Maître de Marionnettes (Hiatus) escrita por Jack Byron, Tom


Capítulo 4
Humour et Décisions


Notas iniciais do capítulo

Loucuras e Decisões escrito por mim, Lyra Zamia. :)



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O som de seu salto era o único que ecoava pelos corredores vazios da Mansão Mortensen. Beatrice se encaminhava para o seu quarto, tentando ficar sozinha, para variar. Mas enquanto andava seus pensamentos pareciam ser uma bola confusa que pingava de um lado para o outro.

Ela realmente não conseguia entender o que Zabèle fazia. E isso era estressante, porque ela se sentia em desvantagem. E Freud não gostava de se sentir em desvantagem. Mas não era por conta de sua irmã, não mesmo, e sim por conta de seu avô. Ela era apenas uma arma, descartável, enquanto a Sig era a inteligência. Não tão descartável assim.

Só que matar era bom, para Beatrice, mas para Zabèle aquilo era uma espécie de desonra ao pai, que morreu fazendo o que ela fazia. Mas será que Sigmund não entendia? Era por isso que Freud precisava continuar. Até acabar com aqueles que foram os mentores da morte de seu pai. Eles o tiraram dela e de Zabèle, quando as garotas mais precisavam.

A mulher percebeu que havia chegado ao seu destino quando o seu corpo bateu contra o corpo de outra pessoa, libertando-a de seus devaneios.

– Me desculpe. – disse distraidamente até que percebeu que o seu alvo era Armand. E também percebeu o quanto eles estavam pertos um do outro, o braço do homem enlaçando as suas cinturas de forma nada casual. – Pode me soltar agora, Armand. – pigarreou.

Levou alguns segundos para que ele realmente cumprisse a ordem. Beatrice soltou um longo suspiro e lançou um último olhar ao homem, dando as costas a este e entrando em seu quarto. A porta bateu com estrépito.

Tudo o que Beatrice queria nesse momento era um pouco de paz e entendimento. Tirou com velocidade as camadas de roupas negras que lhe cobriam e deitou apenas com as peças íntimas em sua enorme cama. Apertou os olhos e, quase imediatamente, adormeceu.

•••

Era meia noite quando a Freud realmente acordou. Depois de ter alguns sonhos perturbados com salamandras e piratas, ela decidiu que precisava pensar nas coisas que fazia. Seu pai não queria que elas trilhassem o caminho de seu avô, mas era inevitável uma vez que a sede por vingança era insaciável. Mas ela estava tão fixada nisso que se esqueceu de viver sua vida. Sua vida verdadeira.

Por um momento se esqueceu de Zabèle, e ela não poderia se dar ao luxo de que isso ocorresse novamente. Sig era a única pessoa com quem ela se importava de verdade. Era a única por quem ela lutava para completar sua missão individual: matar o assassino de seu pai. Zabèle merecia isso. Depois de tudo o que havia acontecido a ela e a toda família Mortensen.

Foi então que ela decidiu que precisava ter um momento apenas com a sua irmã. Levantou-se rapidamente e foi em direção ao seu guarda-roupa. As portas correram para lados opostos e em seu interior se revelaram inúmeras peças de roupas. A maioria de cor preta, algumas provocantes, outras normais.

Beatrice escolheu uma blusa azul de manga longa, uma calça jeans de um azul profundo e as suas típicas botas com salto. Por cima de tudo aquilo, vestiu um sobretudo negro. Foi de frente ao espelho e tingiu seus lábios de um vermelho quase intenso, soltando os seus cabelos extensos cor de ébano. Ela realmente não gostava de se arrumar tanto assim, mas aquilo era especial, principalmente porque tudo aquilo já estava armado a um bom tempo, ela só precisava colocar em ação.

Assim que abriu a porta, viu que Armand ainda estava lá. Ela franziu o cenho, esquadrinhando o belo rosto do homem. Soltou um suspiro.

– Vá dormir. Você também precisa descansar. – instruiu, mas o homem não se mexeu. Ele apenas a fitou. Parecia que o que havia sido dito por Zabèle mais cedo estava bem ali entre os dois, como uma densa corrente elétrica.

– Fui contratado para te proteger. É isso que estou fazendo. – Beatrice exibiu um sorriso irônico, mas assentiu. Deu as costas para o seu protetor, acenando com a mão direita.

