Maître de Marionnettes (Hiatus) escrita por Jack Byron, Tom


Capítulo 5
La Mort de Casagemas


Notas iniciais do capítulo

"A Morte de Casagemas", de Mozi para o mundo!
Vejam o trailer da fanfic, ficou lindo: https://www.youtube.com/watch?v=Jf0IMZmoaoU



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Zabèle era o Período Azul de Picasso. Sua essência variava entre todos os tons de azul, mas apenas azul. Era como ela se sentia: afastada, quebrada e sozinha.

− Você tem idéia do tamanho de sua irresponsabilidade, Zabèle?

Silêncio.

− Você tem idéia do que poderia ter acontecido?! Vocês poderiam ter sido mortas, ou pior, poderiam ter sido pegas. EU NÃO TOLERO IRRESPONSABILIDADES!

A jovem voltou os olhos frios para o avô e o fitou com um sorriso sarcástico de canto. Seu rosto expressava tudo menos algo identificável.

− E o que você faz com os irresponsáveis, hein pépé? − murmurou em tom desafiador.

− Uma noite com ela e é nisso que se torna. − devolveu sarcástico.

Zabèle esboçou um sorriso afetado.

− Eu acho, vovô, que você não consegue aceitar o que eu realmente sou. Eu sou melhor que você. E não digo isso para expressar os meus valores ou toda essa idiotice de caráter. Eu sou melhor porque sou e você tem medo que eu te passe a perna porque eu posso.

O velho encarou a menina por um momento sem demonstrar expressão.

− Chermont, leve-a para cima. Arrume alguém para lhe dar banho e livre-se dessas roupas imundas. − E dito isto ele saiu para a reclusão silenciosa de seu escritório.

Bèlle se deixou cair no sofá de couro.

− Você precisa de um banho. − começou o guarda-costas adiantando-se na direção da jovem.

Chermont segurou Zabèle em seus braços como se fosse uma criança e a carregou escada acima. A pirata afundou a cabeça no peito do homem chorando compulsivamente, era a primeira vez que ela chorava daquele jeito sem se importar com nada.

− Você me traiu, Chermont! − ela o acusou.

− Eu estava tentando te proteger, Bèlle...

− Você me traiu! − ela repetiu. − Quando chegar a hora você vai ter que escolher entre mim e ele. A quem pertence a sua lealdade?

Ela não sabia, mas aquela pergunta podia tê-la matado.

•••

− O que se passa?

− Ela ainda não voltou! − exclamou um aflito Armand.

Zabèle apenas deu um suspiro e jogou-se na poltrona acolchoada que seu avô costumava utilizar nas longas horas de leitura e reflexão.

− Vai voltar quando estiver preparada. − respondeu indiferente.

− Mas e se...

E se não é uma opção, Armand. − contrapôs friamente e retirou-se do cômodo estressada.

Os passos de Chermont ecoavam às suas costas, mas ela não ousou questionar aquele barulho repugnante em meio as suas reflexões. Alguns fatores ainda tomavam conta da mente enevoada da jovem. Fatores que tornavam a presença constante de Chermont quase invisível. Quase.

Enquanto refletia sobre os acontecimentos da noite passada, perdia-se várias vezes imaginando coisas que não deveriam ser imaginadas. Com todas as diferenças entre o treinamento dela e de sua irmã, havia uma regra em especial que se aplicava amplamente a mente das duas.

Ausência de sentimentos. Vulgo, frieza.

Tanto Zabèle quanto Beatrice haviam sido criadas com um único propósito em comum e de extrema importância. A facilidade em esquecer de qualquer tipo de ligação afetiva com algo ou alguém. Sig havia sido lapidada para ser, não uma boneca de porcelana, mas uma boneca de gelo. Fria e difícil de quebrar... Difícil de quebrar... Seria preferível se o gelo fosse inquebrável.

Com seus passos silenciosos como os de um felino, Zabèle adentrou na biblioteca seguida por Chermont, tão silencioso quanto. Ela sentou-se em uma poltrona esverdeada que possuía seu nome bordado e passou a contemplar a obra de arte à sua frente. La Mort de Casagemas. Era uma réplica, claro, réplica perfeita, mas, ainda assim, uma réplica. O Sr. Mortensen lutara muito para conseguir que retirassem a original do Museu Picasso em Paris, infelizmente, o dinheiro não foi suficiente para comprar os adoradores daquela belíssima arte. Sobrou a réplica, o falso... O quase perfeito. Quase.

