S.O.S Me Apaixonei Por Um Assassino Suicida escrita por Anthonieta


Capítulo 10
Um admirador macabramente secreto




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/419459/chapter/10

Tampei minha boca com as mãos para abafar o grito. Afastei-me lentamente, encarando o rosto pálido de Jason, até ser limitada pela parede do corredor. Preciso ser corajosa, pensei, preciso ajudá-lo, devo isso a ele, e mesmo se não devesse coisa alguma, é o certo a fazer. No mesmo momento, ignorei as paredes manchadas – o cheiro de ferrugem e metal, e debrucei-me sobre o tronco de Jason, segurando seu rosto por ambas as mãos, cada uma em um lado de seu rosto magro.

— Jason... — chamei-o, quase como um sussurro, tentando controlar meu pânico — Jason, acorde.

Lembrei-me das aulas de primeiros socorros que havia assistido no Tude há alguns meses, na famosa Semana Do Bom Cidadão Crouziense – uma política de aproveitamento do conhecimento alheio, criada pelo governo, uma vez que se uma pessoa sabe como inferir os cuidados básicos, não precisa frequentar a emergência das unidades de saúde com o que eles chamam de Casos Miúdos.

Contudo, toquei o pulso de Jason, procurando por algum sinal vital e felizmente encontrei. Alivio circulava pelo meu corpo, apesar da tensão. Olhei para sua mão esquerda espalmada e examinei as cartelas de remédios, praticamente vazias, que lá repousavam. Duas cartelas de ansiolíticos – medicamentos fortes que atuam sobre ansiedade e tenção. Me perguntei se ele tomava aqueles remédios constantemente, se possuía algum transtorno, ou se apenas estava com insônia.

Não esperei para saber. Ainda lembrando das aulas, arrastei Jason, delicadamente à minha maneira, para mais perto do vaso sanitário e coloquei suas pernas em cima do mesmo. Olhei de relance para trás e percebi que uma parte da pia de louça estava quebrada e estilhaçada pelo chão. Afrouxei suas roupas, para melhorar a circulação. Sangue ensopava a manga da camisa na parte de trás de seu braço direito – um corte, pequeno, porém, profundo, provavelmente proveniente da louça quebrada, o que explicava o sangue pelo banheiro.

No momento em que, rapidamente, desabotoei toda a sua camisa azul de mangas compridas, senti minhas bochechas queimarem, e agradeci por não ter ninguém olhando. O peito de Jason subia e descia lento e graciosamente, sua pele era como vela, o que me fazia pensar se ele realmente se alimentava bem. Percebi que seus ombros carregavam sardas suficientes para passar toda uma tarde contando, e afastei tais pensamentos ridículos.

Após um tempo o observando e tentando entender como aquele ferimento poderia ter ido parar por tantos lugares do banheiro, captei um rápido movimento que Jason havia feito com a boca, sua cabeça movia-se lentamente.

— Jason! — tentei controlar o desespero misturado com curiosidade, alívio e euforia — Jason, fale comigo, acorde!

Seus olhos abriram-se passadamente, como quem é acordado de surpresa no meio da noite.

— O que... — ele tentou falar, demostrando demasiado impulso, mas eu o interrompi.

— Não se esforce... Por favor.

Ele parecia querer se levantar, mas logo desistiu. Respirava tão pesadamente que suas narinas dilatavam e contraiam.

— O que você anda tomando, seu maluco? — questionei.

Desta vez ele levantou-se com trabalho até a cintura, rastejando-se ate a parede para ter apoio.

— Eu... — ele aparentava cansaço — Eu tenho alguns problemas.

— Isso eu já percebi.

— Não. — Jason tocou a ferida no braço, sua mão tornou com sangue. Ele passou os olhos pelas paredes, depois fitou seus pés. — Você não entende... Nunca entenderia.

Preocupação tomou o lugar da curiosidade, embora eu não quisesse demonstrar.

— Okay. — disse.

Peguei uma toalha de rosto branca, que estava pendurada acima da pia quebrada e fiz um gesto, pedindo a mão ensanguentada de Jason. Ele entregou-me com relutância, soltando suspiros impacientes. Eu limpei seu sangue e pus a toalha no canto da parede.

— Pode começar a me contar detalhadamente o que raios de problema é esse que você tem, que lhe deixa a ponto de entupir-se de sedativos. Você poderia estar morto.

