui. O Alfa tem olhos e ouvidos em todo lugar.

Jess parecia querer protestar, mas ela entendia que eu estava certo.

— A vida é um porre — ela bufou.

Jess

— Nem me fale — James suspirou. — Afinal, você e o Woopert estão juntos?

Surpreendi-me com a pergunta. Pensei em transformar a resposta em uma piada, e provavelmente o teria feito se a pergunta viesse de qualquer outra pessoa, mas James não fazia perguntas se não quisesse genuinamente saber a resposta.

— Bem... Não estamos, tipo, em um relacionamento ou algo do tipo. Só...

— Se agarrando ocasionalmente? — ele sugeriu, com um sorriso malicioso nos lábios.

— Ei. Não é assim.

— Não? Porque eu realmente não consigo pensar em nenhum assunto para uma conversa que agradasse você e o Woopert.

— Falou o rei de todos os assuntos.

— Ei — ele me fitou, fingindo estar ultrajado. — Nós temos nossas teorias. É o nosso lance secreto.

A coisa de James não usar mais óculos anulava a possibilidade de eu estar checando meu reflexo nas lentes. Tornava óbvio que meus olhos estavam estupidamente cravados nele.

— Ainda não entendo por que Derek parecia tão a fim de matar você — suspirei, dando meu máximo para desviar o olhar.

— Você contou a ele sobre... Você-sabe-o-quê?

Fiz que não com a cabeça.

— Por quê? — indaguei.

— Porque eu não acho que deveria contar. Quero dizer, as pessoas são tão dramáticas quanto a tudo. Aquilo que aconteceu entre a gente... — ele me fitou por um minuto, parecendo desconfortável pela primeira vez. — Foi, tipo, um lance de uma vez só, certo?

Soltei o ar, aliviada.

— Certo! Sem nenhuma vontade de fazer de novo.

— Definitivamente. Só nos deixamos levar um pouco. Não vai acontecer novamente.

— Certo.

— Certo.

Eu e James nos encaramos por um minuto. Havia um lampejo em seus olhos escuros que eu não conseguia identificar, mas de alguma forma estava completamente presa.

Ah, foda-se essa merda — falamos quase ao mesmo tempo e nos beijamos.

Se havia uma coisa que eu podia dizer sobre nós, era que pensávamos da mesma forma sobre muitas coisas. Inclusive sobre não pensar.

E se havia uma coisa que eu podia dizer sobre aquele momento, era que não estávamos pensando.

James beijou meu pescoço enquanto acariciava meu cabelo. Quando seus lábios encontraram os meus novamente, eu me inclinei para frente e ele perdeu o equilíbrio, caindo para trás. Nossos olhares se encontraram e nós rimos por um momento antes de voltarmos aos beijos. Ele me puxou para perto, grudando nossos corpos, e rolamos um pouco pelo corredor.

As coisas nunca seriam assim com Derek. Eu só não tinha certeza de que isso era uma coisa boa.

Eu gostava dos beijos de James, gostava do jeito que ele bagunçava meu cabelo e meus pensamentos e do brilho de ansiedade e desejo em seus olhos. Gostava de como as coisas simplesmente fluíam, e do tom urgente e decidido de seus lábios.

Quando nos separamos, estávamos praticamente abraçados no chão. Rolamos para o lado a fim de ficarmos um do lado do outro.

— Isso não significou nada, certo? — indagou James, sem olhar para mim.

Ergui meu tronco, me apoiando em um dos braços.

— Certo. Absolutamente nada.

— Menos que nada, na verdade.

— Exatamente. Nada dividido por três menos trinta e sete.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Isso não faz o menor sentido. Deus, você é imprevisível. Você é como uma daquelas bolas mágicas de 8 que sempre respondem SIM quando você acha que vão dizer NÃO e estudam rotas de fuga no café-da-manhã enquanto você acha que elas estão dormindo. Você é totalmente estranha.

Ergui uma sobrancelha.

James sorriu.

