O Portal escrita por Star


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Instruções para boa leitura do capítulo: abra esse player (http://www.youtube.com/watch?v=o4Q8ZjXdry4) e deixe a música rolar. Sinta a música. Conte até dez calmamente olhando para essa imagem http://images3.wikia.nocookie.net/__cb20130504164751/creepypastafansite/images/7/7e/JEFF_THE_KILLER.jpg. Lembre daquela história que você leu sobre bonecas que criam vida durante a madrugada e levantam para matar os donos. Pense em como seria assustador acordar no meio da noite e a porta do guarda roupa estar aberta e uma boneca lá dentro ter os bracinhos apontados para você. Mas você não tem mais bonecas. Seria ridículo, não é mesmo? Impossível, você diria? Não tente fingir. Eu sei que você ouviu essas risadinhas também.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/432547/chapter/3

Seja rápida”

A voz de Eduardo parece ecoar cada vez mais alto dentro da minha cabeça. “Seja rápida”, ele disse e me soltou. O quanto ele sabe sobre esse lugar? Como ele descobriu?

Meus pensamentos se esvaem conforme as folhas de árvores ricocheteiam no meu rosto e o ar parece se tornar mais gelado e rarefeito. Eu tento chamar por Vinicius e logo desisto porque tenho medo de que alguma outra coisa me encontre primeiro.

A mata aqui não é do mesmo tipo que cerca a fazenda. Todas as árvores parecem iguais, com troncos grossos e negros como carvão, tão altas que poderiam furar o céu e de folhas escuras que impedem a passagem da luz da lua. O chão está cheio de raízes protuberantes e é difícil conseguir correr sem tropeçar ou cair. O menor dos arbustos tem a minha altura, com folhas tão escuras quanto as das árvores e espinhos afiados que arranham meus braços e puxam a minha roupa como um milhão de mãos fantasmas a cada passo que dou.

Meu coração martela meu peito tão forte que sinto doer. Seja rápida. Seja rápida, seja rápida, seja rápida. Pouco mais de um minuto se passa e já não sei dizer por qual lado eu entrei. Não consigo mais ver a fazenda, o milharal, Eduardo ou Yasmin. Todas as direções parecem as mesmas. A queda brusca na temperatura é quase absurda demais para acreditar mas a verdade é que estou tremendo e posso ver minha respiração sair em forma de fumaça branca.

Seja rápida.

– Vinicius? – arrisco, baixinho.

Outro uivo animal corta o silêncio intimidante da floresta, fazendo meu sangue gelar. O arrastar lento e discreto de folhas chega aos meus ouvidos tão baixo que mal posso escutar e com algum esforço eu obrigo meu corpo paralisado a seguir o som.

Rápida.

É como se a floresta fosse uma criatura viva e eu pudesse senti-la respirar. Em cada passo tenho a terrível sensação de que milhares de olhos me seguem. É como se eles estivessem por toda a parte.

Um pouco mais a frente consigo ouvir gemidos sufocados e raivosos . Apresso o passo e encontro uma sombra encolhida entre as árvores. Daqui já consigo reconhecer o brilho da sua jaqueta de couro do Exterminador do Futuro. O alívio me faz suspirar pesadamente e chego perto o suficiente para ver que Vinicius está de joelhos, sujo de terra até os cotovelos, fazendo um buraco no chão e jogando mais terra para o alto. Ele nem mesmo percebe minha presença. Ao redor, dezenas de outros buracos pequenos estão abertos entre amontoados de terra úmida revirada.

– Vini?

Ele me ignora e continua a abrir buracos. Está suado e posso ver seus dentes cerrados. Parece furioso.

– Vinicius, o que você está fazendo? – Eu toco no seu ombro levemente para que ele me sinta aqui e Vinicius vira o rosto pra mim, relaxando um pouco quando me reconhece. Mesmo zangado o rosto dele ainda parece tão bonito que eu recuo minha mão, sentindo as bochechas esquentarem e o início do nó na garganta que geralmente me impede de falar. É uma péssima hora pra se estar apaixonada.

– Tem alguma coisa aqui – ele diz e aponta pro chão. – Tem alguma coisa aqui e está fedendo, Júlia. Eu preciso achar o que é.