Ele fitou-me, seus olhos negros e vazios. Era impossível conseguir decifrar qualquer coisa que se escondesse ali.

— Talvez eu estivesse...

— Não diga isso. — retruquei.

Ele sorriu.

— Você disse que não confia em estranhos. — Jason disse.

— É.

— Então... — ele continuou — como acha que eu posso confiar em uma estranha, quero dizer, contar-lhe meus problemas pessoais, assim, simplesmente, como se estivesse de frente para meu psicólogo?

Eu corei instantaneamente.

— Você frequenta psicólogos? — tentei não parecer espantada. De todas as pessoas do mundo, Jason Santi seria a última a qual eu diria que possui um psicólogo.

— Terapia. — ele forçou-se a levantar, segurando-se na parede a qual estava escorado — Olha, vamos sair daqui, porque... Nossa, que horas são?

Eu não fazia ideia de que horas eram agora. E estava confusa demais para fazer qualquer cálculo.

— Bem... — ele foi caminhando lentamente em direção a porta, provavelmente notando que eu não sabia dizer — isso não importa. Volte para a cama, Clarissa, por favor.

Eu queria contestar, xingá-lo e saber o porquê dele não ter contado nada sobre os remédios, a pia e o sangue. Nem um valeu por ter impedido um túmulo no cemitério da cidade em meu nome, ele forneceu. Nenhum agradecimento. Nada.

Levantei-me do chão e passei por ele, que segurava a porta, agora parecendo melhor do que nunca, a menos pelo ferimento em seu braço, que pingava sangue, mas Jason não parecia demonstrar nenhuma dor.

Eu estava prestes a bater a porta de seu quarto, quando ele a segurou, fazendo uma careta.

— Eu preciso de roupas limpas.

Ele avançou direto para o guarda-roupa, estendendo as portas ao extremo. Eu o olhava ao seu lado. Com uma única mão, ele embolou várias peças, parecia procurar por algo que mal sabia onde estava, até virar-se para mim com um olhar divertido.

— Wou... — ele sorriu — Você... Clarissa, eu não lembro de ter lhe concebido autorização para vestir minhas roupas, especialmente esta camisa — ele cutucou minha barriga com o dedo indicador de seu braço livre, o que me causou uma ardência chata e estranha na nuca. — esta é a minha preferida.

Eu senti minhas bochechas queimarem. Rapidamente afastei-me dele.

— Sem problemas. — disse — dê-me outra coisa para vestir e eu lhe devolvo essa camisa idiota.

Ele sorriu novamente, desta vez com menos expressão.

— Tudo bem, Mirium. — ele sussurrou — eu visto outra.

Mirium? — questionei.

— Esquisita em latim.

— Eu... não sou esquisita, você...

— Não importa — ele interrompeu-me, pegando uma camisa vinho de mangas curtas e fechando as portas do guarda-roupa — É melhor voltar a dormir e... quando acordar não precisa sair pela casa me procurando que nem uma louca, sabe, você parece ser bem do tipo que faz isso, eu... eu estou de saída, não tenho hora pra voltar, então tome isso — ele entregou-me uma chave, uma única chave que fedia a ferrugem.

— Uma cópia da chave do seu apartamento? — perguntei. Ele assentiu.

— Mas não vá se animando, mais tarde passarei na sua casa para buscar — ele parecia firme — não quero garotas exibindo uma cópia da chave do meu apartamento por aí, pode passar a impressão de que eu sou exclusivo. Pior, podem pensar que estou saindo com você.

Eu o olhei inexpressiva enquanto ele cruzava a porta.

— Isso seria o pior? — gritei.

— Pode apostar que sim.

Sua voz foi extinta pela falta de circulação de som. Virei-me em direção à cama e ali mesmo desabei.

***

Eram Oito horas em ponto quando acordei, novamente, enjoada do perfume cítrico de Jason que estava espalhado por todas as cobertas, e pela camisa.

— Coisa horrível! — grunhi.