—... E é exatamente por tudo isso que você jamais deveria mudar. Por favor. Estranho é relevante. É interessante — ele se sentou também, com os olhos cravados em mim. — Estou curioso sobre você. Sempre estive. Eu simplesmente... não a entendo, e isso é fascinante.

A ideia de que James não me entendesse era novidade para mim porque, em minha cabeça, era ele quem não fazia sentido nenhum.

— Se está curioso, pergunte alguma coisa — sugeri.

Ele balançou a cabeça.

— Não é assim que funciona, e você sabe disso.

Franzi o cenho.

— Por que está me dizendo todas essas coisas?

— Porque você me perguntou por que eu vou ao seus testes, por que divido minhas teorias com você, por que a ensino Muay Thai... Está aí o porquê. Porque você é fascinante, Jess.

Fitei-o por um longo minuto. Mesmo sabendo que não era a intenção dele, simplesmente senti a necessidade irrefreável de beijá-lo.

Se você quer alguma coisa, deveria ir atrás e ponto, lembrei-me das palavras de James a Valerie.

E então apenas me inclinei e o beijei nos lábios. James pareceu surpreso, mas não me afastou. Quando nos separamos, ficamos parados olhando um para o outro por um longo minuto antes de percebermos que tínhamos companhia.

— Érrr... Hora ruim, suponho — disse Coraline, que estava parada em pé a alguma distância de nós. — Mas é bom ver que estão de volta. Andaram dizendo por aí que tinham sido severamente castigados, mas vejo que apenas estavam ocupados.

— Bem, fomos mesmo mandados para o Delta — contestei, visivelmente enrubescida. — Ficamos trancados em uma cela. E a comida...

Cora abriu um leve sorriso.

— Tudo bem, Jess. Vou voltar para o dormitório.

— Mas...

— Relaxa. Depois a gente conversa.

Eu já estava me perguntando quem era aquela garota e o que ela fizera com Cora quando ela saiu dando pulinhos e soltando risinhos afetados enquanto corria de volta para o dormitório.

James

— Isso foi embaraçoso — quebrei o silêncio.

— Obrigada pelas palavras de sabedoria, Capitão Óbvio.

— Não há de quê, Tenente Sarcasmo.

Jess se levantou, tampando o rosto com o cabelo, mas percebi um pequeno sorriso se estendendo em seu rosto.

— Precisamos de foco — estipulou ela.

Levantei-me também.

— É?

— Sim. Se vamos levar essa coisa de revolução a cabo, e vamos trabalhar juntos nisso, precisamos ser profissionais.

— Esse é o seu jeito de se sentir menos culpada por ter deixado Derek esperando e depois me agarrado?

Ela franziu o cenho.

— Eu não agarrei você. Você me agarrou.

Soltei um riso.

— Certo.

Ela me deu um empurrão de leve.

— Cale a boca, James.

— Vem calar.

Ela me encarou por um momento.

— Não vou beijar você.

— Bem, eu na verdade estava imaginando que você fosse enfiar o punho na minha boca, mas isso serviria também. Você hesitou antes de responder.

Ela começou a andar.

— O que está tentando fazer, James?

Excelente pergunta.

— Não sei.

— Ótimo. Então pare.

Assenti, sem olhar para ela. Acho que foi a primeira vez em que o silêncio entre nós tornou-se desconfortável.

— O que Gregory disse a você? — ela perguntou de repente.

— Quê?

— Quando estávamos saindo do Delta, ele falou "Lembre-se do que eu te disse, James".

Inspirei fundo. Merda.

— Eu sou uma bela porcaria em seguir conselhos, mas me surpreendo com minha incapacidade a cada dia — bufei, começando a andar mais rápido.

— Era algo relacionado ao nosso plano?

— Sim. Indiretamente. Mais como uma consequência. Ele só me mandou ficar longe.

— De quê?

Parei de andar para encará-la.

— Achei que fosse óbvio — falei. — De você, é claro.

Jess

James saiu andando e se trancou no próprio dormitório.

