Revenge II escrita por Shiroyuki, teffy-chan


Capítulo 71
Capítulo LXXI




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Miguel suspirou, olhando novamente para as paredes brancas ao seu redor. Não gostava muito de hospitais, mas era difícil encontrar alguém que realmente gostasse, certo? Embora ele não tivesse motivo algum para estar ali, exceto para fazer companhia aos seus amigos, não sentia vontade nenhuma de ir para a aula, já que ficaria sozinho pelo dia inteiro se fosse o caso.

De todo o grupo, ele era o único a não ter nenhum ferimento. Absolutamente nada. Nenhuma torsão, nenhuma escoriação. Até mesmo os cortes no seu rosto, vindo de estilhaços de vidro no decorrer da batalha na noite anterior, haviam sumido sem deixar rastros. Na palavra de todos que presenciaram, aquilo havia sido um verdadeiro milagre, julgando a forma como ele se encontrava. E ninguém sabia explicar como exatamente havia acontecido. A única dor que ele sentia agora era mais subjetiva do que esses ferimentos superficiais.

Seus amigos estavam todos distribuídos entre dois quartos da observação daquele hospital - e só haviam sido capazes de ficar mesmo juntos graças aos muitos contatos que Tsukasa colecionava pela cidade. Aliás, Tsukasa fora contactado assim que os guardiões deixaram o prédio da Yamabuki Corp. para trás. Ninguém esperava pela reação que ele apresentou, ao vê-los naquele estado em que se encontravam. Sempre uma fonte de calmaria e racionalidade, Tsukasa passou um severo sermão em todos os jovens, pela sua precipitação e irresponsabilidade em tratar daquele assunto, sem falar nos machucados e no fato de que eles haviam acabado de destruir um prédio inteiro praticamente! Ainda que tivesse sido duro com seus alunos, Tsukasa tratou de levá-los imediatamente para receber algum tratamento, logo após isso.

A história contada no hospital, e depois, para os pais de todos os estudantes, era de que eles haviam resolvido acampar fora da cidade, sem avisar ninguém, e enquanto faziam a trilha pelo bosque, acabaram todos indo pelo caminho errado e caindo em um desnível, que no escuro não era possível ver, e rolando até o fim do barranco. Nenhum dos pais, que também acabaram tendo que ser chamados no hospital, estava feliz vendo aquele cenário, e eles tiveram que ouvir mais repreensões sobre seus comportamentos nada satisfatórios. Alguns castigos foram distribuídos por ali mesmo, na sala de observação, e logo depois, houveram abraços e pedidos de “não me deixe preocupado!”. Até mesmo Miguel, foi praticamente esmagado por um caloroso abraço da mãe de Kukkai. Ele, que nunca havia experimentado um ato semelhante dos seus próprios pais, que não eram muito chegados a demonstrações de afeto, e ainda menos depois dos acontecimentos em sua vida, não sabia bem como agir nessas horas, então apenas sorriu sem graça, e agradeceu pela preocupação, pedindo desculpas por causar problemas.
Somente agora, no meio da tarde, houve calmaria por ali. A maioria dos pais havia se acalmado e ido para seus trabalhos, enquanto outros, preferiam ficar por ali, mas saíram para tomar café na cantina do hospital. Provavelmente eles seriam liberados ainda naquele dia, pois nenhum dos machucados era tão grave assim, exceto por algumas exceções, porém havia sido necessário permanecer em observação, já que haviam supostamente rolado penhasco abaixo e batido suas cabeças nas pedras. A parte de bater a cabeça ainda era verdade, vendo por outro ângulo.

De todos, Ikuto talvez estivesse em um estado muito pior, e precisasse ficar por mais tempo. Os enfermeiros pareciam duvidar seriamente sobre a origem dos ferimentos dele, já que não pareciam nem remotamente terem aparecido somente por cair de um barranco, e por isso, era o único que havia ficado em um quarto particular, e não na observação como todos os outros.
Anna também não parecia nada bem, embora insistisse no contrário, e Stéffanie tinha uma torsão no pulso direito. Giovanni sentia muitas dores nas costas, e Tadase precisou fazer pontos no corte que tinha no braço. Para resumir a situação no geral, todos estavam bem mal, em diferentes níveis. Não havia um deles sem cortes e hematomas visíveis no rosto, e provavelmente pelo resto do corpo também. Nem os Shugo Charas escapavam daquele cenário, exaustos após aquela batalha final extensa, haviam se recolhido em seus próprios ovos para recobrar as forças, e agora repousavam ao lado da maca de cada um dos seus donos.