− Eles dizem que é sublime, extraordinário. Um exemplo de retrato! Olhe bem, Bèlle, é só a tristeza se fazendo arte. − murmurou o guarda-costas ajoelhando-se ao lado da poltrona da moça.

Zabèle permaneceu em silêncio. Estava brava com ele por tê-la entregada ao seu avô, no entanto, sabia que ele o fizera pelo seu bem e tinha perfeito conhecimento de que fora imprudente e quase anárquica.

− A tristeza é uma arte por si só, Chermont. − disse por fim. − A tristeza é mais intensa do que a felicidade e, convenhamos, nós vivemos em um mundo onde os excessos atraem até as almas mais santas. Veja os mosteiros, excesso de oração! O resto nem se conta, está tudo afogado na overdose. De maconha, cocaína, crack, heroína, trabalh0, amor. Todo mundo morre de overdose de alguma coisa, no fim das contas. Até mesmo a bondade, se em demasia, morre do próprio excesso.

− Não é uma boa hora para pedir que eu identifique Shakespeare. − ele caçoou.

− Mas você identificou, não é?

Chermont esboçou um sorriso fraco e a encarou com seus intensos olhos azuis.

− Acho... Que é força do hábito. Sabe, conviver com você significa te decifrar a todo tempo.

Isso é porque você ainda não enjoou de mim. − contrapôs irônica.

− Não vejo como isso poderia acontecer. − ele retrucou.

− As pessoas cansam, Chermont. Elas cansam de nunca serem o centro das atenções. Veja, ontem à noite eu saí com a minha irmã e hoje ela sumiu. Eu sei que ela só está aqui por minha causa, mas vai chegar um momento em que ela vai atingir o próprio limite e, então, assim como minha mãe e assim como o meu pai, ela vai embora.

− O seu pai morreu, Zabèle... − começou o homem.

A jovem esboçou um sorriso amargurado.

− Não, Chermont, ele se matou... E a Freud está fazendo exatamente o mesmo, ela está se matando todos os dias e eu estou me afundando cada vez mais no meu período azul. Quando ela finalmente conseguir se matar, sou eu que vou pintar La Mort de Beatrice.

•••

Vez ou outra nós só queremos sumir. Parece um pedido bobo ou, mesmo, um pedido fácil, mas não é. Nós somos compostos de ossos, carne, células e essas coisas não desaparecem tão facilmente. Quer dizer, eu poderia facilmente acabar com o meu suposto sofrimento. Eu poderia pegar o meu revólver e atirar na minha própria cabeça e assistir do inferno a explosão que ocorreria no meu interior, mas, ao invés disso, eu decidi ser forte mais uma vez. Nada disso importa, no final nós somos todos incompletos.

Chegava um momento em que a habilidade de não ficar bêbada não servia para nada porque tudo o que Beatrice mais desejava era ficar muito bêbada e sair da realidade de pára-quedas. Ela estava à beira de um precipício... Literalmente. E já não sabia quantas vezes cogitara se atirar dali para acabar com tudo aquilo. O único motivo de não tê-lo feito, aliás, era a maldita palavrinha que martelava em sua cabeça. Força. Se era o que ela era, então devia aprender a honrá-la, se ela era forte estava na hora de mostrar o que aquilo realmente significava. Não era só matar... Quer dizer, parte era mesmo, mas não era tudo.

Ser forte era ir além do próprio limite. Na verdade, às vezes significava nem, mesmo, ter um limite.

Tris jogou-se contra a grama, no bolso seu celular vibrava sem parar. Ela pretendia ignorar mais uma vez, devia ser Armand pela décima sétima vez, mas o tremor do aparelho já a estava incomodando, então ela resolveu atender e mandar que Armand fosse para a casa do... Beatrice teve um sobressalto. Não era Armand, era Chermont. O guarda-costas insuportável de sua irmã. A morena engoliu em seco enquanto decidia se atendia ou não. Atendeu:

− Olha, antes que você venha me falar qualquer merda eu já te aviso que eu quero mais é que você vá pra puta que te pariu! − esbravejou impaciente, mas do outro lado da linha ela ouviu apenas um suspiro.

