“Salve-me se puder”

Okay, Laila. Inspira, expira.

Laila deixou a casa e seguiu a figura de Tyler até a orla da calçada. Suas pernas tremiam relativamente e a palma de suas mãos suava.

– Tyler? - ela murmurou. Do lado de fora da casa, a rua estava calma e silenciosa. Ouvia-se ao longe a música da casa e isso permitia que Laila falasse sem gritar.

Tyler se virou e fez um gesto com a mão, cortando tudo e qualquer gesto de Laila. Ela suspirou.

– Tyler, me descul...

– Laila, cale a boca, okay? - ele exclamou raivoso como um cão. Laila deu um passo.

– Tyler, olhe...

– EU DISSE PRA CALAR A DROGA DA BOCA! - ela berrou.

Ela o encarou pesarosa e deu mais um passo de cabeça baixa.

– Eu pensei... - ele começou como um engasgo – Pensei que fosse diferente, Laila. Eu verdadeiramente pensei que fosse!

– Como... como assim?

– EU PENSEI QUE FOSSE DIFERENTE DAS OUTRAS, CARAMBA! - ele gritou fazendo as veias de sua testa saltaram. - Mas não é! É como todas as outras garotas estúpidas e patéticas que conheci! Você é como todas!

Laila abriu a boca mas foi incapaz de reproduzir algum som. Igual? Comum? Não eram palavras que se aplicavam a ela!

– O quê? - ela exclamou. Tyler soltou uma gargalhada nada divertida e sim maldosa.

– Você, apaixonadinha pelo babaca popular do colégio! Um cara que não vai descansar até te levar pra cama! – disse rindo feito um maníaco – Você é tão clichê, tão comum!

– Ei!

– Eu realmente pensei que fosse diferente, mas não. Meus extintos estavam corretos.

– POR QUE SE IMPORTA TANTO COM ISSO, IDIOTA? - Laila gritou.

– PORQUE EU ME ENGANEI! - ele se aproximou – ACHEI QUE FOSSE ESPECIAL, DIFERENTE! Mas... não. Se mostrou como a vadia que você realmente é, Laila Wigon!

Laila ficou estarrecida. Todo o pesar que sentiu a trinta segundos se diluiu em uma enorme poça de raiva e ira. Ela não pensou duas vezes. Avançou contra Tyler e marcou o desenho perfeito de sua mão direita na face dele com um estalo. Mordeu os lábios tão firmemente e doeu.

– Eu não acredito que vim até aqui me desculpar com você, seu imbecil! - ela murmurou entre dentes empurrando com as duas mãos para longe de si. – Você também não é quem eu pensei que fosse, sabia? Pensei que não fosse ao menos tão babaca!

Ela se preparou para se afastar decidida e impetuosa, como na saída triunfal que repassou eu sua mente, mas não. Tyler a agarrou pelo pulso, mas do jeito que Nico fazia. Não com o carinho de alguém que quer se desculpar (ou de repente te beijar, sei lá né?) , mas sim abruptamente. Ele puxou Laila com uma força violenta, fazendo-a chocar-se contra seu peito. Nessa deixa, ele agarrou e segurou firme o outro pulso de Laila. Os olhos cinzas, antes tranquilizadores, de Tyler, perfuravam os de Laila com uma ferocidade. Laila sentiu sua íra congelando e transformando-se num cubo de pavor.

– Tyler – ela murmurou com os dentes cerrados – Está me machucando.

Ele sorriu e apertou mais as mãos em volta dos pulsos de Laila, que soltou um gemido de dor.

– Que bom. Espero que doa mais.

– Tyler...

– Cale a boca, eu já disse – ele disse lentamente aproximando o rosto do de Laila. Novamente, o cheiro de álcool entorpeceu Laila por um segundo e lhe causou náuseas. - Você acha que vou sair perdendo novamente pra aquele tipo de playboyzinho? Se achou isso, Wigon, está enganada. Eu não vou sair em segundo novamente. Não aqui. Não mais.

