Dizem que quanto mais alto se sonha, mais alto é a queda, mas se você não sonhar e imaginar algo melhor, então como vai correr atrás de alguma coisa da qual você não faz ideia? Aí é que está o x da questão: não vai. Você irá continuar no mesmo lugar, com as mesmas coisas, na mesma situação de sempre. E sabe o que mais? Nada nunca vai mudar para você. Portanto, sonhe. Você não tem nada a perder na sua imaginação.

É tudo o que eu faço. Sonho. Imagino. Imagino como será minha vida após a Intervenção. Imagino como eu serei após a Intervenção. Imagino se alguma coisa vai mudar ou se tudo será como é agora, mas é muito provável que não seja. Talvez já esteja escrito, talvez a Rebecca do futuro já saiba as respostas que essa Rebecca de agora não faz ideia. Talvez o destino já tenha tudo planejado, e só está esperando que eu dê o primeiro passo. São muitos talvez para nenhuma certeza.

Há alguns dias, eu conheci o Victor, o estranho garoto perdido, que tenho comigo que não estava tão perdido assim. É curioso o fato de mesmo sem conhecê-lo direito, ele ter habitado e tumultuado meus sonhos a noite. Olhos verdes escuros, sorriso fácil, cabelos de ouro. Sim, isso é extremamente curioso.

Acordei com o bipe emitido pelo sistema de som do quarto. Isadora já estava de pé, e Melissa pedia mais cinco minutos. Levanto, vou ao banheiro, faço tudo o que tenho que fazer, e de lá já saio prontinha para mais um dia de aula. Na escola temos todo tipo de aula, desde filosofia à matemática, não sei para que temos que aprender tudo isso, mas são as regras. Tudo o que pode ser útil deve ser aprendido, diz o SNRA, o Sistema de Normas e Regras de Aurora.

Quando as garotas já estão arrumadas, nós três saímos para Complexo Educacional de Lótus. Se trata de um grande prédio alto cheio de espelhos e janelas de vidro, onde todos de Lótus estudam as disciplinas propostas pelo governo de Aurora. O Complexo pode ser visto tanto por um domínio quanto pelo outro. Passando pelos extensos jardins do Domínio Feminino, me lembro mais uma vez da noite em que conheci Victor. "Droga, pára de ficar lembrando Rebecca, pára!" minha consciência me diz. Ela sempre me aconselha o certo, mas eu tenho tendências a fazer o errado. Chegando ao prédio do Complexo, logo vamos para nossa sala no segundo andar, os corredores ainda estão cheios de alunos, portanto não estamos atrasadas. Se atrasar é quebrar uma das muitas regras de Aurora. Andamos até chegar ao nosso destino final, a sala 71. Estou atrás das garotas e antes de eu passar pela porta, alguém segura a minha mão. Me viro e dou de cara com um garoto alto e forte, de cabelos castanhos assim como os olhos, ele exibe um belo sorriso torto no rosto. Eros. O garoto dos meus sonhos e dos meus pesadelos.

– Ia mesmo entrar sem nem me dizer bom dia? - ele diz sedutoramente. Se aproxima, segura em minha cintura, e me beija. Posso sentir todos no corredor nos olhando.

– Bom dia. - digo me afastando lentamente. Na maioria das vezes eu não suporto Eros, mas quando quer ele sabe ser exatamente o que eu quero. O problema é que ele sempre quer.

– Eu estava pensando... Que tal fazermos uma reuniãozinha mais tarde amanhã? Você leva as garotas, eu os garotos, e nos encontramos no lugar de sempre. O que acha? - Eros propõe com um sorriso no rosto. Eu até já sei onde isso vai dar, mas não me importo. Ele ainda continua me olhando sugestivamente esperando uma resposta.

– Acho uma excelente ideia. - digo aproximando meu rosto do seu, ficamos cara a cara, próximos demais. - Ando precisando mesmo me distrair, urgentemente.

– Eu estou aqui para isso amor. - Eros diz me fitando com seus maliciosos olhos castanhos.

– Eu sei. - digo me afastando dele e entrando na sala. Quase todos já haviam tomado seus lugares quando eu deslizo para o meu. Mal me sento e Melissa, que está sentada ao meu lado, já começa a falar.

– Eu não te entendo Rebecca. - ela diz balançando as mãos. - Quer dizer, em um dia você fala que não quer nada com o Eros e no outro vocês dois estão se agarrando no corredor. Eu não te entendo.

– Foi só um beijo. Não estávamos nos agarrando. - tento me defender.

– Não, claro que não. - Isadora, que senta a minha frente, se vira para trás para participar da nossa conversa. - Você sabe como é a Rebecca, Mel. Ela é cheia de princípios.