– Eu sei me proteger muito bem, Armand. Achei que soubesse disso. – Freud disse, simplesmente. Mas ela não poderia se concentrar em pensar sobre Armand. Não agora e provavelmente nunca. Na verdade, ela estava indo até o quarto da irmã.

Não foi uma surpresa quando viu que Chermount estava fixamente parado ao lado da porta, de olhos bem abertos. Ele fitou rapidamente Beatrice antes de ela se postar ao seu lado, com a mão na maçaneta.

– Zabèle está repousando.

– E você é extremamente esquisito. – retrucou Freud. Ela abriu a porta do quarto da irmã que estava fitando o teto, acordada. Freud sorriu.

– Achei que você estaria acordada mesmo, Sig. – Beatrice disse enquanto se sentava na ponta da cama. A irmã se levantou. Havia uma mescla de curiosidade e desconfiança em seu olhar, mas ela abriu um sorriso.

– O que você está fazendo aqui? Já está tarde. – falou a garota com o tapa-olho. Nem para dormir ela parecia tirar aquilo. Beatrice suspirou e pegou um das mãos de Sigmund, apertando-a levemente.

– Eu achei que poderia sair com você um pouco. Faz tempo que não fazemos coisas juntas, Sig. – a voz de Freud estava embargada, mas nada que tirasse o seu autocontrole. Dessa vez, havia compreensão nos olhos de Zabèle, como se ela pensasse exatamente a mesma coisa.

E isso era bem provável.

– Eu sei. Mas não podemos simplesmente sair assim. Vovô nos mataria. – comentou Sigmund em voz baixa, mas isso só fez Beatrice soltar uma risada. Ela deu de ombros em seguida, se levantando.

– Nós somos as duas coisas mais importantes para o senhor Joseph, Sig. Não se preocupe com isso. Mas... Você precisa se trocar. Agora. – Beatrice ordenou de brincadeira, sorrindo de forma maliciosa. Zabèle não deixou aquilo passar despercebido.

– O que você pretende fazer, Freud? – A garota perguntou cautelosamente, mas ela parecia estar gostando da ideia.

– Ahhhh! minha doce pirata, vamos mandar um recado para nossos queridos... inimigos. – Freud afirmou em uma voz misteriosa, letal, e sentiu seu corpo se aquecer com aquela ideia em sua cabeça. Tudo seria incrível.

•••

Zabèle, assim como Beatrice, estava com o cabelo solto. A negritude deles pareciam se misturar com a noite, deixando suas peles brancas mais brilhantes. Os lábios tingidos de vermelho de Freud lhe davam poder, mas os lábios tingidos de um gloss rosa claro de Sigmund demonstravam sua ingenuidade.

Falsa ingenuidade, claro.

Elas estavam do lado de fora da Mansão Mortensen, se encaminhando para a garagem. Beatrice pegaria seu carro, preto e discreto, e levaria a irmã para um passeio inesquecível sem que ninguém as impedisse ou visse.

Mas é claro que isso não aconteceu.

Assim que a porta eletrônica da garagem se abria, uma figura pálida surgiu por de trás da mesma. Chermount estava com uma expressão severa e os braços cruzados frente ao tórax. Os lábios em uma linha fina de reprovação. Beatrice ouviu um suspiro forte de Zabèle ao seu lado e revirou os olhos.

– Sig, pode ir entrando no carro. Eu converso com o cão de guarda aqui. – Freud falou em uma voz amável... mente irritadiça. Chermount trocou o apoio de um pé para o outro e continuou calado. Aquilo fez Beatrice abrir um sorriso de desgosto. – Você poderia falar alguma coisa, sabia? Essa sua boca trancada a sete chaves faz com que você pareça mais idiota do que já é.

– Zabèle não pode dirigir. – e enfim Chermount disse alguma coisa, mas uma coisa que fez Beatrice rir.

– Eu conheço as limitações de minha irmã melhor do que você, Cher. – Freud fez uma parada rápida, tentando conter a risada. – Cher?!... Bom, agora sei o que você faz a noite enquanto Zabèle dorme. Deve se travestir por aí, não é? – Beatrice disse de forma provocante, para causar alguma reação no protetor de sua irmã, mas ele nada disse. Apenas fechou as mãos com força em punho.

