Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 50
Mentiras


Notas iniciais do capítulo

Agora sim, vocês vão poder saber porque a Alexa ficou daquele jeito todo esquisito.



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"A vida é feita de escolhas. Você faz as suas e elas fazem você."

As coisas nem sempre são como a gente gostaria que fossem. Por mais vontade que você tenha de mudar uma situação ela não depende só de você. A Amy quis muito pelo menos voltar a conviver bem com o meu irmão. Eles conversaram durante horas, mas acabou que não resultou em nada, apenas mais frustações.

O Oliver está mesmo levando isso de tarde demais a sério. Como se ele nunca estivesse deixado de enxergar uma coisa que esteve o tempo todo debaixo do nariz dele. O que ele tem que entender é que não é do jeito que ele quer que seja, é do jeito como as coisas têm que ser. Uma pessoa nunca vai, obrigatoriamente, sentir da mesma forma como você. E pode até que ser que Amy tenha sido muito burrinha em não perceber, mas a verdade é que ele nunca deixou muito claro seus sentimentos reais.

— Chega. Eu cansei. Cansei! – ela estava exaustada, muito furiosa com o Oliver e muito chorosa também. — Que se dane aquele imbecil.

Em momentos como esse, em que a gente está nervoso, acabamos perdendo o controlo e dizendo coisas mal pensadas. Mas não exatamente o que queríamos ter dito e talvez ela venha se arrepender depois de suas palavras. O melhor é dá tempo ao tempo.

O mês de abril está cheio de surpresas e está sendo um mês realmente corrido. O aniversário da Natalie também é esse mês. Antes mesmo do dia vinte chegar ela disse que ela mesma cuidaria da festinha dela do jeito como ela queria que fosse. Pelo menos isso ela poderia escolher. Como o dia cai justamente no sábado – pra sorte dela – ela preferiu passar a tarde inteira com o Eric bem longe do internato, com a autorização dos pais deles, claro. Que são super a favor daquele namoro. E a noite ela comemoraria no nosso quarto, uma coisinha entre meninas.

Pelo menos alguma coisa iria acontecer para distrair a Amy, porque eu já não aguentava mais vê-la chorando pelos cantos ao mesmo tempo em que detonava meu irmão com palavras.

Dentro do nosso quarto – que não é muito grande – circulava em média uns quinze garotas. Eu tentava ao máximo ser simpática com todas elas, e até puxava conversa enquanto distribua refrigerante e salgados. O som estava ligado em uma música do momento. Muitas meninas tentavam dançar uma com as outras, outras soltavam gritinhos eufóricos enquanto davam pulinhos de alegria e outras preferiam ficar apenas conversando com a Natalie sempre como centro das atenções, falando sobre o namoro dela como o Eric, experimentando roupas e falando sobre maquiagem.

Antes da meia noite alguém bateu a porta. Era o Eric segurando o lindo bolo de aniversário todo cor-de-rosa com velinhas que brilhavam no escuro. Que eu saiba, isso não fazia parte dos planos da Nath, e por isso ela chorou toda emocionada, enquanto nós batíamos palmas cantarolando, e depois ela deu muitos beijinhos no Eric e agradeceu pela surpresa.

Estava exausta quando todas as meninas foram embora. Já era quase duas da manhã e eu estava ajudando a Natalie a limpar mais ou menos o quarto, recolher copos descartáveis e resto de comida, para a gente poder dormir e continuar só mais tarde após acordarmos.

— Espera ai – levantei-me do chão com o saco plástico em mãos já praticamente lotado de lixo. — cadê a Amy que não está aqui ajudando?

— É verdade. – a Natalie também se levantou com o cenho franzido olhando em volta. — Faz um tempinho que não a vejo.

Como click em minha mente pensei no Oliver. Onde ele estivesse nesse momento, era onde ela estaria também.

— Deixa pra lá. – soltei um riso. — Acho que já tá bom. – olhei em volta. — Vamos dormir?

Eu quis simplesmente parar o tempo. Quis evitar esse dia ao máximo. Tentei não pensar nisso. Se fosse possível, eu teria pulado para o dia seguinte só para não ter que passar por isso outra vez. Mas era inevitável, a vida tinha que seguir e eu tinha que aceitar.

Se passou uma semana desde o aniversário da Natalie. Hoje é sábado de manhã vinte sete de abril, acabei de acordar e estou olhando para o teto pensando seriamente se devo levantar ou tentar voltar a dormir e passar o dia assim, trancafiada como um bicho.

