A Bruxa da Cidade das Brumas escrita por Libellule penseuse


Capítulo 3
Encantadora de Abelhas


Notas iniciais do capítulo

Música recomendada para o capítulo: A Chance Meeting por Jeremy Soule e Julian Soule (da trilha sonora do jogo Skyrim).



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Não era difícil obter informações sobre a recém-chegada. Raramente as pessoas se aventuravam para chegar até Moebe, principalmente aqueles que se arriscam sozinhos pela estrada violenta. Assim sendo todos os moradores tomaram a iniciativa de investigar a garota cercada por pombas e se mostravam ansiosos por dividir as novas informações com qualquer um que estivesse disposto a ouvir.

Eu não somente estava disposta, como procurava instigar os outros a falarem. Eu caçava cada fragmento de informação, por mais pequenino que fosse! Eu os coletava e guardava da mesma maneira que um dragão ávido por tesouros faz com pedras preciosas.

Ainda não era capaz de explicar minha fascinação por essa visitante, mas me deixava guiar pelo meu coração inexperiente. Eu teria seguido suas pegadas sangrentas pela cidade, mas minha avó possuía outros planos e me arrastou para longe da pequena multidão, para longe das pombas e do meu objeto de interesse.

No dia seguinte eu decidi que iria procurá-la, mas minha avó estava atenta como uma águia e encontrava as mais diversas tarefas para me manter ocupara. Durante a tarde tentei escapar pela saída dos fundos da Taverna que ficava no andar de baixo de nossa casa, mas enquanto caminhava sorrateiramente ouvi meu pai entretido em uma conversa com o joalheiro da cidade. Normalmente eu teria ignorado aquelas vozes, mas notei que conversavam sobre pombas e uma garota jovem com olhos estranhos.

Mudei meu percurso.

– Ela carregava joias? – Meu pai perguntou surpreso e apoiou seus cotovelos sobre o balcão para se aproximar do velho cliente.

– Sim! Colares e braceletes de ouro maciço da melhor qualidade, tão pesados quanto uma rocha deste tamanho. – Ele fechou o punho para ilustrar. – E pedras! Pedras preciosas tão grandes quanto um ovo e de uma pureza que nunca encontrei antes!

Meu pai assentiu pensativo e encheu a caneca do velho joalheiro com qualquer álcool que ele estivesse bebendo.

– Muito estranho, não acha Belrand? – Meu pai chamava seu cliente pelo nome. – Me pergunto onde alguém tão jovem como ela conseguiu artigos tão caros como estes?

O velho joalheiro deu de ombros.

– Não perguntei.

A verdade é que ele não se importava se aqueles objetos fossem uma herança de família ou roubados de algum parente do Imperador. Nada daquilo importava se o produto fosse bom e se o cliente aceitasse o preço imposto por ele, sempre menor do que realmente valiam quando vendiam. Sempre maior quando compravam.

– E você comprou tudo?

– Não... – O velho fez uma careta e tomou um gole de sua caneca. – Não tinha dinheiro o suficiente e, mesmo se tivesse, mercadoria como aquela demora muito para sair.

Meu pai assentiu pensativo.

– Me pergunto para quem ela terá vendido o restante do ouro...

– Isso eu já não sei. – O velho coçou a barba. – Mas ouvi falar que ela comprou aquela propriedade abandonada no extremo da Ala Sul da cidade.

– Aquela que fica do lado dos apiários? – Meu pai perguntou um tanto surpreso e o velho só balançou a cabeça como resposta. – Mas não é perigoso viver assim tão próximo daquelas abelhas?

O velho ergueu as sobrancelhas e curvou um lado da boca em um sorriso zombeteiro, afundando as rugas em sua face idosa.

– E você acha que uma menina como aquela vai ter medo de abelhas?

A jovem havia atravessado sozinha o vale árido por entre cadeias montanhosas com os pés descalços. Só a Deusa sabia o que mais ela havia enfrentado e os desafios que teve que superar para sobreviver sua jornada. Não... As abelhas não seriam capazes de instigar medo em uma pessoa como ela, mas me perguntava se suas pombas não temeriam aqueles doces e fatais insetos.