– Você não pode sair sem a permissão do Sr. Mortensen, principalmente levando Zabèle. – ele avisou em voz baixa. Dava para perceber claramente que ele estava tentando manter o controle. Zabèle tinha um olhar preocupado, prestes a sair do carro para intervir naquela discussão. Beatrice precisava manter o controle.

– E quero ver quem vai me impedir. – Beatrice deu um passo para frente, com um olhar mordaz. O queixo de Chermount ficou rígido e em seus olhos havia uma espécie de indecisão. Mas então uma forma surgiu entre os dois e toda aquela tensão. Sigmund estava com a feição cansada, como se fosse a mãe e aqueles dois os seus filhos briguentos.

– Freud, vamos. Acalme-se. – mas Beatrice não tirou os olhos do corpo robusto do guarda. Ele, entretanto, fitou Zabèle. Havia uma espécie de súplica em sua feição.

– Por favor, Zabèle. Você sabe que isso não é certo.

– Me desculpe, Chermount, mas não cabe a você decidir isso. – Sigmund disse calmamente e deu as costas ao homem e sua irmã, voltando para dentro do carro novamente. Beatrice abriu um sorriso vitorioso e foi em direção à porta do motorista, sentando-se atrás do volante. Ela abriu o vidro negro do carro até o ponto em que mostrava todo o seu rosto e mandou um beijo no ar para Chermount, de forma provocativa. Ele lançou-lhe um olhar de nojo, que ela retribuiu com uma piscadela.

Com um pé no freio, Freud acelerou. Na verdade, o intuito era cantar pneus e, também, jogar fumaça do atrito entre solo e borracha toda na cara de Chermount. Beatrice pôde ouvir a tosse do homem e sua felicidade aumentou. A mulher olhou levemente para o lado e notou um olhar reprovador de Zabèle, mas apenas deu de ombros.

E, apesar de tudo, um sorriso brincava nos lábios das duas.

•••

O velocímetro não saia da casa dos 130, mesmo nas ruas mais movimentadas. Beatrice gostava da velocidade, de se sentir parte dela, mas Zabèle parecia levemente tensa. Freud olhou para irmã, com um sorriso maior que o rosto.

– Relaxe, Sig. Tudo vai acabar bem. Eu prometo. – falou de forma brincalhona, mas havia uma sinceridade em sua voz. Beatrice realmente queria passar mais tempo com a irmã, e queria que aquela noite entre as duas pudesse ser inesquecível. Elas precisavam de uma folga das outras pessoas. Beatrice mais do que ninguém.

– Eu sei. Mas, se formos paradas pela polícia, essas palavras não servirão de muita coisa. – Sigmund afirmou, fazendo Beatrice rir. Ela olhou para a irmã com afeto.

– Eu tenho os meus contatos. – aquelas palavras pareciam envolver muita coisa, mas Zabèle não perguntou nada, apenas mudou de assunto. Freud tinha certeza que ela não gostava das coisas que a assassina fazia, mas não restava outra escolha.

– E então... O que vamos fazer? – perguntou uma Zabèle curiosa. Freud lançou um olhar singelo ao banco de trás do carro. As coisas que havia ali fizeram com que Sigmund ficasse confusa e ainda mais curiosa. Duas garrafas de champanhe, sem nenhuma taça a vista, e vários sprays de cores variadas. Sig olhou para a irmã. – Para que isso tudo?

– Ahh... Você vai ver. – e dito isso, Beatrice pisou ainda mais fundo no acelerador.

•••

Elas estavam paradas de frente a uma construção de apenas três andares. Ali se vendia todos os tipos de roupas com o couro de répteis.

– Você está me levando para roubar uma loja de roupas estranhas? – brincou Zabèle, mas havia certa dúvida em sua voz. Beatrice, entretanto, lançou-lhe um olhar malicioso. Tirou do banco de trás do carro dois dos sprays e dois casacos negros, com capuz. Sigmund não os havia notado antes, por se confundirem com a cor preta do banco. Olhou de forma suspeita para os lados, vendo se não havia ninguém ali.

– Vista isso e coloque o capuz. É melhor que... Ninguém nos veja. Por câmera ou pessoalmente, apesar de que a segunda opção pareça mais remota. – realmente. As ruas estavam desertas próximas àquele estabelecimento.

