The Surviver 2 escrita por NDeggau


Capítulo 20
Capítulo 19 — Falhando


Notas iniciais do capítulo

Demorei demais? Perdão.
Aí está, aproveitem.



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Falhando

EM MOMENTO ALGUM fiquei longe de Jamie. Eu queria ser a primeira pessoa que ele visse quando voltasse. Queria ser a primeira a tocá-lo, mantê-lo nos braços. Ouvi-lo dizer que sentiu minha falta.

Talvez meus motivos fossem egoístas, mas me senti a pessoa mais altruísta do mundo quando acordei sentada naquela cadeira desconfortável, com a cabeça apoiada no catre.

Levantei-me, estiquei o pescoço e os braços, alonguei as pernas. Voltei à atenção para Jamie, acariciando seus cabelos, ajeitando suas mãos e trocando a posição de suas pernas para ajudar a circulação. Então apoiei as duas mãos no catre, segurando a dele, e esperei.

Era a única coisa que eu podia fazer, para minha infelicidade.

Eu preferia não pensar no tempo. Não contava horas, e virei o relógio de Doc para a parede. O incessante movimento do ponteiro me deixava ainda mais nervosa. Nas primeiras horas naquele consultório antiquado, peguei todos os papéis abandonados ao léu e os ajeitei em pilhas ordenadas. Ordenei algumas ferramentas e os medicamentos, deixando o restante em caixas. Alinhei os quatro catres. Quando o pequeno cômodo estava perfeitamente organizado, puxei outro catre e me sentei nele.

Fiquei sentada, olhando para Jamie, até minha coluna gritar de dor por causa da posição. Pela luz nas aberturas do teto, haviam se passado 12 horas que eu estava ali. Deitei-me de bruços e estudei o perfil de Jamie.

O ângulo de seu nariz, a inclinação do lábio inferior e o declive do queixo. A linha suave do maxilar e os malares levemente acentuados, os cílios curtos e espessos, a pele homogênea e sempre levemente bronzeada. Olhar para ele me trouxe lágrimas nos olhos.

Uma vez, antes da invasão, eu havia lido que o amor provoca as mais imprevisíveis reações no corpo. Quando você percebe que ama alguém, pode chorar, gritar, suar, gargalhar, assustar-se ou até mesmo desmaiar. A descarga sensorial e emocional provocada por tal sentimento é tão forte que às vezes não aguentamos. Eu não aguento. Olhando para Jamie, percorrendo com os olhos os traços simples que me são de tão elevada importância, me fez chorar. Por que eu o amo. Por que o quero desesperadamente. Por que fico vulnerável e insana sem ele. Por que sou fraca. Eu não aguento.

Ainda havia lágrimas nos meus olhos quando a noite caiu, e quando adormeci, algumas horas depois.

Em vez de evitar contar as horas, comecei a evitar olhar as fendas no teto e não diferenciar dia e noite. Mas meu relógio interno me impediam de perder a noção do tempo, e duas noites depois, eu ainda estava trancafiada naquele consultório. Apenas Doc surgia lá de vez em quanto, mas como ninguém havia se ferido, o cômodo ficou inutilizado. Ótimo. A única coisa que eu precisava era de privacidade. E talvez comida, pois não havia comido nada naquele tempo. Mas não sentia fome. Estava entorpecida demais na espera de Jamie para sentir alguma coisa.

Na terceira noite, quando o consultório ficou debilmente iluminado pelas lâmpadas solares azuis, peguei no sono antes do normal. Debrucei-me sobre o peito de Jamie, e embalada por sua respiração ritmada, adormeci.

Uma sacudidela irritante me despertou. Fiquei com preguiça de abrir os olhos, então tentei rolar para o lado, mas algo me impediu. Afiando um pouco os mus sentidos, percebi que meu peso estava sendo sustentado por um par de braços fortes. Um balançar suave indicava que eu estava sendo carregada.

Era Jamie. Ele havia acordado e me visto dormido, e estava me levando para nosso quarto.

Sorri antes de abrir os olhos, ergui meu braço para poder segurar sua nuca e pressionei minha testa na lateral do seu rosto.

Mas meu sorriso se apagou quando notei um detalhe importante. A quentura da sua pele tão era profunda e confortante.

Abri os olhos, me deparando com um maxilar triangular e pálido, e minha esperança escorregou até o chão e se dissolveu.

Deixei minha mão cair e minha cabeça pender para trás, e encarei o teto com frestas que mostravam o céu da noite.

— Você pensou que era Jamie.

— Pensei. — Admiti.

— Tudo bem. — Escutei um sorriso na sua voz. — Eu não me incomodo.

Forcei o pescoço para poder semicerrar o olhar para aqueles olhos cinzas, que no breu da noite ficavam escuros.

— Por que me tirou do consultório?