− Sua educação é invejável. − murmurou em tom sarcástico. − Bem, mas não me interessa o que você pensa sobre mim, Beatrice, eu quero falar sobre a sua irmã.

Tris manteve-se petrificada do outro lado da linha, aquele era um golpe realmente baixo, mas ela não tinha nenhuma escolha a não ser cair nele.

− O que tem ela? − indagou a contragosto.

− Ahn... Ela é a única pessoa que te ama. Pense nisso, cher. Até que ponto vale à pena?

Até que ponto vale à pena?

Aquela frase ficou pairando no ar mesmo muito tempo depois de Chermont ter desligado o telefone e continuou pairando até Beatrice entrar em seu carro e dirigir na direção do teatro. Tris afundou o pé no acelerador enquanto os pneus deslizavam pelo asfalto com habilidade. Ela tinha o péssimo costume de sempre dirigir em alta velocidade e era irônico que as únicas vezes em que ela ficara mais próxima da polícia tivessem sido por ocorrências como aquela, excesso de velocidade. Algo tão banal perto de tudo o que Beatrice já fizera na vida.

No banco do passageiro o celular da mulher vibrava sem parar, ela olhou de relance para a tela do aparelho: Capitaine. Tris revirou os olhos e continuou dirigindo ignorando por completo o aparelhinho ao seu lado.

•••

− Ela não atende! − urrou Joseph Mortensen.

Zabèle deu de ombros.

− Sua irmã é a minha estrela! Metade daqueles riquinhos metidos só vem aqui para ver as pernas dela! − resmungou o homem impaciente.

Bèlle voltou os olhos para o próprio corpo e soltou um sorriso de deboche. Era MUITO magra e MUITO branca, algo que não chamava a atenção da sociedade britânica já que a grande massa de mulheres britânicas tinha aquelas mesmas características sem-graça.

− Você tem uma loira australiana aí, não? − indagou levando o cigarro aos lábios.

Joseph bufou.

− Linda, mas não inteligente o suficiente. − bufou. − Ela não vai nem conseguir jogar a cartola para cima sem tropeçar.

− Pelo que diz, nem um cérebro ela deve ter. − debochou a neta pousando o cigarro no cinzeiro sem muita vontade de fazer algo que forçasse seu corpo a se mover ainda mais.

O velho engoliu em seco, afrouxou o nó da gravata e sentou-se no sofá ao lado da neta pousando sua mão enrugada sobre a mão da jovem. Bèlle fitou-o sobressaltada.

− Eu... Não agi como um avô deveria agir hoje, Bèlle. − murmurou o velho quase amavelmente.

Zabèlle franziu o cenho.

− A verdade é que, de fato, sua irmã deixa meus nervos à flor da pele, mas... Mas eu poderia ter sido mais tolerante. Sim, vocês foram irresponsáveis, eu não vou negar, mas...

− O senhor já disse tudo, pépé. Nós poderíamos ter morrido, você ficou preocupado. Desculpe-me.

O velho balançou a cabeça afirmativamente.

− Eu só queria que fosse fácil assim com a sua irmã. − murmurou com um suspiro e nesse instante a porta da coxia se abriu e uma sombra negra adentrou no local.

− Eu sei o que pensa de mim, mas não deixaria as pessoas que necessitam de mim na mão. − começou uma Beatrice carrancuda.

Bèlle esboçou um sorriso, mas não disse nada. Mortensen ergueu-se do sofá e suspirou pesadamente.

− As... As maquiadoras estão esperando por você.

Tris atravessou o cômodo e deu uma piscadela para a irmã enquanto se dirigia para seu camarim, onde um bando de mulheres fofoqueiras a aguardava. A mulher quase sumia no meio daquele monte de gente doida a penteando, maquiando, vestindo, observando ou whatever. Beatrice, no entanto, já estava acostumada com aquilo. O teatro era um lugar cheio de peculiaridades e nenhuma delas estava ligada a uma vida correta e sem-graça.