Há algo de diferente nele. Algo muito além das mãos sujas de terra e do rosto suado. Vinicius não tem mais o ar travesso com o qual eu me acostumei, ele está tão agitado que as suas mãos tremem enquanto fala. Seus dedos estão esfolados e seu sangue se mistura com a sujeira do chão.

– Não tem nada aqui, Vini – eu asseguro e ele me ignora, voltando a meter os cotovelos na terra. – Não podemos ficar aqui. Os outros estão preocupados, precisamos voltar.

– Tem alguma coisa – Vinicius insiste, jogando terra pro alto. – Tem alguma coisa muito, muito errada nesse lugar! Isso está fodendo com os meus nervos!

A lembrança recente de Yasmin tagarelando sobre espíritos volta a minha mente. “Somente em lugares assim é que você consegue os sentir de verdade” .

Seja rápida.

– Não tem nada aqui, Vinicius – eu repito e tento parecer o mais segura possível. – Vamos voltar logo, pode ser? A Marcela tá te esperando.

– Não finge que não sabe do que estou falando!

Vinicius avança para mim e tento me afastar, mas minhas costas batem contra uma árvore e de repente estou presa entre a floresta e o garoto que faz meu coração bater tão forte que poderia explodir.

– Eu sei que você está sentindo – ele diz, ameaçadoramente perto. O rosto dele está a centímetros do meu e ao contrário do que sonhei por tanto tempo, estou com medo. Sinto o cheiro de terra, do suor da sua pele e do couro da jaqueta me embriagando como se fossem éter.

– Pra onde você trouxe a gente? – Ele grita no meu rosto. – O que tem aqui?

Finalmente percebo o que está errado. Os olhos castanhos de Vinicius estão vermelhos como sangue.

Minha boca se abre e nenhum som sai. Eu tento, eu gaguejo, mas os olhos de Vinicius parecem enxergar a minha alma e a forma como ele rosna me faz pensar que vai arrancar a pele do meu rosto com os dentes. A pressão do seu corpo sobre o meu é tão quente que me enoja e me dá vontade de vomitar. Subitamente, o olhar no rosto dele se transforma e ele se vira em outra direção.

– O que foi isso?

Eu ouço o farfalhar leve de folhas que ele conseguiu captar. Vinicius me larga, fazendo menção de seguir até o outro lado da floresta, e sem a presença dele me sufocando eu finalmente consigo puxar o ar outra vez.

– Espera!

Eu aperto o braço dele antes que consiga se afastar de mim. Em um movimento brusco e violento, Vinicius se solta e me joga para trás. Minhas costas batem em uma árvore e a pancada que sinto na cabeça faz tudo ficar um breu por alguns segundos. Eu aperto minha cabeça entre os joelhos, esperando a dor pungente dar algum sinal de misericórdia. Ouço Vini xingando muito distante de mim e quando abro os olhos outra vez ele está ajoelhado na minha frente. Os seus olhos castanhos estão de volta.

– Droga, Júlia, eu sinto muito, não queria ter feito isso. Eu te machuquei?

– Tá tudo bem – eu tento sorrir porque mesmo que minha cabeça ainda pareça prestes a explodir estou aliviada demais que o que quer que fosse que estivesse tomando conta dele tenha ido embora. Seja rápida. – Uma aspirina vai resolver. Será que nós podemos voltar...

As pupilas dos seus olhos se contraem até virarem pontos assustadoramente minúsculos. Ele está me encarando e seu rosto treme involuntariamente.

– Tem sangue... Nas suas mãos...

Eu espalmo minhas mãos para frente e vejo que as duas estão molhadas de vermelho. Tateio minha cabeça tentando achar alguma ferida enorme, mas ao invés disso só sinto meu cabelo grudento e úmido, assim como as minhas costas.

– Não é meu – murmuro, olhando para trás.

É a árvore. O sangue está saindo da árvore. Grossas gordas de vermelho escorrem pelo tronco e pingam das folhas, manchando o chão ao redor. O barulho de líquido fluindo soa por todas as partes juntamente da respiração pesada de Vinicius no meu rosto. Ao nosso redor, todas as árvores começam a sangrar como veias cortadas.

– Júlia – Vinicius me chama, a sua voz extremamente rouca.