Parece drama. É, pode até ser. Mas hoje é o aniversário do Brandon, ou pelo menos costumava ser antes dele morrer. E esse dia é um dos piores do ano pra mim. Só não mais que o dia da sua morte que também se aproxima pouco a pouco. Hoje, ele faria dezoito anos. E nem pode estar aqui para comemorar. O tempo parou pra ele e por um tempo também parou pra mim. E só de pensar nessas coisas começo a chorar por não poder abraça-lo, por não poder toca-lo e nem dar meus parabéns.

— Você estava chorando.

Olho para o lado, e o Jesse está bem ali. Nem preciso pedir pra que ele se sente e tome o café da manhã comigo. Ele mesmo o faz dando um beijinho rápido na minha bochecha.

Só por precaução: Tyler acordou muito cedo aquela manhã, antes mesmo do sol nascer, para treinar com o time por toda a parte da manhã. E a Alexa saiu cedinho do internato para passar o final de semana com os pais em casa. Tem sido assim desde então.

— Não. Eu não estava chorando.

— Estava sim. Nem adianta mentir pra mim.

O.K. Ele venceu. Eu estava chorando. E não é só porque ele me conhece bem que percebeu, qualquer pessoa perceberia. A tristeza estava estampada no meu rosto e nem adiantava disfarçar.

— É que hoje é o aniversário do Brandon.

Jesse me olhou surpreso quase como se não acreditasse no que eu dizia. Mas não demorou muito para que ele assimilasse minhas palavras e com todo seu carinho repousar sua mão sobre a minha.

— E quais são os planos pra hoje?

— Não tem planos pra hoje.

Eu queria muito ter. Mas realmente não tinha. Estava me sentindo perdida e o máximo de conforto que eu tinha era a mão do Jesse sobre a minha.

— Tive uma ideia.

Meus pais deram a autorização, receosos mas deram. Acho que eles tiveram medo que eu tivesse uma recaída e de repente surtasse com os planos do Jesse para aquela tarde. Ele por sua vez ligou para o tio, Alexander, e também pediu uma autorização para sair e ainda mais, pediu que o tio viesse nos buscar e nos levasse a um lugar.

Fui em que dei as coordenadas durante todo o percurso de carro que se manteve silencioso por todo o trajeto. O cemitério ficava há alguns minutos da minha casa. Onde o Brandon foi enterrado. Um extenso gramado rodeados por arvores altas. Tudo era muito vazio. Não tinha quase ninguém ali e isso me assustava um pouco. Poucas vezes estivesse ali. No máximo três vezes. Mas agora era diferente. O Jesse estava comigo segurando todo o tempo a minha mão. A ideia foi dele.

Alexander preferiu ficar no carro esperando por nós.

— Não sei se posso fazer isso. – disse logo após termos passado pela portaria e agora estávamos andando rumo ao tumulo do Brandon. Mas eu, muito covarde, não consegui dar mais nenhum passo a diante.

— Claro que você pode. Você consegue! – o Jesse segurou firme meu rosto muito perto do dele. Fiquei olhando admirada aqueles olhinhos claros... E me senti muito perto do Brandon.

Senti um rápido tremor percorrer todo meu corpo e logo em seguida uma segurança indescritível, uma vontade de continuar e ir até o fim.

No tumulo do Brandon havia uma ramo de flores que certamente foi a mãe dele que deixou ali aquela manhã. Afinal, como ela poderia esquecer o aniversário do único filho que morreu? Eu quase tinha me esquecido dela.

Ajoelhei-me diante do tumulo, depositando sobre ele as flores que eu também tinha comprado. Girassóis, apesar de saber que murchariam rapidamente e deixei as lagrimas escorrem dos olhos.

— Acho que você precisa desse tempo com ele.

O Jesse ainda estava ali, de pé, parado.

— Não! – segurei a perna dele, levantando meus olhos para poder olha-lo melhor. — Espera. Fica aqui comigo.

Ele deu um sorrisinho bobo, ajoelhou-se ao meu lado, deu um beijo na minha testa que fez com que eu fechasse meus olhos e antes de secar minhas lágrimas com a ponta dos dedos, ele afastou uma mecha do meu cabelo olhando pra mim sem nem piscar.

— Não posso. Vocês precisam desse momento. Eu te trouxe aqui justamente pra isso. Entendo como você se sente. E saiba, eu estou aqui. Bem aqui, por perto. Se preferir, pode gritar. Eu venho correndo.