Bèlle brincava com uma carta de baralho, a Rainha de Paus. Na cabeça uma cartola se apoiava meio torta e nos lábios ela esboçava um sorriso afetado. Tris caminhou até a irmã e sentou-se ao seu lado fechando os olhos e massageando as têmporas.

− Foi um longo dia. − suspirou.

− Imagino...

Tris abriu os olhos e voltou-se para a irmã.

− O vovô já estava surtando porque eu não chegava?

Bèlle deu de ombros.

− Ele veio é me pedir desculpas. − murmurou displicente e apanhou outro cigarro no maço acendendo o mesmo com o isqueiro e levando aos lábios.

− Fumando? − indagou Tris aborrecida.

− Cada um com os seus vícios.

Tris revirou os olhos e se dedicou a fitar a parede, até que lá no cantinho, em uma portinha quase invisível, saiu um rapaz de cabelos dourados, belos olhos verdes e um sorriso tímido nos lábios. Beatrice engoliu em seco e voltou-se para a irmã que sorria aberta e marotamente.

− De nada. − disse Bèlle sarcástica e levantou-se indo na direção da porta de saída e parando no caminho, apenas, para dar um tapinha no ombro de Armand.

BLUE MORGAN – MILLION DOLAR BABY

Os dois suspiram quando Bèlle deixou o recinto, mas Tris decidiu que precisava estar no controle da situação, como sempre.

− Fiquei preocupado... − ele começou.

− Eu... Ahn... − Tris xingou-se mentalmente por gaguejar − Preciso entrar no palco daqui a pouco.

Armand abriu a boca para dizer algo, mas pareceu desistir no mesmo instante, então apenas deu de ombros e murmurou:

− Tome cuidado. − E deu as costas.

Beatrice franziu o cenho, mas não teve tempo de expressar sua confusão porque logo ouviu a voz de Howard dizendo que ela tinha que entrar no palco.

Naquela noite, em especial, todos me olhavam. Todos me cobiçavam com seus olhos cheios de luxúria. Eu era como um trunfo para meu avô, mas isso não me incomodava porque eu gostava de ser apreciada. Os lábios pálidos dos ingleses sorriam para mim, seus olhos pequenos me fitavam com uma mistura de curiosidade e admiração, eles estavam ansiosos para saber o desfecho do truque, o fim do espetáculo.

Acho que por um instante eu vi o sorriso do meu pai e naquele pequeno instante esqueci de toda a frieza que Joseph Mortensen me ensinara porque ali eu só queria chorar e correr para os braços daquele homem. E naquela noite Sig estava ali me assistindo, ela me encarava com seus grandes olhos e observava cada movimento meu sem perder nenhum detalhe.

Mas lá no fundo eu vi o par de olhos. Eles eram o Período Azul de Picasso, sua essência era todo tipo de azul. Ele era o frio, o sozinho, o assassino. Eu abri meus braços para completar o espetáculo e ele puxou o gatilho para que mesmo quem não me conhecesse em vida se lembrasse de mim em minha morte. Sorri com aquele pensamento.

Nós somos todos incompletos.


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Notas finais do capítulo

Eu vou dividir meu discurso em tópicos porque fica mais fácil para me localizar.

1) A demora - nem tão exagerada assim - para a postagem do capítulo se deve ao fato de que eu queria fazer um capítulo bem feito e passei umas duas semanas escrevendo e apagando até obter esse resultado.

2) Blue Morgan - Million Dolar Baby é o link para uma música, se ninguém tiver percebido. Ler o restante do capítulo com ela como trilha sonora dá um clima legal! ;*

3) O Período Azul de Picasso teve início depois que seu amigo Casagemas se suicidou, foi quando o artista passou por um longo período onde ele só pintava em azul.

4) As partes em itálico no decorrer do capítulo são a narrativa da Beatrice. Eu acho que será raro de esse tipo de coisa acontecer, tipo, a gente narrar pela perspectiva do personagem, mas às vezes acontece para deixar as coisas mais emocionantes.

5) E sim, ela estava narrando a própria morte...

Eu também amo vocês! Espero reviews. ;*



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