Miguel se encontrava agora no quarto das meninas. Os garotos haviam sido colocados no quarto logo ao lado, mas não demorava muito tempo sem que algum deles se esgueirasse para onde as meninas estavam, e ficar por ali até que alguma das enfermeiras aparecesse para afugentá-los. Algumas das enfermeiras mais legais não se importavam tanto assim, na verdade.
Naquele momento, por exemplo, estava mais silencioso. Yaya, que não ficaria quieta nem que amarrassem ela na cama, já havia ido para o quarto dos meninos há horas, e provavelmente estava jogando cartas com Kukkai naquele momento, já que esse era o seu plano. Utau parecia distraída com seu celular, respondendo mensagens dos fãs no twitter, que haviam de alguma forma descoberto que ela havia sido hospitalizada, e enviavam sua preocupação. Rima dormia, encolhida como uma bolinha, e só era possível visualizar os seus cabelos volumosos sobre o travesseiro. Amu estava um tanto entediada, ou pelo menos era como deixava parecer, porque era óbvia a sua preocupação com Ikuto. Ele dormia, e os enfermeiros não davam muitas informações sobre como ele estava, nem o que havia de errado com o estado dele.

Nagihiko havia vindo ver Stéffanie, e os dois escaparam, jurando não terem sido vistos por ninguém, para caminhar um pouco e comprar algo para comer na máquina automática, já que, segundo Stéffanie, a comida do hospital não era “comida de verdad”. Usando somente seus pijamas, e ambos enfaixados pelos braços e na cabeça, era óbvio que eram pacientes e não demoraria até que tivessem que voltar correndo do passeio, se não fossem espertos o suficiente.

Tadase também estava ali, mas apenas observava silenciosamente Anna, que dormia tranquilamente, vez ou outra fazendo expressão de dor. Parecia estar faltando algo nela, e só então Miguel percebeu que eram os enormes óculos, que estavam na mesinha de cabeceira, junto com o ovo turquesa e lilás de Peach. Sem eles, ela parecia ainda menor e mais jovem do que realmente era. Tadase olhava para ela com evidente culpa, por vê-la assim, e acariciava de leve seu rosto, coberto por cortes finos, ou a mão enfaixada com bandagens. A enfermeira que há pouco havia vindo verificar os pacientes não pediu para que ele se retirasse, ao ver aquela cena, e Miguel entendia por quê. Era um momento tão particular que ele não quis espionar por mais tempo, então, voltou a se direcionar para a televisão, a única fonte de ruídos naquele lugar tão vazio.

Logo, um cenário familiar na tela chamou sua atenção. Era o mesmo prédio onde eles haviam estado na noite anterior, e estava sendo transmitida uma reportagem sobre o local. Miguel aumentou um pouco o volume, e prestou mais atenção na televisão.
— As causas do princípio de desmoronamento na sede da empresa Yamabuki Corp, na área central de Shinjuku ainda não foram esclarecidas. Os andares superiores do prédio foram totalmente destruídos, causando um abalo que foi sentido em várias áreas ao redor. A suspeita é de que os experimentos realizados no interior do prédio na criação de novos produtos seja o motivo de uma explosão que teria ocasionado a destruição.
Na reportagem, apareceram cenas gravadas na noite anterior, logo depois que eles foram embora, com o cientista que havia projetado aquele traje de batsu-tamas sendo levado por policiais, enquanto gritava ensadecidamente algo sobre ovos negros e crianças metidas. Por sorte, todos ali pareciam acreditar que ele era simplesmente um maluco.

— Apesar de ainda estar sob investigação, o responsável pelos experimentos, Takagi-sensei, foi levado para prestar depoimento. O presidente da Companhia não quis dar nenhuma declaração para a imprensa, e sua filha, presente no momento da explosão, encontra-se hospitalizada. Não houve feridos graves, e todos os funcionários do prédio conseguiram escapar antes das explosões. Segundo a polícia, as gravações das fitas de segurança daquela noite desapareceram por completo, o que levanta a possibilidade do ataque ter sido premeditado.

Miguel suspirou, baixando novamente o volume da televisão. Nenhum deles havia de fato pensado nas cameras de segurança do prédio quando resolveram invadi-lo, mas era uma sorte absurda que todas essas gravações tivessem desaparecido misteriosamente. E se nenhum dos seus amigos havia dado jeito nesses arquivos, só restavam duas opções: Kaori, que em algum rompante de generosidade, tivesse decidido ajudá-los mais uma vez, ou… bem, Miguel preferiu forçar-se a não pensar na segunda possibilidade.

