Guinea P escrita por Gaby Molina


Capítulo 2
Capítulo 2 - A primeira noite


Notas iniciais do capítulo

Oi :3



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Jess

— Já está na hora de comer? — ergui uma sobrancelha para o Grandão Número Um quando entramos no prédio Alfa.

Grandão Número Um era meu Grandão favorito. Ele não se conformava com o quão despreocupada eu estava com a coisa toda.

Na verdade, estava me cagando por dentro, mas eles não precisavam saber disso.

A Lei do Mais Forte era, na verdade: você não precisa ser mais forte. O inimigo só precisa pensar que você é.

Parecia estar funcionando muito bem até ali.

— Eles me querem viva, não é? Então preciso comer.

— Depois que nos encontrarmos com o resto do grupo — estipulou ele.

—... Só quero me certificar de que vocês têm um cardápio vegetariano — ouvi uma voz aguda atrás de mim.

— Suas perguntas serão respondidas mais tarde, senhorita — um Grandão Desconhecido falou.

Era uma garota da minha idade — talvez um ano mais nova. Possuía cabelos castanho-claros um pouco encaracolados nas pontas e pele muito branca, contrastando com os lábios naturalmente rosados. Vestia uma blusa branca e saia azul-escura, além de sapatilhas. Os olhos escuros com rímel se estreitaram ao me ver.

— Olá.

— E aí? — acenei levemente. — Bem-vinda ao cafofo. Estou aqui há, tipo, dez segundos a mais, então basicamente mando nessa merda toda. Certo, Grandão Número Um?

O homem revirou os olhos.

— Meu nome é Kristen Bell — disse a garota, sorrindo.

— Jess James — apresentei-me, acenando levemente. Voltei-me para o Grandão. — Agora podemos comer?

— Temos de esperar por Quentin Weel.

— Quentin?! Que porra de nome é Quentin?!

— Meu Deus, você fala muito palavrão — notou Kristen.

— Ah, isso te incomoda? — abri um sorriso amarelo. — Que pena.

Quentin Weel era um garoto alto e magro, com cabelos pretos caindo nos olhos e pele tão clara que parecia quase cinza.

O aspecto dele era tão doente que eu quis doar comida para ele — e olha que eu morava em um prédio abandonado.

— Oi — falou baixinho. — Eu sou o Quentin.

— Olá! — Kristen sorriu. — Meu nome é Kristen, e essa é a Jess!

— Agora podemos comer? — ergui uma sobrancelha para o Grandão Número Um.

Ele bufou.

— Vamos logo.

Tomei tal coisa como um sim. Entramos em um elevador, mas me decepcionei quando ele apertou o botão -2.

Logo estávamos no subsolo.

— Esse lugar tem cheiro de... — começou Kristen.

— Morte? — sugeri.

— Eu ia dizer Cheetos.

— Não exagere. Não fede tanto assim.

— Sorte a sua que é a hora do jantar — disse o Grandão Número Um.

Havia pelo menos umas sessenta pessoas no refeitório cinza. A maioria tinha a minha idade, mas identifiquei quatro ou cinco adultos, incluindo um cara que parecia ter uns 50 anos.

Fiquei imaginando se ele tinha mulher. Filhos. Engoli em seco.

Todos pareciam irritantes só de se ver — arrumados demais, hostis demais, educados demais, rudes demais —, até que vi um cara no canto do refeitório, que conversava com um outro garoto mais ou menos da mesma idade — 17, 18 anos.

O primeiro cara possuía cabelos pretos levemente arrepiados, pele clara e olhos escuros. Vestia uma blusa branca, jaqueta jeans, calça jeans bem escura e tênis Converse, além de óculos pretos de grau com aro fino.

— Que gato — Kristen comentou comigo quando percebeu que eu estava olhando.

Bocejei. Babaca.

— Aqueles garotos são bem gente boa — encorajou o Grandão Número Um.

Revirei os olhos. Kristen não ia me deixar em paz enquanto não fôssemos até lá.

— Vamos logo — puxei-a.

— Mas... O que vamos dizer?

— Importa? — indaguei.

Sentei-me ao lado do Moreno Quatro Olhos.

— E aí? — acenei. Kristen sentou-se timidamente ao meu lado, dando 'oi's aos dois garotos.

O Moreno sorriu levemente, me fitando.

— E aí? — rebateu, imitando minha pose descontraída. Babaca.

Certo, um pouquinho charmoso. Mas mesmo assim babaca.

— Acabei de chegar — roubei o copo dele, sem nem saber o que era. Quando bebi, descobri que era Coca-Cola. — Ah, gelada.

— Que bom que já está se sentindo em casa.

— Então, como esse troço funciona?