Agora o pavor crescia dentro de Laila e acelerava sua respiração ao ponto que seu peito subia e descia tão rápido que doía.

– Tyler, eu já disse para me soltar.

Tyler a ignorou. Soltou um de seus pulsos, mas entes que ela fizesse qualquer movimento para se desvencilhar, ele e segurou pelos cabelos da nuca e puxou sua cabeça para trás. Os lábios de Tyler formaram um sorriso ao tocarem o pescoço de Laila.

– O quê? Agora não quer mais se divertir como a vadia que é de verdade? Não entendi essa, Wigon.

– ME SOLTA! - ela berrou se sacudindo como se tivesse levado um choque.

– EU MANDAR CALAR, PORRA! - e com isso, ele deu mais um puxão no cabelo de Laila e ela grunhiu de dor. - Vamos embora daqui, que tal?

– Me solta! - Laila se odiou eternamente quando isso soou suplicante, mas estava em pânico.

Tyler a ignorou e, como se fosse um saco de batatas com pernas, a arrastou para a rua. Laila gritava, se esgoelava e se debatia. Tanto que perdeu um dos pés do sapato enquanto avançava para cada vez mais longe da casa de Leo.

Quando eles já haviam alcançado a metade da rua, Tyler a puxou com violência e enrolou mais dolorosamente ainda seus dedos nos cabelos de Laila. Ele exibia um sorriso psicopata.

– Você não entendeu ainda? - perguntou ele – Nada vai te livrar de mim agora, Laila. Você é minha querendo ou não e ninguém vai te ouvir.

Com um grito de terror de Laila, Tyler a arrastou para longe. Tão longe que nem se ouvia mais qualquer sinal da música alta da casa de Leo na outra ponta da rua.

XXXX

Era exagero dizer que Nico estava quase abrindo um buraco no chão de tanto olhar para lá e para cá a espera de Laila. Eles haviam se beijado novamente e Nico não sabia onde esconder a felicidade que sentia. Sabia que agora mas do que nunca que Laila era a garota misteriosa e precisava dizer isso a ela. Precisava ter certeza de que não estava delirando sobre o que sentia em relação a ela.

Mas algo estava errado. Quando ele deixou de sentir o calor da mão de Laila contra a sua a cinco minutos e viu as costas da garota sumirem pela porta, um grande pressentimento o atingiu com um baque. E não era nem de perto um pressentimento bom.

Nico continuava andando para lá e para cá no corredor com uma das mãos no queixo. Onde diabos ela estava?

Chega! , gritou sua mente impaciente. Eu vou lá fora ver o que está acontecendo e foda-se!

Nico quase atropelou as pessoas pelo caminho até a porta. Precisava encontrar Laila. O pressentimento ruim estava aumentando como uma bolha em seu peito.

Isso não é bom.

Nico irrompeu pela porta sendo açoitado por um vento frio e sacudiu e remexeu seus cabelos. Vasculhou com os olhos o local. Vazio. Ninguém ali. Estranho. A bolha em seu peito se expandiu mais um centímetro. Ele caminhou até o meio fio na frente da casa e olhou para os lados. Nada.

– Laila! - gritou com as mãos em concha. Teve o silêncio e os ruídos da batida da música atrás de si como resposta. Deu dois passos em direção a rua. - Laila!

Silêncio.

Mais um passo até a rua.

– Laila!

Nada.

Mais que droga, Laila!

No outro passo que deu, seus olhos encontraram a silhueta de um objeto mais a frente, jogado no asfalto. Nico correu até lá e segurou o salto preto com a mão. O salto preto de Laila.

A bolha estourou.

– Ah não! - ele sussurrou levantando-se e olhando desesperadamente para os lados – LAILA! LAILA!

Silêncio.

Droga! Droga!