Depois que as duas já estavam devidamente protegidas de olhos curiosos, ambas saíram do carro. Beatrice sacudiu os dois sprays em suas mãos, em uma ação automática, e começou a se aproximar das paredes do pequeno prédio. Zabèle manteve-se um pouco atrás, com as mãos no bolso do casaco e um olhar suspeito.

Freud começou a sua obra de arte.

Levou mais ou menos dez minutos até que tudo estivesse terminado. Havia dois desenhos na parede. Uma carta de baralho da cor dourada e uma caveira pirata da cor preta. O seu sorriso de canto demonstrava a satisfação com o seu trabalho enquanto Zabèle olhava boquiaberta para as pichações.

– Eu... Eu não sabia que você ainda desen... – mas então Freud cortou a irmã no meio da frase, passando o braço direito pelos seus ombros.

– Não é só porque sou uma assassina fria que esqueci o lado artístico da família. Eu ainda sei desenhar muito bem. – explicou, rindo. – E essa nossa noite merece comemoração.

Sigmund pareceu adivinhar quando a irmã voltou ao carro, pegando uma das garrafas de champanhe. Beatrice sacudiu-a assim como fez com os sprays, que agora estavam no chão, e tirou a rolha, fazendo com que uma explosão da bebida caísse sobre elas. As duas começaram a rir, bobas. Freud foi a primeira a tomar um bom gole, deliciando-se com o líquido.

– Eu só vou tomar um pouquinho. – avisou Zabèle, pegando a garrafa. Beatrice franziu as sobrancelhas com uma falsa indignação.

– Não, não, Sig. Essa é noite é nossa. Chega de privações e de seguir a linha. Vamos atingir nossos extremos! – Beatrice disse lançando o braço esquerdo para o ar, como se comemorasse alguma coisa, e Sigmund soltou uma bela risada. Por mais que houvesse dúvida em seu olhar, ela virou a garrafa tomando um bom gole do champanhe. Freud bateu palmas alegres e depois abraçou a irmã.

– Você é louca, Freud. – Zabèle disse, rindo.

– Alguém na família deveria ser. – respondeu Beatrice, feliz. – Mas agora vamos para a nossa próxima parada.

Depois de dizer isso, as duas entraram no carro. Elas não paravam de sorrir um minuto sequer, brincando e conversando durante todo o caminho. Zabèle nem se preocupou mais com o velocímetro, que agora chegava a 150. Mas por mais que Freud estivesse se divertindo, havia uma parte racional na sua mente. A parte que planejara aquilo tudo, a parte que queria atingir toda a máfia inimiga de todos os jeitos, a parte que pichou a carta do Rei de Ouros, que tinha como símbolo Júlio César, ditador romano, a parte que desenhou uma caveira pirata para mostrar quem é que havia descoberto as instalações principais dos salamanders.

A parte que queria vingança.

Antes mesmo de chegarem à segunda construção o primeiro champanhe já havia acabado, e elas já se preparavam para abrir o segundo. Todo o clima estava mais leve e os problemas pareciam ficar em segundo plano. O álcool era responsável por grande parte daquilo, claro, mas também se devia a saudade que as irmãs tinham uma da outra. Dos momentos que passavam juntas, no passado.

•••

Elas já estavam chegando ao quarto e último destino. Nas mãos de Zabèle havia agora uma garrafa de whisky, recém comprada e aberta, porque o champanhe não havia durado muito tempo. Havia sorrisos bobos no rosto de cada uma das duas e elas cantavam de forma desconexa – ou quase isso – uma música no rádio que elas nunca tinham ouvido na vida.

Mas, por mais que Beatrice já tivesse ingerido uma grande quantia de álcool, sua mente estava limpa. No treinamento para assassina, você deveria aprender a fazer coisas de todos os tipos. Beber e se manter “sóbria” como um bom homem fazia parte disso.

Sua memória estava repleta de imagens das três últimas paradas. A primeira com Júlio César, a segunda com Alexandre, O Grande e a terceira com Sir Lancelot. Respectivamente com os naipes de Rei de Ouros, Rei de Paus e Valete de Paus.

A assassina ficava se perguntando, enquanto a cidade passava rápida diante os seus olhos, se eles iriam fazer a conexão. As cartas, suas personalidades. Ela até tinha desenhado a caveira, para dar uma dica. Beatrice soltou uma risada abafada. Ela estava sendo tão imprudente mandando aquele recado aos répteis. Mas, sinceramente, não havia importância.