Ainda tentava digerir os acontecimentos e revelações envolvendo o seu namorado… ou seria melhor dizer, ex-namorado. E não havia conseguido chegar a uma conclusão clara e definitiva sobre como se sentia sobre isso. Se por um lado, estava machucado demais pela traição e por descobrir a verdade da pior forma possível, com todas as coisas cruéis ditas por Matthew… por outro.. ele ainda fraquejava. Porque tinha em seu coração uma dúvida enorme sobre qual era a verdade, e o quanto de Shunsuke havia sido puramente invenção. Se houvesse ao menos uma forma de saber se parte daquilo tudo era verdade… Além disso, Miguel hesitava, ao pensar no milagre que havia acontecido com ele naquela noite. Pois, segundo o que Yaya e as outras meninas contavam, chocadas, ele estava em um estado terrível no final da luta, que elas não quiseram nem mesmo descrever, ainda em choque só de imaginar o que poderia ter acontecido com ele. E repentinamente, num piscar de olhos, ele estava completamente recuperado e foi como se nada tivesse acontecido. Miguel se recusava a acreditar, mas seu coração dizia, sem parar, que poderia ter algo a ver com Shunsuke. Ou Matthew. Isso ainda era confuso.
Tudo era confuso.

E o pequeno português se ergueu, cansado de remoer os mesmos pensamentos. Não importava o quanto pensasse, não conseguia decidir que caminho tomar. E além disso, logo ele teria que voltar para Portugal. Não era como se ele e Shunsuke fossem se ver novamente. O melhor a fazer era deixar tudo de lado, e partir com a cabeça erguida, para a sua deplorável vida antiga.

— Eu vou comprar algo para comer na loja de conveniência. Alguém quer alguma coisa? - ele anunciou, para Utau e Amu, que eram as únicas ali que poderiam prestar alguma atenção nele no momento. A comida do hospital não era das melhores, era verdade, mas ele não se importava tanto assim com isso. Só queria caminhar um pouco e colocar os pensamentos no lugar.

— Eu não acho que as enfermeiras queiram que a gente coma alguma coisa fora da dieta do hospital, mas sabe… - Amu ia falando, com a voz fraca, e um princípio de sorriso se formando - Eu não me importaria de ter algo doce para comer.

— Se não me engano, Stéffanie reclamou que sentia falta de sorvete. - Utau murmurou, ainda olhando para a tela do celular. - E eu adoraria ter chocolates pra me distrair um pouco…

— Pedidos anotados! - Miguel acenou com uma das mãos, enquanto juntava seu celular e o ovo de Grace da mesa ao lado da poltrona onde esteve sentado nas últimas horas, e guardava ambos na bolsa que colocou atravessada em um dos ombros. - Eu volto já!

Com uma missão em mente, ele se sentiu mais bem disposto, e saiu pelo quarto do hospital. Do quarto ao lado, ele podia ouvir as vozes animadas de Kukai e Yaya, ela reclamando que havia perdido porque ele ficava trapaceando nas cartas. Não demoraria até que alguém reclamasse do barulho que ambos faziam. Nem parecia que estavam em um hospital, era quase como se estivessem em uma colônia de férias, esses dois. Miguel riu consigo mesmo com o pensamento.

— Parece que já está mais aliviado consigo mesmo, jovem?

Miguel tomou um susto, e recuou um passo, ao se dar conta de que não estava sozinho no corredor do hospital. O susto passou quando ele percebeu que quem o observava era Tsukasa, que trazia alguns ramalhetes de flores, provavelmente para visitar os guardiões, mas ainda era impressionante a maneira como ele conseguia se aproximar sem fazer o menor ruído.

— Bem, mais ou menos. Acho que depois de termos conseguido descobrir a verdade sobre os ovos, e purificá-los, um peso saiu das nossas costas. - ele respondeu sinceramente, enquanto Tsukasa acenava em concordância.

— Esta batalha se encerrou, mas acredito que vocês, guardiões, tenham ainda muitas outras por vir. Batalhas internas, dessa vez. Como você está se sentindo?

— Eu? - Miguel o fitou, confuso. - Bem, acho que eu fui o único que não ficou machucado no fim, então…

— As feridas da alma são as que doem por mais tempo, querido, e as mais difíceis de cicatrizar. - Tsukasa se aproximou, e segurando os buquês todos em um só braço, usou a mão livre para afagar a cabeça do garoto. - Seria triste se estas feridas fechassem seu coração para sempre. Espero que apesar de tudo, você permaneça com o coração aberto a ouvir e a compreender.
Miguel tentou acreditar que as palavras de Tsukasa eram aleatórias, mas sabia que sempre havia algum significado nas coisas que ele dizia. Respirou fundo, assentindo, por fim, e o adulto sorriu.

— Senhor… E-eu vou… ahn… comprar umas coisas para comer.

— Não tenha pressa, eu estarei fazendo companhia para seus amigos até eles chegarem. Aliás, saberia me dizer se meu sobrinho e Lewis-san estão juntos agora?