Nico começou a andar seu rumo segurando o sapato nas mãos. Ele já quase não ouvia mais os ruídos da música na casa atrás dele, o que o possibilitou ouvir gritos. Gritos de socorro vindos de algum lugar muito além do fim da rua. Nico arfou e correu.

XXXX

Pânico. Pânico. Pânico.

Tyler arrastou Laila pela rua seguinte até um terreno baldio amontanhado de entulho do que antes foi a estrutura de uma casa. Laila não parou de se debater e de gritar um só minuto. Alguém teria de ouvir seus gritos e aparecer. Alguém. Qualquer um.

Quando alcançaram os fundos do terreno, Tyler atirou Laila contra a única das paredes ainda inteira e uma pilha de tijolos de concreto quebrados. Ela bateu o lado direito do corpo com força e seus joelhos cederam, mas Tyler não a deixou cair e a ergueu pelos braços, encurralando-a. O terror de Laila a enchia como um líquido pesado. Ela já sentia algumas lágrimas se formarem.

– Tyler, por favor, não faça isso! - ela gemeu permitindo que duas lágrimas rolassem por suas bochechas. Tinha uma ideia do iria lhe acontecer caso ninguém aparecesse e tremia furiosamente. Por dentro e por fora.

Ele se inclinou sorrindo.

– Shi... - murmurou lentamente colocando seus dedos sobre os lábios de Laila. - Fique quieta. Não doer tanto, eu prometo. Você vai gostar, Laila. Garanto que vai.

– Não... - Laila gemeu chorando mais. - NÃO! ME SOLTA! ME SOLTA!

– CALA A BOCA, DROGA! - Tyler berrou impaciente desferindo um tapa violento no rosto de Laila que a tirou do ar por alguns instantes.

A garota ficou desnorteada. Sua vista escureceu e ela sentiu suas pernas fraquejarem. Já sentia o gosto de sangue dos lábios na língua.

– Que droga, garota! - exclamou Tyler – Fique quieta!

Laila não conseguiu dizer mais nada. Apenas sentiu quando Tyler colou seu corpo ao dela com violência e seus lábios atacaram os dela.

Laila! Acorde! Faça alguma coisa!

– Não... - ela murmurou com lábios prensados nos de Tyler.

Ele a pressionou com força contra a parede. Suas mãos correram para a cintura da garota e de lá, para a bunda dela. Ele apertou e desceu as mãos para as coxas, levantando o vestido de Laila.

– Não! - ela disse mais alto tentando desviar dos beijos de Tyler e de suas mãos.

Tyler a ignorou e voltou a atacar sua boca. Laila já estava recuperada do estupor do tapa que levou.

– Fique longe de mim! - ela berrou. – Socorro!

Laila sentiu a barra do vestido subindo até o quadril e rasgando. Tentou empurra-lo com as mãos, mas ele segurou seus braços. Tyler segurou a bunda de Laila com uma mão e com a outra abriu o zíper do vestido. Laila aproveitou a deixa e arrancou a pele exposta de seu pescoço com as unhas. Tyler berrou e a jogou contra a parede, batendo sua nuca contra a mesma.

– CALA A BOCA!

Laila não deixou se levar pelo estupor e lembrou-se. O joelho! Use o joelho! Laila ergueu o joelho num movimento rápido e acertou a virilha de Tyler (erro de cálculo por meio centímetro!). Ele gemeu e fraquejou as forças em Laila por um instante. A garota aproveitou essa brecha e o empurrou para o lado. Ainda com os joelhos fracos, ela cambaleou tropeçando nos restos de entulho. Suas pernas ainda estavam tão fracas que assim que conseguiu estabilizar os pés, um pedaço relativamente grande de parede a fez tropeçar e cair de frente nas pedras. Laila grunhiu e tentou se apoiar no chão e levantar, sentiu a mão de Tyler agarrando seu calcanhar e puxando-a com brusquidão.

