A semana se arrastou para a Kiera e todos a sua volta. Sua mãe, depois de receber alta do hospital, fazia visitas regulares ao pai de Kiera e Kyle. Em algumas noites nem voltava para casa, apenas ficava ao lado do marido.

Kiera, depois de ter faltado uma semana inteira de aula, não podia mais ficar sem ir para a faculdade. Por isso, essa última semana fora insuportável. Enquanto sua mãe passava o dia inteiro no hospital, Kiera ia para a faculdade de dia e trabalhava no The Hole de noite. Lizzy, como tinha prometido, cuidou de tudo para Kiera enquanto ela estava cuidando de sua mãe. Billie Joe passava todos os dias no apartamento de Kiera para saber como ela estava. Kyle, por incrível que pareça, resolveu mudar-se para o apartamento da irmã temporariamente. Ele tinha lhe dito que queria ficar perto dela, pois estava preocupado. O que não justificava sua mudança para o apartamento dela, pois o dele era a uma quadra de distância de onde ela morava.

Mesmo assim, Kiera não se opôs. Ela estava cansada, e imaginava que o irmão deveria estar bem pior. Agora, os dois estavam em casa. Kyle olhando TV, e Kiera tentando fazer o trabalho da faculdade ir para frente. Ela tinha resolvido começar a fazer o trabalho porque: 1) isso ocupava a mente dela e a impedia de pensar sobre o pai que ainda não acordara do coma; 2) nas horas vagas não tinha o que fazer e também não estava com vontade de sair de casa; e 3) não teria muito tempo para fazer o enorme trabalho, então tinha que começar logo.

Infelizmente, ela não estava conseguindo fazer um bom trabalho. Ela tinha as ideias, sabia sobre o que o trabalho seria, entretanto, não conseguia desenvolver o que tinha de modo que ficasse bem feito. Desistindo de tentar faze-lo sozinha, resolveu pedir a Kyle alguma ajuda. Quando ela falou com ele, Kyle apenas deu uma risadinha e continuo a olhar o que passava na televisão.

- Qual o seu problema Kyle? Não vai ajudar a sua irmã? – perguntou com uma pequena irritação.

- Desculpe maninha, mas eu não sirvo para isso. Eu sou péssimo. Mas eu sei de alguém que pode te ajudar. – respondeu ele, dando-lhe uma piscadinha.

- Ah é? – perguntou ela incrédula – E quem seria? O seu amigo catador de bundas de plástico? Não, obrigada.

Kyle gargalhou alto, não contendo-se com a definição que a irmã achou para seu amigo Arthur.

- Ok, o Art é mulherengo, mas catador de bundas de plástico? Você exagerou né, Kie? – falou ainda rindo do que a irmã disse.

- Eu não, você sabe que ele é. – respondeu ela, com ar de superioridade.

- Ok, se você diz. – aceitou, por fim – Mas não, não era dele que eu estava falando. Estava falando de Dylan. – Kiera ficou tensa no instante que o irmão disse o nome dele, mas tentou disfarçar. – Afinal, ele se formou no ano passado em jornalismo, e também, ele é seu mentor não é?! – perguntou.

- Sim, mas.. – parou por um momento, pensando em uma desculpa para dar ao irmão – mas ele é meu mentor quando estamos na faculdade, e eu não marquei um horário com ele ainda. E ele só pode ajudar os alunos quando nós marcamos. – terminou ela, feliz por achar uma desculpa convincente.

- Que nada, Kie. Tenho certeza que ele te ajudaria fora, afinal nós somos amigos. Espere um momento, eu vou ligar para ele.

Kiera arregalou os olhos. Levantando-se rápido demais da cadeira.

- Não, não, não precisa Ky. Eu me viro, pode deixar. – disse tentando controlar o tom desesperado em sua voz.

- Shhh, - disse Kyle enquanto segurava o telefone já próximo do ouvido – está chamando. E aí cara?! – cumprimentou o amigo que estava do outro lado da linha.

Kiera sentou-se devagar, pensando em um bom plano para sumir do apartamento antes que Dylan aparecesse. Isso se ele aparecesse. É! É isso!, pensou empolgada. Ele ainda pode recusar, Kiera comemorou internamente. Assim que olhou para Kyle, ele já estava se despedindo de Dylan, e Kiera não tinha prestado atenção na conversa deles. Droga, exclamou mentalmente.