Suspirei. Talvez fosse melhor assim. É, definitivamente.

* * *

— Tudo bem? — Derek me fitou, segurando minha mão ao perceber que eu estava inquieta.

— A gente precisa conversar. Ele ergueu uma sobrancelha, visivelmente preocupado.

— Sim?

— Prometemos ser sinceros um com o outro, então lá vai — prendi a respiração, encarando-o. — James me beijou.

Derek desviou o olhar, e senti que seu toque em minha mão havia afrouxado. Ele passou a outra mão pelo cabelo dourado, afastando-o do rosto.

— Tá.

— "Tá"? — repeti.

— Dê-me um minuto, tudo bem? — ele suspirou. — Ok. Por que ele fez isso?

Excelente pergunta.

— Hã... Porque é o James. Ele não pensa antes de fazer as coisas.

— Ele pensa muito antes de fazer as coisas — Derek corrigiu num murmúrio. — Aquele bastardo. Sempre acha um jeito de foder a minha vida.

Ergui uma sobrancelha.

— Como é que é?

— Bem, é óbvio que ele fez isso para me irritar. Ele parece sempre encontrar maneiras novas. Simplesmente não consegue não ser inconveniente.

Soltei sua mão de vez.

— Nem tudo tem que ser sobre você.

Foi a vez dele de erguer uma sobrancelha para mim.

— Sério mesmo? Acha o que, que ele gosta de você? — ele franziu o cenho. — Jessica, James Rivers é um robô sociopata incapaz de sentir qualquer coisa ligeiramente próxima de uma emoção.

Desviei o olhar.

— Claro.

— Ah, Deus, você gosta dele?

Revirei os olhos.

— Droga, é claro que não.

— Então suponho que estejamos bem?

— Claro. Tudo extremamente bem.

* * *

Nada estava extremamente bem.

— Podemos ter aquela conversa agora? — perguntou Coraline quando entrei no quarto.

Fiz que não com a cabeça. Parte da minha miséria fora causada pela única pessoa que poderia me tirar dela. Mal deitara na cama, já me levantei novamente.

— Aonde vai? Eu não queria pressionar você — murmurou Cora, arrependida.

— Não tem a ver com você. É só... Merda. Sei lá o que estou fazendo — mesmo assim, bati a porta atrás de mim.

Bati na conhecida porta do outro lado do corredor. Uma fresta foi aberta e me deparei com o par de olhos escuros conhecidos.

— Ah, é você. Me dê um minuto — ele bateu a porta na minha cara.

— Educado como sempre!

— Eu durmo pelado, e não é uma cena muito bonita!

— Eu já vi você dormindo, e você não dorme pelado!

— Oh, pequena Jess. Sempre sabendo mais sobre a minha vida do que eu mesmo — James abriu a porta, sorrindo levemente. — Já mencionei o quão inconveniente sua obsessão por mim tem sido?

Ergui uma sobrancelha.

— Droga, Jessica, estou brincando — ele revirou os olhos. — Entre logo.

Entrei. Ele se jogou na própria cama e eu fiquei ali parada, tentando não demonstrar o quanto estava hesitante.

— Afinal, são o que, três da tarde? E você estava dormindo? — franzi o cenho.

— Quando estou na dúvida de o que fazer, sempre durmo. É extremamente esclarecedor.

— Que bom — provoquei.

Ficamos nos fitando por um minuto. Perguntei-me se James ainda eatava pensando naquele último beijo, porque eu estava. Sabia que havia cruzado uma linha com ele. Tudo o que James disse sobre mim na hora era verdadeiro para ele e tinha significado, não se podia responder àquilo com um beijo banal que não fosse nada além de vontade momentânea. Não, significava alguma coisa. Eu só não tinha certeza de quê.

Talvez Gregory estivesse certo e o Delta realmente enlouquecesse as pessoas.

— Volte para a Terra, nefelibata — disse James quando percebeu que eu estava perdida em devaneios.

— Você que é — retruquei, o que acho que denunciou que eu não fazia ideia de o que aquela palavra significava.