– Onde você pensa que vai? - ele gritou agarrando seu outro calcanhar e puxando. Laila tentou se debater enquanto era arrastada sobre as pedras. Ela sentiu a ponta dos dedos se dilacerando nas pedras enquanto tentava s agarrar a alguma coisa.

Tyler agarrou a parte de trás do joelho de Laila e deu um puxão de um vez, fazendo-a berrar de dor. Num movimento rápido, ele virou Laila de barriga para cima e a prendeu pelos braços e os joelhos.

– NÃO! NÃO! NÃO! - Laila se debatia. Tentava de todas as maneiras alcançar a pedra que estava a centímetros de seus dedos, mas o peso de Tyler sobre ela a impedia de fazer alguma coisa.

– Você vai gostar, eu juro – Tyler murmurou aproximando o rosto do dela.

– Não!

– EI! LARGA ELA, TYLER! - alguém gritou.

Tyler se levantou e olhou para um ponto que Laila não enxergava. Vinha da entrada do terreno com todo certeza.

A pessoa dona da voz deu alguns passos.

– Larga ela. Agora.

O peito de Laila quase explodiu.

Nico. É ele. Está aqui.

Tyler soltou uma gargalhada e ergueu Laila com apenas uma mão agarrada a seu pescoço como se ela fosse um boneco. Laila teve um vislumbre do rosto pálido de Nico quando foi erguida.

– Você quer? - ele perguntou jogando Laila a sua frente nas pedras – Entra na fila, Parker.

Num movimento de tigre, Tyler saltou para frente sobre Nico desferindo um soco em seu queixo. Nico não ficou para trás e contra atacou com socos no estômago e nas costelas de Tyler. Ambos tombaram no chão. Laila rolou para o lado, ficando de barriga para baixo e fitando a briga. Sua cabeça latejava e doía e ela sentia que em algum ponto havia sangue. Ela sentia o cheiro.

– Parem... - ela balbulciou apoiando as mãos espalmadas sobre as pedras. - Parem! Nico, pare!

Laila se apoiou nos joelhos e gemeu de dor. Eles estavam totalmente esfolados e queimavam, assim como suas mãos.

Depois de um sacrifício imenso, conseguiu ficar quase em pé. Tyler estava por cima de Nico e tentava esmurrar sua cara. Um dos socos acertou o nariz do garoto e este sangrava. Claro, Tyler também não estava 100%. Tinha os lábios cortados e sangrando e seu olho provavelmente ficaria muito roxo depois.

Laila começou a gritar. Tyler iria matá-lo. Isso não podia acontecer!

– Pare! Pare! - ela berrou inutilmente.

Droga!

Foi quando uma ideia correu sua mente como um flash. Laila apanhou uma pedra e, como um movimento certeiro, acertou a nuca de Tyler. Instantaneamente, ele desmaiou sobre Nico.

– Nico! - Laila exclamou largando a pedra e jogando-se de joelhos ao lado da cabeça do garoto. Com a mão esquerda, ela empurrou Tyler para longe. - Nico!

O garoto gemia. Seu nariz ainda sangrava e ele parecia a ponto de desmaiar. Laila envolveu seu rosto com as mãos.

– Nico! Abra os olhos! Olhe pra mim! Olhe pra mim, droga! - ela gemia sentindo as lágrimas rolarem pelo rosto. Ele suspirou e a encarou. Laila se permitiu sorrir fraco.

– Oi – ele grunhiu.

– Oi – ela sorriu fungando.

– Pode me ajudar a levantar? - ele perguntou e Laila assentiu.

Ela o abraçou pelo tronco e o ajudou a sentar-se. Escorando um no outro, eles se levantaram.

– Acha que ele está... - Laila começou.

– Não.

Ele a abraçou pelos ombros e ela se agarrou a ele envolvendo seu corpo.

– Vamos dar o fora daqui. Antes que ele acorde – disse Nico.

Juntos, entre gemidos, eles deixaram o terreno a passos vacilantes.