- Ok então, cara. Até mais. – Kyle encerrou a conversa.

Kyle olhou para a irmã, que internamente já estava na vigésima oração, pedindo que Dylan tenha recusado.

- Ele chega daqui a pouco – disse Kyle, piscando logo em seguida.

Oh, merda! Merda, merda, merda!

- Oh, que ótimo. – respondeu ela com um sorrisinho forçado.

*****
 

- Kiera, o Dylan já está aqui – gritou Kyle, da sala.

OH MEU DEUS, E AGORA? PUTA MERDA, COMO ELE CHEGOU TÃO RÁPIDO?, Kiera estava desesperada. No quarto, ficava andando de um lado para o outro, sem saber o que fazer.

- Ah.. hm.. ok, diz que eu já vou. – gritou de volta.

Ok, Kiera, mantenha a calma. Afinal, por que você está pirando feito uma adolescente? É só o Dylan, nada de mais!, pensou consigo mesma.

Criando coragem, saiu do quarto e foi em direção à sala. Chegando lá, não sabia onde colocava as mãos. Forçou um sorriso no rosto e rezou para que estivesse com uma expressão indiferente no rosto.

- Hm.. oi Dylan – cumprimentou.

Dylan que estava de costas para ela, olhando um porta-retratos que estava próximo da televisão. Assim que ouviu a voz de Kiera, virou-se na sua direção.

Kiera prendeu a respiração no momento em que Dylan virou-se. Ele continuava com os cabelos negros bagunçados, mas estava diferente. Normalmente, ele usava roupas pretas, de cima a baixo, o que contrastava com os olhos e os cabelos. Mas hoje, ele usava uma bermuda jeans surrada e uma regata branca, que deixava seus músculos à mostra. Qual é, cara aí de cima?!, pensou. Ele precisa vir assim me ajudar com o trabalho?

Sacudindo a cabeça em negativa para afastar os pensamentos da roupa, dos músculos e do quão gos.. PARA!, Kiera repreendeu a si mesma. Ok, controle-se, ele só trocou o modo de se vestir, nada de mais!

Dylan estava tão distraído olhando para Kiera e o quão ela estava bonita com aquele shorts e aquela regata que colava no seu corpo, que se esqueceu de responder à saudação.

- Ah, oi. – respondeu, finalmente conseguindo olhar para os olhos de Kiera e não para seu corpo.

Kyle olhava para os dois e segurava-se para não rir. Eles são tão óbvios, pensou. Enquanto os dois se devoravam com os olhos, Kyle pensava em uma piadinha para dizer aos dois.

- Então, – começou ele – vocês vão ficar aí se olhando como se fossem a última refeição de cada um no deserto, ou vão começar esse trabalho? – terminou com um sorriso estampado no rosto.

Kiera e Dylan olharam espantados para Kyle. Kiera virou-se para esconder o rubor do rosto e foi na direção da mesa, onde estavam os materiais para o trabalho. Dylan coçou a nuca, ficando sem jeito, e olhou na direção do amigo com uma carranca. Kyle estava rindo baixinho e balançando a cabeça, como se não pudesse acreditar no que os dois a sua frente faziam. Dylan deu um tapa na nuca do amigo, e foi na direção de Kiera. Kyle riu mais uma vez, enquanto ia em direção à porta.

- Aonde você vai? – perguntou Kiera ao irmão, que já pegava a chave do carro.

- Tenho uns assuntos para resolver, nos falamos depois. – piscou para ela e saiu, fechando a porta atrás de si.

Um silêncio constrangedor tomou conta do apartamento. Nenhum dos dois sabia o que falar, mas Dylan se recuperou mais rápido.

- Então... – começou – o que você pensou para o trabalho?

Kiera ficou aliviada ao perceber que ele não tocaria no assunto sobre o que acabara de acontecer na sala. Sorriu fraco na direção de Dylan.

- Eu pensei... – Kiera começou a explicar o que gostaria de fazer no trabalho. Sobre as entrevistas, o tema principal, a montagem que tinha pensado que ficaria legal das respostas das pessoas. Foi explicando, e conforme ia falando, um sorriso ia abrindo-se no rosto de Dylan. Kiera sempre se empolgava com os projetos da universidade, ainda mais esses de pesquisa. Eles eram difíceis, trabalhosos, e ela sempre reclamava quando os recebia. Mas, no fim das contas, adorava faze-los. Era uma espécie de desafio que ela sempre queria enfrentar. Quando parou de falar, percebeu que Dylan estava sorrindo igual a uma criança quando recebia os presentes do Natal.