Entendi. E deixei que ele se afastasse. Sei que quando aquele momento acabasse, ele estaria por ai, me esperando.

— Oi, Brandon. – sorri, deixando as lágrimas caírem cada vez mais banhando meu rosto. — Agora somos eu e você. Isso não é ótimo? – não obtive respostas. O que não é pra menos. O que eu esperava? — E a proposito... Feliz aniversário! É uma pena que você não esteja aqui para eu poder te dar um abraço bem apertado.

E foi só dizer aquilo que eu acabei chorando mais, chorando tanto, que comecei a soluçar.

— Eu sinto a sua falta! Eu sinto muito a sua falta. Você não sabe o quanto eu queria que você estivesse aqui. Pelo menos nesse momento, nesse dia. – fechei os olhos e quando abrisse queria poder enxerga-lo ali nem que fosse por alguns segundos. Mas isso não aconteceu. — Eu não consigo. Não consigo saber que você está aqui, mas que não posso nem olhar pra você, mesmo de longe. – acabei levantando com muito esforço. — Eu vim aqui só pra dizer que te amo. Mas já estou indo embora. Já que eu não posso estar com você mesmo. Acho que foi um erro vir até aqui...

Sem nem me despedir saí correndo pelo cemitério chamando a atenção dos poucos que estavam ali. Encontrei o Jesse parado em frente aos portões de entrada como se já estivesse à minha espera. Só deu tempo de chegar até ele e ataca-lo com o meu abraço enquanto chorava.

Passei o caminho todo de volta para o internato chorando e me sentindo muito ridícula - ainda mais com Alexander me olhando pelo retrovisor – por não ter aproveitado a oportunidade de ter ido “visitar” o Brandon e dito coisas que, nesse momento, parecem dignas para esse dia.

— Eu estou orgulho de você. – o Jesse insistia em me fazer sentir melhor. Funcionava, mas só um pouquinho. — Pelo menos você tentou.

O que valeu foi o esforço dele.

Eu não podia continuar o resto do dia naquele chororô, então, fui procurar pelo Tyler. Ele ficou feliz ao me ver, até mais do que o normal, só por ter sido eu a ir atrás dele e não o contrário. Ficamos juntos um bom tempo. Ele até perguntou onde eu meti pela tarde, mas precisei mentir já que ele não sabia do Brandon. Ele achou estranho o fato de eu sumido justamente quando o Jesse havia sumido também. Mas ele preferiu não continuar o assunto e nem discutir comigo, já que ainda estava naquele momento de eu-quero-ser-o-melhor-pra-você. O Tyler nem percebeu que eu não estava muito bem. Fiquei com ele até eu me sentir completamente cansada e ir para o quarto dormir.

— Já não sei mais o que eu faço. Eu ainda acabo com ele! O Oliver precisa me entender. – a Amy se queixava mesmo no escuro do quarto.

— Amy, por favor, cala essa boca! – eu tentei não ser muito grosseira. Mas queria mesmo dormir pra não ter que pensar em certas coisas. — Você já parou pra pensar que não existe só o seus problemas?

Houve uma pausa. Depois ela acendeu a luz do abajur.

— O que aconteceu? – ela quis saber, olhando pra mim. — Vai, me conta logo antes eu te obrigue a dizer.

— A gente conversar sobre isso amanhã, ta bom? – estiquei o braço para poder desligar o abajur que ela havia acendido. — Vamos dormir.

Ela não insistiu, o que foi bom. Pois acabei dormindo rapidamente.

Tive um outro sonho. Nada de pesadelos. Mas não um sonho qualquer.

— Pensou mesmo eu não vinha não é? – ouvi uma voz, e rapidamente virei pra trás. Era o Brandon com suas covinhas. — Eu não ia simplesmente deixar esse dia passar em branco...

Corri e pulei nos braços dele já emocionada.

— Feliz aniversário meu amor! – ainda em seus braços, com ele me segurando firme, olhava bem pra ele. — Você não faz ideia do quanto estou feliz por ter ver agora. Eu tive tanto medo de não poder te ver nunca mais.

Outra vez eu estava chorando. Brandon me colocou no chão e me acalentou cheio de cuidados.

— Eu disse pra você, não disse? Que mesmo aqui onde estou, eu sempre estarei com você. – queria muito que ele me beijasse. Queria poder sentir aquele gostinho outra vez. — Eu amo você, Hayley. – outra vez ele me abraçou bem apertado. — E obrigado pelas flores. Obrigado por tudo! Obrigado por ainda me amar e obrigado não ainda se lembrar de mim.