– O que está feito, está feito. – murmurou em voz baixa, mas Zabèle a ouviu. Virou-se curiosa para a irmã, porém, mantendo-se calada. Ela sempre ficava. Obter respostas, não pedir. – Eu só estava falando sozinha. – respondeu prontamente com uma risada e um dar de ombros. Sigmund lançou-lhe um olhar desconfiado, mas não insistiu. O excesso de bebida ajudava, também.

E então elas estavam paradas, fora do carro, de frente a uma construção simples de um pet shop. Ali se vendia apenas répteis, de todos os tipos, mas bem sabia Beatrice que não era apenas isso. Ela ficava se perguntando, constantemente, porque eles sempre tinham algo relacionado aos répteis. Qual o sentido disso? Qualquer um poderia desconfiar que seria a instalação da máfia.

Em um momento de dúvida, ela olhou para os lados. Às vezes era tão fácil que poderia ser muito bem uma emboscada, mas, se eles não apareceram antes, por que apareceriam agora? Freud adiantou-se com os sprays nas mãos e o capuz em sua cabeça.

Esse desenho levou um pouco mais tempo. Claro, fazer uma única carta com dois naipes era complicado. Por fim, ela se afastou para ver sua obra prima.

Rainha de Espadas em cima, Rainha de Paus em baixo, representadas por...

– Atena e Elizabeht I, estou certa? – perguntou Zabèle, em voz baixa. Beatrice se voltou rapidamente para a irmã, quase se esquecendo de sua presença ali. Lançou-lhe um olhar confuso, que foi respondido com uma risada. – Eu também conheço o baralho, Freud. – Sigmund pigarreou e tirou o spray preto das mãos da irmã, indo até a imagem. – Mas falta uma coisa.

Beatrice ficou observando os movimentos da irmã, que ao invés de ir para o desenho da carta, foi para o desenho da caveira pirata. Depois de mais ou menos um minuto, Zabèle voltou ao seu posto com um sorriso afetado. Ela cambaleou um pouco, apoiando-se em Freud, a qual mal percebeu o que havia acontecido. Ela estava focada no desenho.

A caveira pirata agora tinha um tapa-olho. Atena e Elizabeth. A guerreira e a líder.

– Acho que você pegou o espírito da coisa, Sig. – comentou Beatrice. Ela se virou para a irmã e colocou ambas as mãos nos ombros da mesma, com um sorriso. – Você não sabe como é bom estar aqui com você, agora.

– É como se nada tivesse mudado. Como se... ele ainda estivesse aqui. – Sigmund respondeu, em voz baixa e infeliz. Ela referia-se ao pai como alguém que parecia nunca ter estado ali com elas.

– Mas ele está com a gente, bem aqui. – e então Beatrice pegou a mão de Zabèle, levando esta ao seu coração e colocando a sua própria mão em cima do coração de Zabèle. – Ele sempre vai estar conosco, Sig. Enquanto estivermos juntas e enquanto nos lembrarmos dele. – um momento de silêncio antecedeu o abraço das irmãs. Beatrice poderia muito bem ter dito que a amava, mas aquilo não era o suficiente. Nunca seria o suficiente. Era algo mais... Profundo.

Não poderia existir Sigmund sem Freud.

Já isso soava o suficiente o bastante.

•••

Assim que o carro preto passou pelo portão da propriedade dos Mortensen, Beatrice previu que haveria problemas. Armand, Chermount e o próprio Joseph Mortensen estavam na porta mansão, aguardando. O último com um semblante tão raivoso que, se Freud já não tivesse visto muitas coisas horríveis na vida, teria medo. Quanto tempo eles ficaram ali? Ou as viram se aproximando pelos monitores de segurança? Depois ela poderia descobrir isso.

Zabèle também parecia ter visto aquilo, pois inspirou profundamente algumas vezes. Jogou a garrafa de whisky – que havia chegado já a sua metade – no banco de trás e apertou os dedos um nos outros. Era visível que ela estava tentando manter a calma e a forma, porque o álcool já havia dominado o seu corpo.