Quando o olho novamente ele está se afastando de mim e o seu corpo arqueja em ânsias profundas, como se prestes a vomitar. Ele segura o próprio rosto, enfiando as unhas na carne da testa e das bochechas e puxando o cabelo como se quisesse se livrar da própria pele.

– Júlia, você precisa dar o fora daqui – ele ruge ofegante e me dá as costas com passos tortos.

– Vini?

O que se vira pra mim já não parece mais ser Vinicius. Sequer parece humano. O seu rosto se projeta para frente com as narinas muito dilatadas e compridas. Os olhos brilham em um vermelho rubro onde a pupila é apenas uma fenda perdida. Os dedos estão grossos onde garras surgem despontando para fora e rasgando a pele do seu rosto. Feridas escuras brotam no lugar de sangue. As costuras da jaqueta de couro arrebentam conforme as suas costas e braços crescem mais e mais, curvando o resto do corpo. Caninos afiados despontam para fora da boca disforme quando ele rosna para mim outra vez:

– Embora. Agora.

Ele tenta se afastar mas as pernas novas se atrapalham e ele cai para a frente com um esgar sofrido. Pedaços rasgados das roupas se soltam dele e a massa que é a sua pele aumenta, se desdobra e se transforma com o som de milhares de ossos se partindo.

Eu me levanto trôpega e corro para o lado oposto seguida pelos seus gritos doentios. Estou chorando. Não consigo parar. Seja rápida. Os berros dolorosos atrás de mim ficam cada vez mais altos e graves e por fim se transformam em um uivo profundo e desumano. Seja rápida. O ar que corta meu rosto parece gelo. Corro rápido, mais rápido, esbarrando em todas as árvores do caminho e chorando como criança. Posso ouvir um rosnado animal atrás de mim. Ele está vindo atrás de mim. Oh, Deus, ele está atrás de mim. Seja rápida, seja rápida, seja rápida.

A colisão de quando esbarro diretamente com Marcela é tão grande que nós duas caímos no chão. Preciso de um tempo até conseguir me orientar e vejo um par de pernas cobertas por meias listradas esparramadas na minha frente, com a anágua fofa da saia fazendo uma auréola negra em volta. Uma fada do dente está abaixada ao lado da minha cabeça, ainda de coroa e com os cílios pintados de azul.

– Júlia, você sumiu! Nós ficamos preocupadas! – Yasmin fala, com a testa franzida. Ela oferece a mão e me ajuda a levantar.

Yasmin brilha como um farol dentro da floresta escura e estou tão feliz por encontra-las, mesmo Marcela, que não consigo evitar e abraço a garota e choro mais, de comoção, a ponto de perder o ar e respirar ruidosamente.

– O que aconteceu contigo? Se machucou?– Ela me afasta para me olhar bem e passa a mão para tirar as folhas e a terra da minha roupa, tira meu cabelo do rosto e puxa minhas mãos para ver o sangue como se fosse uma mãe. - Você tá um lixo, menina.

– Espera só a gente sair desse inferno que eu vou te fazer pagar por tudo isso – Marcela resmunga e se levanta ajeitando a fantasia cheia de rendas. Ela está sem os saltos e uns dez centímetros mais baixa.

Outro uivo animal ecoa pela floresta. Yasmin levanta a cabeça na direção do som e Marcela ao contrário se vira pra mim, séria como eu nunca a vi antes.

– É Vinicius, não é?

Aceno com a cabeça. Os olhos dela se movem de cima a baixo me analisando cuidadosamente e ela fecha ainda mais a cara quando vê meu cabelo empapado em mechas vermelhas e sangue seco grudado nas minhas mãos.

– Ele mordeu você?

Aceno outra vez.

Ela suspira pesadamente e se vira na direção dos uivos, falando baixinho para ela mesma.

– Merda. Isso não devia acontecer hoje.

A bruxa começa a passar desajeitada sobre as raízes que cortam para todos os caminhos e olha para nós por cima do ombro.

– Vamos logo com isso, vocês duas. Precisamos dar um jeito no meu namorado. E não fiquem convencidas se ele vir atrás de vocês, nessas horas ele corre atrás de qualquer pedaço de carne.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo e último capítulo será postado com glórias até amanhã! O Deus do Nyah me protege e me guia em minhas decisões, amém.P.S: O Deus do Nyah é um grande adepto de reviews como oferenda. Só dizendo.