— Depende.

— Do quê?

Ele riu.

— Do quão boazinha você é — ele pegou o copo de volta. — No seu caso, eu diria que é melhor não acabar no Ômega.

— O que tem no Ômega?

— Esse é o problema. Eu não sei. Mas pense por um minuto.

— Espere. A entrada é o Alfa — comecei. — Alfa é a primeira letra do alfabeto grego. Ômega é a última. Então no Ômega... — minha voz falhou.

— Esperta — admirou ele. — Um pouco paranoica e extremista, mas esperta. Não acho que eles vão matar você. Poderia acabar em processos.

— Não tenho ninguém para processar a meu favor — dei de ombros.

— Sinto muito, novata.

James

Acho que ela ouviu um pouco de verdade no que eu disse, porque não retrucou. Mas não pareceu gostar de ser chamada de novata.

O que queria dizer que eu a chamaria assim mais vezes.

— Jess James — ela estendeu a mão esquerda.

A única coisa em que pude pensar foi Cara, que nome legal.

— Sério?! — fingi surpresa. — Meu nome é James Jess.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Pra valer?

— Bem, não. Na verdade, é James Rivers. Mas quase isso — abri um leve sorriso.

Ela revirou os olhos.

— Meu Deus, você acha que é engraçado, não acha?

Tentei não demonstrar o ultraje que sentia.

— Só espero que você não ache que é educada.

— Não acho — ela tomou mais um gole da minha Coca. — Há quanto tempo está aqui?

— Sei lá. Dias. Semanas.

— Como pode não saber?

Dei de ombros.

— Você vai perder a noção também.

— Falando nisso, esta é a Kristen — ela apontou para a garota ao lado dela.

— Eu sou Michael — Michael acenou.

Quando Jess tentou pegar minha Coca de novo, bufei e puxei-a pelo pulso.

— Sabe o quão difícil é conseguir uma Coca por aqui?

— O que você acha?

— Bom, é bem difícil.

— Tem o que, o Tráfico da Coca por aqui?

— Na verdade, sim. Quer que eu te consiga uma?

— Quero que me ensine a conseguir.

— Independente — admirei. — Vamos logo, antes dos Pees.

— Que porra é um Pee?!

Apontei discretamente para a câmera na ponta do refeitório.

— Sabe o que elas fazem quando te veem fazendo alguma coisa errada?

— Pee?

— Exatamente! E sabe o que acontece depois?

— Ômega?

Eu ri.

— Meu Deus, eu traumatizei você. Não, não é Ômega. Só te jogam lá embaixo e injetam alguma coisa que teoricamente faria com que você varresse um corredor mais rápido, e então te fazem varrer um corredor.

— Isso é psicótico.

Isso é só o começo. Ainda quer a Coca?

— Definitivamente.

— Está vendo aquele cara ali? — apontei para um garoto numa das mesas do fundo. — Kurt Howl. Ele é o cara.

— Fácil assim? — ela ergueu uma sobrancelha.

— Espere só até conhecê-lo.

— Vocês, mauricinhos — ela riu e foi até Kurt.

Eu já estava quase sentindo pena da pobre alma dela quando percebi que, na verdade, ela estava... se dando bem.

Jess debruçou-se sobre a mesa, apoiando o queixo nos cotovelos, e disse algo a Kurt, que se virou, visivelmente interessado nela.

Bem... Não nela, mas... Nela.

Seus cabelos chocolate lisos caíram para trás, e seus olhos castanho-claros contornados com lápis de olho preto fitaram Kurt por um minuto. Ela usava uma blusa com alguma referência a zumbis que não reconheci, jeans rasgados e tênis Converse surrados. Sua pele era um pouco bronzeada, o que era raridade lá embaixo.

Semanas no subsolo dão nisso.

Jess

— E aí? — apoiei-me na mesa, fitando Kurt.

Por um momento, eu realmente achei que ele fosse me mandar à merda, mas por algum motivo não o fez.

— Olá, olá — ele abriu um leve sorriso. — Meu nome é Kurt. E o seu, gata?

— Jess — sentei-me ao lado dele. — Então, ouvi falar que você arranja umas coisas.

— Realmente. Qual é a sua? Uma Jack Daniels para começar? Pó branco? Ou...

— Hã... Não é bem isso. Eu só queria uma Coca, mesmo.

Ele riu.

— Só isso?

— É, só isso.

Ele me entregou uma caixa de papel um pouco maior do que uma latinha.

— Eu me livraria da embalagem rapidinho, se fosse você — aconselhou, cravando os olhos escuros em mim.

— Valeu mesmo — sorri um pouco, pegando a caixa.

— Foi um prazer, Jess.