— Faz quatro dias que você está presa na dentro, se negando a comer ou beber qualquer coisa, apenas se deteriorando enquanto espera por Jamie.

— Existe algo chamado livre arbítrio.

— Existe algo chamado “proteger alguém de si mesmo”.

— Tá, mas... — Eu não estava com uma postura muito vantajosa para discutir. — Ponha-me no chão.

— Se você conseguir se manter de pé.

— Não seja extremista, eu disse para me pôr no...

Chris me soltou.

Agarrei seus braços para me firmar, e todos meus músculos tremeram com o esforço. Minhas pernas não se firmavam, minhas mãos escorregavam e se abriam, sem forças. Obviamente, caí no chão num monte flácido, e minha musculatura tremeu quando me apoiei sobre os cotovelos e franzi as sobrancelhas para Chris. Ele se agachou ao meu lado e retirou as mechas da franja dos meus olhos, mas sacudi a cabeça furiosamente, livrando-me de seu toque.

Chris me observou enquanto eu tentava, debilmente, me reerguer. Não sabia que estava tão fraca. A falta da minha força me lembrou que eu estava desnutrida e faminta, e meu estômago roncou alto. Tentei usar a fome como incentivo para me colocar de pé, mas não consegui. Puxei as pernas de encontro ao peito e fiquei sentada no chão, os braços vacilando pelo tremendo esforço que eu fazia ao apoia-los sobre o colo.

Derrotada, ergui os olhos para Chris.

Seus olhos cinzentos estavam me observando com um sentimento profundo demais para ser descoberto. Um pouco de compaixão e uma pontada de tristeza, talvez. Mas a falta de ajuda para comigo me fez duvidar de seu “amor”.

— Está divertido ficar aí me observando cair, não é? — Rosnei.

— Acho que é impossível você ficar mais caída do que já está.

Olhei para o teto. Este era mais interessante que os papos chatos de Chris.

— Tá. — Murmurei.

— Todo mundo precisa de ajuda às vezes.

— Tá. — Repeti. Não queria dar moral nem certeza a ele.

O silêncio se instalou por uns dois minutos, até eu voltar os olhos para ele.

— E você não vai me ajudar?

— Só se você pedir.

Não. Eu não iria me humilhar a esse ponto. Não tiraria a expressão dura do meu rosto e diria palavras mágicas para receber a ajuda de Chris. Mesmo que eu precisasse.

Então tive a ideia mais genial do mundo. Olhei bem nos olhos de Chris, entreabri os lábios como se estivesse prestes a dizer alguma coisa e desmaiei. Falsamente.

Tentei não rir quando Chris me sacudiu e me puxou para junto de seu corpo, com um falsete de angústia na voz, e depois me carregou às pressas para meu quarto. Assim que senti a maciez do meu colchão, puxei o ar com força e abri os olhos.

Então, olhei para Chris e dei um sorriso vitorioso.

—Parece que você não conseguiu me abandonar, não é mesmo?

Chris estava com as sobrancelhas ainda mais franzidas sobre os olhos.

—Vou buscar algo para você comer. —Ele murmurou e se retirou.

Rolei no colchão até chegar contra a parede. Usei-a como apoio e forcei meus joelhos para ficarem firmes. Apoiei-me sobre um pé, impulsionei-me para cima e me sustentei, usando a parede como sustento.

Dei um passo para longe da parede. O tempo que passei parada e sem me nutrir havia enfraquecido meus músculos, mas minha determinação ainda estava de pé. Eu sou uma garota forte, eu conseguiria.

Dei alguns passos vacilantes até meus músculos pararem de tremer.

Usando a parede como apoio, me desloquei em direção à porta. Se conseguisse passar a bifurcação antes que Chris voltasse, talvez conseguisse me esconder no consultório de Doc novamente. Empurrei a cortina de veludo, e forcei as pernas a irem mais rápido, e estava quase virando o corredor quando... Chris apareceu.

—Ah, Ashley. —Ele revirou os olhos para minha imagem deplorável. Fraca, com olheiras profundas e o cabelo espetado para todos os lados, usando a parede como ponto de apoio, sobras de arranhões em minha pele que Doc não teve razões para curar. Tentei franzir as sobrancelhas e dizer algo que pudesse recompor minha dignidade; mas era inútil, eu já estava destruída. Meu orgulho precisava ser deixado de lado.

—Chris. —Cerrei os dentes. Eu não queria dizer. Eu não podia. Já estava com uma péssima impressão, não era mais a garota forte e independente que entrara naquelas cavernas escondida em uma caçamba. Estava devastada. Torturada pelo tempo. Ferida. E eu só tinha dezenove anos, com tantas dores e traumas que não conseguia mais me erguer. Estava morta.

Então, trincando o maxilar de raiva de mim mesma, sussurrei palavras que nunca imaginei que diria na vida.