- O que foi? – perguntou – Por que você está com esse sorriso bobo estampado na sua cara? – apontou para o sorriso dele.

Se fosse possível, o sorriso de Dylan aumentou mais ainda.

- Não, é que... – começou ele, um pouco incerto de continuar – É que você fica linda quando fala sobre o que gosta.

Kiera ficou surpresa com o comentário. Deve ter corado com o que Dylan disse, e amaldiçoou a si mesma. Olhou para os lados, sem saber o que falar.

- Oh – falou simplesmente – então.. o que achou?

Dylan ficou feliz ao ver o rubor nas bochechas dela. Então, ela não é tão imune assim, pensou. Talvez eu ainda consiga fazer ela me perdoar...

- É ótimo! – falou empolgado – Com certeza vai ser um dos melhores trabalhos que o Sr. Finley vai receber.

- Você acha? – Kiera se iluminou com o que ele disse.

- Com certeza! – ele disse, sorrindo para ela. – Agora, vamos começar?

*****

- Você quer alguma coisa para comer? – Kiera gritou para Dylan, da cozinha.

- O que você tem aí? – gritou de volta.

- Hm... – Kiera analisou o armário, vendo o que eles poderiam comer – Tem pipoca, pipoca, e pipoca. – disse com um sorriso, colocando a cabeça para fora da cozinha, para poder olhar para ele.

Dylan riu da resposta e assentiu com a cabeça.

- Que seja pipoca então. – disse com um sorriso, olhando para a cara sapeca de Kiera na porta da cozinha.

Kiera começou a fazer a pipoca e ficou pensando em como estava lidando com Dylan agora. Ela não sabia se estava fazendo a coisa certa, mas estava tão cansada de sempre brigar. Ela não tinha perdoado ele, não mesmo, mas também não queria ficar discutindo com ele o tempo inteiro.

O telefone tocou na sala, e Kiera gritou para que Dylan atendesse para ela. Alguns minutos depois, Dylan apareceu na cozinha, com um sorriso de orelha a orelha.

- Quem era? – perguntou Kiera, curiosa.

- Adivinha. – disse ele.

- Fala logo, Dylan. – Kiera respondeu, fingindo-se de braba. Ela quase não segurava o riso ao olhar para a cara de pateta que ele estava fazendo. Era quase tão engraçado quanto imaginar ele vestido de Pateta.

- Era a sua mãe. – disse simplesmente.

- E o que ela queria? – perguntou, desligando o fogo do fogão, enquanto esvaziava a panela cheia de pipocas dentro de um pote.

- Dar notícias sobre o seu pai.

Kiera largou a panela quase que imediatamente, virando-se preocupada na direção dele.

- E o que ela disse? – perguntou hesitante.

- Disse que – começou ele, tirando o sorriso do rosto – o seu pai acordou. – terminou, voltando a sorrir estupidamente.

Kiera ficou tão extasiada que pulou em Dylan, abraçando-o fortemente. Ele girou ela pela cozinha, rindo de felicidade. Ela estava tão feliz pela notícia, que só percebeu que estava nos braços dele, quando ele parou de gira-la e afastou o rosto um pouco, para poder olha-la diretamente nos olhos.

A intensidade do olhar que ele dava a ela, quase a fez beija-lo. Mas antes que ela pudesse fazer qualquer bobagem que depois se arrependeria, ele largou-a no chão, mas sem tirar os braços que estavam em volta de sua cintura.

Ainda a olhando com a mesma intensidade, Dylan aproximou os lábios do ouvido dela e sussurrou.

- Quer que eu a leve para o hospital?

Kiera sentiu um arrepio subir pelo seu corpo quando ele sussurrou em seu ouvido. Ela afastou-se um pouco dele, para poder olha-lo nos olhos. Mesmo sabendo que aquilo poderia resultar em ela fazendo uma loucura como, por exemplo, agarra-lo no meio da sua cozinha, ela precisava olhar naqueles olhos escuros.

- Só se for agora! – respondeu com um sorriso.