Sai de meu esconderijo e me direcionei para o balcão. Ignorei os protestos de meu pai e puxei a manga da camisa do joalheiro pedindo sua atenção. O velho estranhou, mas não me enxotou.

– Qual era o nome dela?

Certamente ele perguntara seu nome. Aquele velho avarento poderia não se importar com a origem de sua mercadoria, mas era uma pessoa muito comunicativa e tinha o costume de puxar conversa com seus clientes e tentar manipular os preços de acordo com seu interesse. Mas o joalheiro parecia confuso. Ele coçava a barba e franzia o cenho como se tentasse lembrar-se de algo... Mas não conseguia.

– É... – Ele abaixou sua cabeça pensativo. – Mas é claro que perguntei... Mas... – Ele olhava para parede com olhar vago. – Ela me disse. Acho que disse... Não tenho certeza. – Ele suspirou se dando por derrotado. – Não me lembro.

O velho parecia irritado consigo mesmo e com sua memória falha. Eu não esperei que ele se lembrasse e nem dei nenhuma resposta, mas me virei e corri em direção à porta. Ouvi meu pai gritando meu nome, mas o ignorei, pois tinha uma missão. Com certeza eu levaria uma bronca e teria minhas orelhas puxadas no final do dia, mas naquele momento nada daquilo importava.

Passei o restante da tarde rondando pela cidade e procurando por pessoas que, de alguma maneira, interagiram com a recém-chegada. Alguém que vendeu um pão, alguém que tentou comprar uma pomba, um guarda que deu indicações... Qualquer tipo de interação que fosse. Eu as procurava e perguntava o que sabiam sobre a garota das pombas, no final perguntava pelo seu nome, mas ninguém soube me dizer qual era. Alguns diziam que ela nunca o revelou. Outros juraram de pés juntos que ela havia falado seu nome, mas que por algum motivo não eram capazes de se lembrar...

O dia terminou com o Sol se pondo pelo horizonte. Eu voltei para minha casa onde meu castigo me esperava. Mas não tinha medo de minhas punições, o motivo de meu desapontamento era voltar sem o nome daquela que já começava a criar raízes em meu coração.

.

.

.

Alguns dias se passaram e a garota das pombas ainda instigava as fofocas de Moebe. As suspeitas e o estranhamento dos moradores da cidade somente aumentaram com o tempo... Sussurravam que todo dia ela se aventurava além dos muros protetores da cidade e caminhava em rumo à floresta. Que ela passava o dia inteiro naquele lugar, protegida pelas árvores assombradas e que voltava somente ao entardecer carregando plantas que não deveriam crescer na terra em que o homem pisava.

As pombas nunca se afastavam dela. Quando eu queria encontrá-la para observá-la de longe eu olhava para o céu e seguia as aves brancas. Por vezes eu coletava as penas que encontrava caídas e juntava-as em um baú debaixo de minha cama.

Ela comprou alguns animais que levou para sua propriedade. Diziam que a viam conversando com sua cabra e com sua novilha, como se aqueles animais fossem capazes de compreender sua língua. Cochichavam que falar com os animais era um sinal de loucura. Ou de alguma outra coisa...

Dessa maneira os rumores começaram.

Bruxa.

Eu não ligava, continuava fascinada por ela... Talvez minha adoração e meu fascínio só tenham crescido com a nova informação.

Numa tarde meus amigos me chamaram para brincar nos campos de lavanda. Dyston e Engar eram dois irmãos, filhos do padeiro da cidade e muito orgulhosos. Dyston era mais velho, com seus treze anos de idade ele era grande e se considerava o líder de nosso pequeno grupo. Engar tinha a minha idade, mas também era grande para onze anos e o braço direito do irmão. Também havia Briehl, tímido e mirrado, ele tinha doze anos e ajudava seu pai que trabalhava nos estábulos. Nunca conheci alguém que soubesse tanto sobre cavalos como Briehl.

Corríamos pelos campos, eu era mais rápida que meus amigos com meu corpo leve e minhas pernas longas. Mas algumas vezes perdia a corrida de propósito, pois Dyston sempre gostava de ganhar e ficava bravo quando isso não acontecia.