Levantei-me e caminhei até à janela. Puxei as cortinas e levantei o vidro. Crouzi pela manhã era ainda mais calma e bonita. Tornei a pensar em tudo que havia acontecido nas últimas horas. Coisas estranhas demais em tão pouco tempo para alguém lidar. Não pude evitar de sentir um arrepio de, talvez, medo de Jason Santi. Ele não parecia perigoso, mas provavelmente também não era inofensivo. E ainda tinha o fato dele misteriosamente ter aparecido no mesmo momento em que aquela mulher morreu e meu celular emitiu aquela mensagem privada e sinistra. Ele havia dito que me seguiu a partir da hora em que eu sai do beco, totalmente desnorteada, mas é muita coincidência. Uma andorinha pousou na janela, eu a fitei até ela ir embora. Uma ideia, não muito boa, passou-me pela cabeça, mas eu afastei o pensamento.

Foi quando cruzei a porta marfim do quarto de Jason, que percebi que não tinha nada de útil para vestir. E estava um tanto acanhada em descer até o meu andar numa camisa que mal cobria meu corpo. Não houve jeito. Voltei ao quarto, recolhi minhas roupas ensanguentadas, calcei minhas botas e passei no cabelo um pente meio amassado, que encontrei sobre a cômoda. Pior que aquilo eu jamais poderia estar.

Então sai do quarto e me dirigi ao corredor, parando inesperadamente por uma força que me fez olhar para trás: a curiosidade. Girei a maçaneta da porta do banheiro devagar – estava tudo completamente limpo. A pia estava claramente quebrada, mas seus cacos haviam sido recolhidos. Deixei o cômodo, peguei a chave que Jason havia dado-me e fui para casa.

***

— Pelo tom da sua voz o assunto é sério.

Houve um pequeno silêncio, tornei o telefone ao ouvido e fitei a janela da cozinha.

— Eu nem consigo definir o grau de pernicioso que tudo isso é, Gabi. — respirei fundo — Você não imagina...

— Não se preocupe — disse Gabriela — eu vou até aí, mais tarde, okay? Agora tenho que desligar, Dean chegará à noite, e, você sabe, tenho que preparar um jantar caprichado.

Eu fiz uma careta.

— Tudo bem, até depois.

Gabriela desligou o telefone, fiz o mesmo. Sentei-me em meu sofá velho, segurando O Apanhador No Campo de Centeio. Estava preparando-me para ler, quando o telefone voltou a tocar. Dei um muchacho e fui atender.

— Alô.

Houve um intervalo de silêncio. Por um momento pensei em devolvê-lo ao gancho, até uma voz masculina e rachada murmurar.

— Sta. Lee...

— Sim, Frederich.

— Há um rapaz aqui, digo, na portaria.

— E o que eu tenho com isso?

— Posso mandá-lo subir? Ele lhe trás flores... Ah, perdão, ele lhe trás uma encomenda de flores... é apenas um entregador.

— Flores? Para mim? Mas que raios. Eu odeio flores, todo mundo sabe disso, pelo menos quase todo mundo. Isso deve estar errado, Frederich, mande-o rever o endereço, porque isso definitivamente não é para mim.

Houve uma pausa. Então Frederich tornou.

— Sta Lee... As flores são realmente para a senhorita. O rapaz confirmou seu nome.

— Mas que porcaria! Okay, mande-o subir, mas é melhor avisa-lo que eu não lhe darei gorjetas.

Ouvi três batidinhas em minha porta. Olhei pelo olho mágico e lá estava um garoto magrelo e baixo, com um buquê de rosas brancas entre os braços. Eu abri a porta.

— Quem mandou-me isso? Quem lhe mandou aqui?

Ele apenas deu de ombros e foi embora, saltitando, deveria ser muito hiperativo. Bati a porta com o pé, já desembrulhando o cartão e jogando o buquê no sofá. O cartão era tão branco quanto as rosas e nele havia um pequeno recado cravado em dourado:

Para Clarissa Lee Licer

Estou de olho em você, minha querida. Qualquer passo em falso, apenas qualquer passo, e eu lhe mando para um lugar que talvez você não goste muito, apesar de que é sempre um privilégio servir de companhia a mim. E nunca esqueça: você é totalmente responsável pelo que faz e pelo o quê e quem vê.

Lágrimas queimaram atrás de meus olhos. Podia sentir o ódio descer pela minha garganta como ácido.

— Em que diabos está se transformando a minha vida?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo quarta-feira e, talvez, momentos esperados também, não sei. (:



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "S.O.S Me Apaixonei Por Um Assassino Suicida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.