– Hey! - olho feio para Isadora que agora ri, acabo rindo também, e não demora para Melissa se juntar a nós. Minutos depois o professor de história entra na sala e começa a dar a sua aula. Todos se calam o ouvindo falar da Antiga Ordem e de todos os erros cometidos por ela. O professor nos conta como os homens eram egoístas e egocêntricos, que achavam cada vez mais que um sabia mais coisas que o outro, e propositalmente podia mandar mais que o outro. Ele nos explica também como os homens criavam conflitos bobos e desnecessários. Nos ensina como o mundo era devastado por guerras e mais guerras, todas consequências da fome insana de poder que o homem tinha. Na Antiga Ordem, o mundo não era um bom lugar para se viver, a não ser que fosse você quem mandava, a não ser que você tivesse poder. Foi por isso que um tempo depois da Terceira Guerra Mundial, aquela que devastou o mundo, os homens criaram Aurora, um novo regime capaz de trazer paz a humanidade. Unindo o útil ao agradável, em Aurora todos poderiam viver para sempre, sem envelhecer jamais, era um lugar novo, com novas promessas e novas esperanças. E assim, depois de muito tempo, até hoje Aurora ainda está de pé. Firme e forte. Para sempre eterna.

As aulas passam rápido quando se há algo de interessante para aprender, e quando não, elas parecem se arrastar. Quando enfim acabam as aulas do dia, todos os alunos rapidamente se dispersam do Complexo, pouquíssimo querem ficar aqui mais do que o tempo necessário. Passo pelas portas eletrônicas e espero do lado de fora Isadora e Melissa, nós sempre vamos embora juntas, e por algum motivo nos perdemos na saída. Sento em um dos bancos perto dos Ipês e fico olhando para as portas observando os estudantes saírem. Algumas pessoas têm tanta pressa em ir embora, enquanto outras saem tão calmamente. Quando percebo, me vejo olhando para uma cabeça loira. Esses cabelos bagunçados são tão familiares. Me levanto do banco, pensando ser Victor, e logo já estou seguindo o garoto. Ele anda devagar, mas ao mesmo tempo é um passo depressa. Quando estou próxima de virar a esquina do Complexo para ir atrás do garoto, escuto alguém me chamando.

– Rebecca, onde você vai? - Viro minha cabeça, procurando o som. São apenas Isadora e Melissa.

– O quê? - digo confusa. - Para lugar nenhum, apenas para casa. Vamos.

Enquanto voltamos para o Domínio Feminino, ainda penso no garoto de cabelo loiro. Poderia ser ele. Sim, é claro que poderia ser ele. A conversa das garotas me acordam do meu desvaneio.

– Então, vocês já sabem da social que os garotos estão planejando? - Isadora pergunta procurando algo em sua bolsa.

– O Eros me disse hoje de manhã, era para eu falar com você, mas já que estão sabendo... - digo dando de ombros.

– O Nicholas me contou que, depois da encrenquinha da última vez, eles tiveram que pedir autorização para o Conselho antes de organizar alguma coisa. - Dora diz. - Sabe como é, fazer uma reunião com os dois domínios, os opostos se atraem.

– Sabemos como é Dora. - Melissa ri. - Vão ser todos desta vez? Todos nos domínios?

– Bem, eu acho que sim. Quem quiser aparecer, aparece. A estrutura é maior agora, e não há perigo nenhum dos Supervisores nos pegarem fazendo coisa errada, porque não estaremos fazendo nada de errado. O Conselho vai estar por dentro de tudo.

– É meio estranho toda essa coisa do Conselho, acho que é exagero tudo isso. Quer dizer, temos que pedir autorização, tipo para o Conselho de Lótus. - diz Melissa gesticulando com as mãos.

– É tudo para evitar preocupações desnecessárias no futuro Mel. Tente entender. Aurora só quer o nosso melhor. - Isadora argumenta. Balanço a cabeça confirmando. Ela não vai parar de defender Aurora, enquanto não ver que alguém concorda com as regras. Que ela veja o que quiser então.

– Tudo bem, só acho um pouco exagerado, só isso. - Melissa compartilha a mesma opinião que eu. Sorrio.

– Tanto faz. O importante é que respeitando as regras, nós ainda vamos ter nossa festinha. - diz Isadora.

– Garotas, se preparem. Amanhã vai ser um ótimo dia. - digo sorrindo, imaginando a possibilidade de encontrar o Victor na multidão de garotos do Domínio Masculino. Sim, tenho certeza que amanhã será um ótimo dia. Já posso até sonhar com isso.