— Eu sempre lembrarei de você. Eu sempre vou te amar...

A frase ficou perdida no ar, nem sei se ele pôde escutar. Quando dei por mim o sol estava entrando pela janela esquecida aberta e batendo forte no meu rosto. Era quase meio dia daquele domingo. Dormir demais e sonhei de menos. O sonho com o Brandon pareceu não ter durado nem dois minutos.

De todas as bombas que já explodiram nesse internato nunca vi nada igual aquela bomba. Parecia uma segunda-feira comum e normal de primavera quando os boatos começaram a se espalhar pelos corredores e até mesmo durante as aulas. Mas eu não estava entendendo nada daquilo e nem dei ouvidos a princípio.

— A culpada com certeza é você, Hayley. – a Alana não perdia uma oportunidade. Ela me viu no corredor no final da aula e aproveitou para me dar uma alfinetada. — É isso que dá “roubar” o namorado dos outros.

Elas e as amiguinhas saíram dando risadinhas irritantes. Eu quis muito bater em todas elas – por mais que o Jesse não gostasse e mesmo que eu corresse o risco de uma suspensão ou coisa pior – mas a Amy que surgiu do além acabou me contento.

— Hayley, vai agora atrás do Jesse.

Nem perguntei porque ou do que se tratava aquela agonia toda, a sua expressão de desespero ou a urgência do seu pedido.

O Jesse estava, nada mais nada menos, do que na sala de música. Dessa vez, nem atrás da bateria ou do piano. Mas sim, encolhido em um canto, chorando feito uma criança de castigo, com as pernas encolhidas pressionadas de encontro ao peito.

Eu nunca o vi assim e foi de partir meu coração. Literalmente.

— Jesse, o que aconteceu? – corri até ele abaixando-me para ficar mais ou menos na altura dele.

Ele tentou em vão se explicar, quando mais tentava, mais ele chorava e mais eu tinha vontade de chorar também enquanto passava a mão pelos cabelos dourados dele.

O que aconteceu foi o seguinte (coisa que só fiquei sabendo um tempinho depois): o problema da Alexa eram as drogas. A garota era perfeita, tinha a vida perfeita, o namorado perfeito, o corpo e as roupas perfeitas, os amigos perfeitos, a personalidade e jeitinho perfeito. Quase uma princesa de tão perfeita. Mas para ela nada daquilo foi o suficiente. Ela queria mais e acabou encontrando onde não deveria.

Alexa se envolveu com drogas. Das mais pesadas, daqueles que destrói a vida em um piscar de olhos. E ela não é como eu ou o Tyler que só usa por curtição mesmo. Se bem que começa assim, porém... A garota ficou completamente dependente da noite pro dia. E o que explica muito a mudança radical na aparência, no modo de agir e se comportar, até mesmo de falar ou de olhar para as pessoas.

E os pais delas sabiam todo o tempo. Eles rapidamente detectaram pelas evidencias. Mas acharam que o melhor seria que isso ficasse somente entre eles. Segredo de família para preservá-los. E quando eles vinham aos finais de semana para levar a filha para ficar com eles, na verdade, era uma forma de trata-la em segredo.

O Jesse se sentia muito traído, enganado, prejudicado, excluído e pra piorar, muito ressentido. Chorava muito e eu já não sabia mais o que fazer por ele. E ele fazia tanto por mim! Mas isso, isso é muito sério. Eu não tinha palavras. Tudo que eu pensava parecia inadequado a se dizer.

Não sei como os alunos ficaram sabendo dessa história. O Jesse foi convidado exclusivamente para ir até a direção ter uma conversinha com eles, a Alexa e a família dela. E garanto que ele jamais colocaria tudo a perder espalhando coisas que não são dele.

Pra pior ainda mais essa história, ele acabou me dizendo que a Alexa confessou diante de todos que as drogas ela conseguia dentro do colégio mesmo. A direção, é claro, colocou todas as "rodinhas" pra funcionar e disseram que de um jeito ou de outro eles encontrariam os culpados. Ou o culpado. Pois não admitiram que o internato como aquele, de alto nível, tivesse pessoas daquele tipo fazendo mal as outras.

Como se a Alexa não tivesse tido escolhas.


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Notas finais do capítulo

Me digam o que vocês acham de tudo isso.



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