— Ne-fe-li-ba-ta — começou ele, distraído. — Literalmente, significa "aquele que anda nas nuvens". Nefelibata é alguém que vive nas nuvens de sua própria imaginação ou sonhos. Ou aquele que não obedece às regras da sociedade, literatura ou arte.

— E qual dos dois se aplica a mim?

— Se formos pensar, o segundo é uma consequência direta do primeiro, então não vejo muita diferença.

Assenti, ainda ali de pé. James riu e se levantou, indo até a própria gaveta do criado-mudo. Quando ele se virou, estava usando seus óculos sem grau.

— Pronto — ele voltou a sentar-se na cama, me fitando por cima das lentes. — Sou só o James. Fale comigo.

Comprimi um sorriso e sentei-me ao lado dele.

— Contei ao Derek que nos beijamos.

— E aí?

— E ele colocou toda a culpa em você e disse que eu e ele estamos bem.

— A culpa é sempre do Rivers — ele suspirou. — Bem, tanto faz. Ele já me odeia mesmo, eu não iria querer que ele odiasse você também. Mas, se tudo está bem, por que você não está?

— Quem disse que não estou bem?

James sorriu, brincando com meus dedos.

— Todo esse tempo, e você ainda não aprendeu que não pode me enganar?

Suspirei, focando meu olhar em meus pés.

— Bem... Se outra garota o tivesse beijado, eu teria ficado no mínimo chateada. Eu a chamaria de vaca no mínimo dezessete vezes e tal. O fato de que eu meio que esperava que ele socasse a sua cara faz de mim uma má pessoa?

— Não. Só quer dizer que você assiste muitos seriados adolescentes — ele deu de ombros. — O Woopert é tapado, não deve ter sido por mal.

— Deus, isso é tão estranho.

— O quê?

— Falar com você sobre ele. Eu só não conseguia pensar em mais ninguém que fosse me ouvir.

— Veja, "estranho" é um conceito relativo. Ele não existe de verdade, está tudo na sua cabeça. Quando você diz algo a si mesmo vezes o suficiente, pode começar a acreditar nisso.

— Funciona para você?

— Não ultimamente. Mas costumava.

Pelo olhar no rosto de James, percebi que não conseguiria mais informação do que aquilo.

— Por que Michael nunca está aqui?

— Sei lá. Ele nunca responde quando eu pergunto. Mas aposto que está fazendo algo para o Projeto. Testes, ou algo do tipo. Ele tem medo de ser mandado para outro nível que não o Alfa.

— Por quê?

James mordeu o lábio.

— Falaram a você sobre o Setor Três, certo? Os prodígios? — perguntou ele. Assenti. — O Delta é o castigo das crianças boazinhas. Nos outros setores, não funciona bem assim. Michael veio do Dois há algumas semanas.

— O que tem no Dois?

Ele se reclinou, deitando na cama.

— Eu não faço a mínima ideia. Mas não é nada bonito.

James

— James, temos que ajudar aquelas pessoas. Ergui uma sobrancelha.

— Jess, eu não faço ideia nem de como chegar até aquelas pessoas.

— Não pode ser tão difícil. Não podemos simplesmente salvar nossa própria pele e deixar o resto das pessoas apodrecendo aqui.

— Salvar a nossa própria pele já seria quase impossível. Libertar todo mundo seria suicídio.

— Quem disse? As estatísticas? — ela franziu o cenho, se levantando. — Veja, James, essa é a diferença entre você e eu. Eu não dou a mínima para estatísticas.

Encarei-a por um minuto. Jess tinha aquela chama de revolução nos olhos, a faísca necessária para explodir aquele lugar. Ela era suicida, mas também corajosa e altruísta. E suicida. Completamente suicida.

— Vamos dar um jeito — prometi. — Tudo bem? Sei lá como, mas vamos dar nosso melhor.

— Tudo bem — ela assentiu, parecendo relaxar pela primeira vez desde que chegara.


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