—Eu... Preciso de ajuda.

O efeito foi imediato. Chris me pegou no colo, enrolando minhas pernas em sua cintura e me apoiando, enquanto ainda equilibrava o prato de comida que me trouxera. Levou-me até meu dormitório e me ajudou a deixar na cama. Eu não tinha coragem de olhar para ele. Meu último resquício de dignidade havia se extinguido. Provavelmente, quando Jamie voltasse, iria se decepcionar com a garota fraca e vulnerável que me tornei, tão diferente daquilo que era quando ele se apaixonou.

Comi com voracidade toda a comida, apenas murmurando agradecimentos para Chris. Ele ficou sentado na beirada oposta do colchão enquanto eu devorava tudo igual a um animal. Cheguei a lamber a gordura da carne dos dedos. Já sentia a diferença de um estômago cheio, todos meus músculos ganharam vida, o sangue pareceu fluir nas minhas veias.

Dei um suspiro satisfeito.

—Parece muito melhor agora. A cor até voltou para seu rosto.

Dei uma risada assoprada pelo nariz, e comecei a enrolar o cadarço do meu tênis no dedo. Chris apoiou os cotovelos sobre os joelhos dobrados próximo ao peito.

—Eu queria dizer uma coisa... Uma coisa chata, mas necessária. Todos estão comentando sobre isso, estamos preocupados com você.

Isso chamou minha atenção, ergui meus olhos, mas Chris estava focado na parede oposta.

—Acho que você não deveria se dedicar de corpo e alma a Jamie, colocando-o acima de tudo. — Os olhos de Chris traçaram um lento caminho até encontrar os meus. Eles estavam azuis, mais brilhantes do que eu já tinha visto. —Você tem uma vida, você tem que se cuidar. Quase morreu diversas vezes apenas por ele. Isso é... Quase desumano. É selvagem.

Eu poderia ter negado. Poderia ter explicado a Chris o que eu sentia, mas não. Ele estava certo. Assenti.

—Eu só... —Mas Chris me interrompeu.

—Você teve carência de sentimentos durante sua vida, eu sei. Porém não pode tentar compensar agora. Sua vida não se resume unicamente a Jamie, ele é apenas a pessoa que você ama. E não tente discutir comigo, Ashley. Eu já me apaixonei, e foi a coisa mais real que tive. E me apaixonei de novo, e essa é a coisa mais ilusória de todas. —Aquilo doeu como um tiro. —Mas nunca coloquei ninguém acima de mim; não é egoísmo, é uma questão de sobrevivência. E você não pode ser assim, não pode ser tão altruísta.

Altruísta.

—Você está certo.

Chris me olhou com surpresa.

—Estou?

—Está. Coloquei Jamie acima de tudo e todos, mobilizei o universo para salva-lo. Estou me matando para deixa-lo vivo. Isso não é belo, não é nobre; é cruel. O amor é cruel.

Dei um suspiro.

—Ashley...

—E eu não entendo como posso amá-lo tanto. —Sussurrei.

Chris se aproximou, talvez por que minha voz soasse meio chorosa, ou talvez por que ele me amasse e tivesse a mesma necessidade de aproximação.

—Quem é capaz de explodir de raiva também é capaz de explodir de amor.

Sorri, mesmo sendo um momento importuno.

—Talvez eu não devesse ser tão explosiva.

—Ah, não. —Chris ergueu a mão e tocou minha face. —Ser explosiva é parte de você.

Inclino levemente a cabeça para afastá-lo. Chris tira a mão e desvia os olhos.

—Bem, é uma parte ruim de mim.

Ele ergue os olhos para o teto, como se estivesse fazendo algo obrigatório e entediante quando diz:

—Parte nenhuma de você é ruim.

Chris continuou olhando para o teto, inconscientemente se perdendo em pensamentos. Era visível o que ele sentia por mim, quase apalpável, mas era doloroso também; jamais seria mútuo.

Como minha decência já havia ido pelo ralo, e não me sobrava mais nada, murmurei.

—Obrigada, Chris.

Ele baixou os olhos e sorriu, mas o sorriso logo se desfez.

—Acho que agora você vai querer voltar ao consultório de Doc.

Inclinei a cabeça, pensando na possibilidade. De repente, ser a primeira a agarrar e abraçar Jamie não parecia tão importante, havia pessoas que o amava tanto quanto eu, e que também queriam ficar perto dele, sem que eu os dispensasse. Comecei a me sentir terrivelmente egoísta, e mesmo com a vontade torturante de ficar perto de Jamie, eu neguei.

Havia algo que eu precisava fazer, antes de tudo.

Eu precisava matar o que estava me matando por dentro.


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Notas finais do capítulo

Capítulo parado e tudo mais, porém necessário. Desculpa pelo tédio mórbido, prometo que os próximos serão melhores (:



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