Beatrice apertou as têmporas antes de sair do carro. Lançou um olhar mortal para Chermount, pois sabia que aquele grande monte de bosta as havia dedurado. Assim que as portas do veículo se fecharam nas costas das duas, Freud passou o seu braço direito pelo o braço esquerdo da irmã, para mantê-la estável. Sigmund lançou-lhe um olhar agradecido.

– Acho que nunca vi vovô com tanta raiva assim. – Beatrice comentou, mas ela tentava conter o sorriso.

Sorriso que não durou muito mais que alguns segundos.

– O que vocês duas estavam pensando? – vociferou Joseph Mortensen. Depois ele se virou para Zabèle, como se a culpa fosse totalmente dela. – Eu, sinceramente, esperava muito mais de você, Zabèle. – ele cuspiu as palavras para cima da garota de tapa-olho, que se contraiu. Infelizmente, ou felizmente, Beatrice tinha o temperamento de seu avô.

– A culpa não é dela! Eu a chamei para sair comigo. Queria passar um tempo com minha irmã, algum problema? – perguntou ironicamente enquanto ela tentava conter a vontade de ir até Chermount e tirar com as unhas aquela sua cara de triunfo. Como ele poderia ter gostado daquilo? Grande imbecil. Beatrice conseguiu ficar mais irritada do que já ficava com a presença dele, normalmente.

– Não me interessa! O tamanho da imprudência de vocês, a falta de inteligência. Parece que criei dois burros ao invés de duas piratas! Isso é decepcionante, sinceramente. E pensar que seu pai, e eu, víamos habilidade em vocês.

– CALA A SUA BOCA! – explodiu Beatrice. Ela havia se soltado de Zabèle, que estava com a boca escancarada como se fosse gritar a mesma coisa que a irmã, só que um pouco tarde demais. – Se nós fugimos hoje, é tudo sua culpa, Joseph Mortensen. Tudo culpa da prisão que você nos colocou. Do monstro que me tornei. Isso é tudo culpa sua! – ela continuou gritando, gesticulando para o peito do avô. Em sua face havia surpresa, já que ele nunca havia sido desrespeitado assim. Beatrice se voltou para Chermount, que lhe lançava um olhar de reprovação. Ele achava que era quem? O seu pai? – E você, seu grande de merda, se meta nos assuntos que lhe pertence, não nos meus.

– Os assuntos de Zabèle pertencem a mim,... – ele olhou rapidamente para Sigmund. –... Também.

– Não ache que você tenha algum direito sobre minha irmã, Chermount, porque você está muito enganado. – Mal Beatrice terminou de dizer, com uma voz assassina, e ela acertou um soco potente no estomago do guarda costas, que se reclinou para frente tentando diminuir a dor do impacto e tornar os seus gemidos inaudíveis. Freud aproveitou aquela posição para sussurrar ao ouvido do homem. – Faça mais alguma coisa em relação a mim ou a minha irmã e esse soco não vai ser a única coisa que você levará.

Nesse mesmo instante, Armand tirou Beatrice de perto de seu companheiro. Joseph foi até Chermount, perguntando como ele estava, enquanto Zabèle olhava de seu protetor para Freud, sem expressão. Beatrice queria poder entender a irmã e seu semblante de uma forma melhor, mas a raiva era maior do que a consciência.

– Tire-a daqui, Armand. – instruiu Joseph, com uma voz dura, olhando em seguida para Zabèle. – E você, vá para dentro.

– Não a trate assim! Ela não tem nada a ver com isso. – rosnou Beatrice, tentando se livrar do homem que a segurava. – Tire as mãos de mim, Armand. Eu não preciso de você para ir à saída. – avisou friamente. O guarda a soltou, por fim, afastando-se relutante.

– A desobediência... – começou Joseph, com Chermount agora recomposto, ao seu lado.

– Não preciso ouvir mais nenhum de seus sermões, vovô. – A tensão do clima parecia seguir Beatrice por todo o trajeto que ela fazia até o carro. Bateu a porta do automóvel com força, cantando pneus e se afastando o mais rápido possível da propriedade.


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Notas finais do capítulo

Novamente, peço desculpas pela demora. Eu estava, ainda estou um pouco, com umas crises aí de escrita e não conseguia achar a melhor forma para escrever esse capítulo, que deveria ficar perfeito. Mas enfim, ele saiu. Espero que tenham gostado! :*