E então apenas voltei feliz para a mesa, pronta para esfregar minha conquista na cara de James.

— Você chama aquilo de difícil? — soltei uma risada alta, sentando-me ao seu lado.

— Não acredito que deu certo — murmurou ele, mais consigo mesmo do que comigo. — Da primeira vez que eu pedi, ele jogou pó de mico na maioria das minhas cuecas. Sorte que eu vi antes.

— Em sua defesa — fitei-o. —, você não tem peitos.

— Ah, falou a rainha dos peitos.

Dei um empurrão de leve nele.

— E ainda se pergunta por que colocaram pó de mico na sua cueca.

Ele se mexeu no banco, desconfortável.

— De qualquer forma — continuou. — Nenhum Elegido ousa se meter com Kurt Howl. É simplesmente melhor ficar fora do caminho dele.

— Elegidos — repeti. — É como chamam quem está aqui embaixo?

— Sim.

— É um nome bem impreciso. Ser um Elegido deixa pressuposto que houve uma eleição.

— E acha que não houve? — ele riu. — Já sei, acredita mesmo nessa merda de "DNA superdesenvolvido"?

Uma buzina muito alta soou.

— Ai! — levei as mãos aos ouvidos, soltando algumas maldições. — Que merda é essa?!

— É o Sinal. Hora de voltar para a cela.

— Ficamos em uma... cela?

— Depende do ponto de vista — replicou ele.

Kristen

James e Michael nos levaram até o primeiro subsolo, onde nossos quartos se localizavam. Era perto do quarto deles.

Jess não parecia exatamente feliz em dividir um quarto comigo, e eu também não estava vibrando de animação. Nunca havia dividido um quarto na vida.

Ela estava se apossando de uma das camas quando a porta se abriu e uma garota entrou cambaleando no quarto. De relance, vi o segurança que a havia empurrado.

— Sai daqui! — berrou Jess para o segurança, cerrando os dentes.

O homem riu e se retirou.

A garota — uma loura baixinha que parecia ter uns 14 anos — nos fitou por um minuto, hesitantes.

— Também somos novas aqui — aproximei-me, sorrindo.

Jess apenas estreitou os olhos e manteve contato visual.

— Qual é seu nome?

— Coraline Baker — a garota se apresentou, baixinho.

— Idade?

— Quatorze.

— Cidade?

— Philadelphia.

— Tipo sanguíneo?

— Jessica! — censurei, suspirando.

— Parecem inofensivos. Entram na sua casa. Quando você acorda, tudo o que tem é o cobertor ao qual dormiu agarrada — Jess cerrou os dentes. — Mas já que insiste...

— Meu nome é Kristen — apresentei-me. — E esta é a Jess. Ela não vai machucar você.

Jess murmurou algo em retorno, mas não entendi. Ela encarou o pequeno pote de vidro na mesa. Pegou-o.

— Afastem-se — pediu.

E então quebrou parte dele na mesa. Pegou um pedaço de vidro afiado e começou a tentar serrar as grades da janela.

Não deu muito certo. Mas tornou-se o passatempo dela.

— Esse lugar é melhor do que eu imaginava — comentou Coraline, olhando em volta. — Não parece tão invasivo ou rígido.

É, era bem bacana. Bem espaçoso, com três camas espaçosas bem confortáveis e lençóis com muitos fios. Tudo era bem novo e cheirava bem.

Bem, pelo menos tão bem quanto o subterrâneo pode cheirar.

—... Eu nunca fui a criança rica na escola — comentou Coraline.

— Eu também nunca fui a criança rica — Jess deu de ombros, se levantando. — Mas a criança esperta? Ah, essa eu sempre fui. Por exemplo... Câmera — ela apontou para um ponto vermelho quase invisível num dos cantos superiores. — Grades — ela apontou para as grades. — No guarda-roupa há roupas das antigas moradoras do quarto. A porta foi trancada quando Coraline entrou. Sim, liberdade é tudo — ela soltou uma risada alta.

Eu estava um pouco impressionada.

—... Mas eu era o que os professores chamavam de... talento mal-aproveitado — contou ela. — Bem, me parece bem mais útil que Química agora.

* * *

Eu não dormi. Até queria, bastante, mas imagens de meu pai não saíam de minha cabeça. Além do mais, eu nunca fora muito boa em mentir, e muito menos em continuar com a mentira.

Logo seria descoberta. Logo seria morta. E meu pai sequer ligaria. Provavelmente faria um discurso na TV, falando sobre como eu morrera com honra pelo meu país.

Eu não entendia muito bem essa coisa de "morte honrosa". Em minha cabeça, a primeira palavra era tão definitiva e aterradora que qualquer adjetivo usado depois era indiferente.


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