Quando chegamos ao topo do morro Engar chamou nossa atenção. Ele gritou e apontou para o grande carvalho. Conhecíamos bem aquela árvore enorme e velha, pois foi onde um bando de abelhas perdidas se instalou. Era um enxame violento e que se levantava a qualquer aproximação, eu mesma já tinha sido picada quando tentei roubar favas de mel e depois disso nunca mais me aproximei daquela árvore.

A jovem das pombas estava lá.

Parada de frente para o cerne oco da árvore, que tinha virado o lar de centenas de abelhas melíferas. Suas pombas voavam muito alto, agitadas e evitavam se aproximar muito de sua dona em razão daqueles insetos.

Eu e meus amigos observamos fascinados quando a jovem colocou sua mão dentro da colmeia. Seu braço pálido e nu ficou coberto de insetos que caminhavam tranquilamente sobre sua pele, sem picá-la. As mestras apiárias sempre cobriam todo seu corpo com muitas proteções e usavam um véu sobre a cabeça, mas não ela. A jovem vestia somente seu vestido branco esfarrapado, que deixava seus braços à mostra, mas ela encantava as abelhas que voavam à sua volta tomando momentaneamente o lugar pertencente a aves brancas.

Ela devia realmente ser uma bruxa.

Vagarosamente ela tirou de dentro da árvore uma grande fava que pingava mel, um líquido denso e dourado. Lambi meus lábios imaginando o gosto doce em minha língua. Ela guardou a fava dentro de um pote de vidro azulado e voltou a coletar mais favas enquanto o mel escorria vagarosamente enchendo o recipiente. Ela encheu um total de três potes e as abelhas permitiram que ela extraísse parte de sua casa e de seu alimento.

Meus amigos ficaram em silêncio enquanto a bruxa caminhava tranquilamente em nossa direção. As abelhas tinham ficado para trás, voltaram para dentro do grande carvalho e as pombas desceram do céu. Ela parou na nossa frente sorrindo e lambendo os dedos melados.

Meu coração acelerou dentro do meu peito.

Olhei para os lados e meus amigos estavam estranhamente silenciosos, os olhos repletos de fascinação e algo mais... Medo?

Ela estendeu um pote de mel em nossa direção, nos oferecendo aquele doce sem nenhum motivo aparente. Esperei que Dyston se aproximasse e pegasse o pote, por que ele era o mais velho e ele era o líder, mas meu amigo não fez nada. Ele parecia perplexo e deu um passo para trás, como se a bruxa não fosse somente uma garota, como se ela fosse uma cobra peçonhenta. Não importava que ele tivesse quase o tamanho da Bruxa, ou que provavelmente fosse mais forte do que ela fisicamente. O filho mais velho do padeiro se encolheu sob seu olhar como um ratinho se esconde de um gavião.

Então eu segui em frente e tomei o pote de suas mãos. Ele estava grudento e quente e eu olhei diretamente nos olhos da bruxa. De perto ela a sua beleza era ainda mais espetacular e me vi envolvida pelo azul e pelo âmbar... Eu queria me afogar naqueles olhos e nunca mais emergir. Ela sorria, era um sorriso feliz e triste ao mesmo tempo, como se tivesse lido todos meus pensamentos e tocasse minha alma.

Ela não falava nada, eu me retorcia por dentro querendo ouvir sua voz.

– Qual é o seu nome?

Perguntei timidamente, mas ela não me respondeu. Ao invés de falar alguma coisa ela se abaixou e beijou minha testa, seus lábios carnudos eram quentes e macios. Eu prendi minha respiração e queria que aquele momento durasse para sempre.

Mas não durou.

A Bruxa se virou e foi embora, deixando para trás somente o pote de mel uma sensação quente em minha pele onde ela tinha me beijado.


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Notas finais do capítulo

Eu diria que essa foi a metade de um capítulo. No planejamento da história tinha bastante informação para colocar aqui, então eu separei em dois.
Isso provavelmente vai acontecer um bocado, por que na minha cabeça tudo parece bem mais simples! Até começar a escrever e os capítulos vão ficando enormes...