— Tadase estava no quarto das meninas cuidando dela até agora… - Miguel respondeu, vendo que Tsukasa ainda mantinha o mesmo sorriso enigmático - Mas ela estava dormindo.

— Bem, o que eu tenho para dizer a eles pode esperar. - Tsukasa assentiu para si mesmo, e virou as costas. Miguel virou-se para sair pelo lado oposto do corredor, mas antes de ter se afastado o suficiente, ainda ouviu a voz do outro ecoar pelas paredes brancas e chegar até ele. - Boa sorte.

Sorte? Por que ele precisaria de sorte para comprar algumas besteiras na loja da esquina? Senhor Tsukasa gostava de ser dramático, às vezes.

 


~

 

 

Uma batidinha de leve na porta do quarto, e Amu foi quem respondeu um “pode entrar” curioso. Tsukasa abriu a porta e sorriu, adentrando e trazendo consigo uma coleção de pequenos buquês de flores, uma para cada um deles. Agora que o perigo já havia passado, ele havia voltando ao seu eu mais calmo usual, e já não estava mais tão bravo. Isso para não dizer que estava verdadeiramente orgulhoso dos feitos dos seus pupilos, apesar de ainda acreditar que eles haviam sido imprudentes, eles conseguiram terminar o que haviam começado.

Depois de Amu e Utau atualizarem Tsukasa sobre o estado de cada um deles, enquanto Rima ainda dormia profundamente, Anna começou a despertar, talvez por causa do barulho das conversas entre os outros. Primeiramente parecia confusa, mas se acalmou ao sentir a mão de Tadase sobre a sua, e ele alcançou a ela os seus óculos. Quando pode finalmente enxergar, ela olhou ao redor, e sorriu para seus amigos.

Após algum tempo, e notando como todos ali ainda se encontravam um tanto exaustos, não só fisicamente, mas mentalmente também, Tsukasa decidiu ir direto ao ponto, do assunto que o trazia até ali, além de apenas uma visita cordial.

— Como devem estar imaginando, já que a missão que foi destinada a vocês foi cumprida satisfatoriamente, é hora de seguir em frente.

Nenhum dos presentes disse qualquer coisa. Eles todos, principalmente os estrangeiros, já vinham pensado nisso há algum tempo, e agora que se aproximava a hora de dizer adeus, não havia como evitar. Tadase pareceu querer dizer algo, mas ao notar o olhar significativo do tio, calou-se, e esperou, assim como as meninas também fizeram. A mão de Anna, delicadamente tocando a sua, apertou-se ligeiramente.

— Eu gostaria de falar com nossos queridos intercambistas, cada um de uma vez, já que a situação de cada um deles é particular e única, mas não estava nos meus planos esta estadia no hospital… - ele fitou os adolescentes com aquele olhar de repreensão, que logo se desanuviou - Por enquanto, poderia falar com a senhorita, Lewis-san? Trago mensagens da sua família, sobre o seu retorno à Londres.

— Ow… - ela suspirou baixinho. Estava ciente de que esse momento viria, mas não imaginava que seria tão cedo.

— Se vocês preferirem falar a sós, nós podemos ir lá para o corredor, ou pro quarto dos meninos… - Utau, que estava na cama logo ao lado de Anna, sugeriu.

Oh, no! Please, não precisam sair daqui. Eu estava pensando mesmo em esticar um pouco as pernas, já estão doendo por ficar tanto tempo paradas, hehe.. - Anna riu, visivelmente nervosa. Ela removeu o cobertor de cima de si, revelando o pijama de panda que os pais de Rima haviam trazido para ela, assim como todos os pais trouxeram os pertences dos outros.

Ela ficou meio tonta pelo movimento repentino, mas Tadase a apoiou e ajudou a se colocar de pé, deixando que ela repousasse os pés nas pantufas que estavam no chão. Ela sorriu fracamente na sua direção, buscando por alguma segurança, e Tadase se manteve firme ao seu lado, segurando sua mão na dele.

Os três saíram pelo corredor, com Anna caminhando lentamente, e Tadase sempre ao seu lado, ajudando-a. Tsukasa perguntou se a menina se sentia bem o suficiente para ir até o terraço do hospital, e ela aceitou. Faria bem tomar algum ar fresco.

Acomodaram-se em um dos bancos de concreto que havia por ali. A brisa era suave, e o sol aquecia na medida certa. Anna respirou muito fundo. Sentiria falta do ar do Japão, do sol, da luminosidade, do calor. Em Londres estava quase sempre nublado, úmido ou chovendo. Ela costumava gostar daquele clima melancólico, mas depois de conhecer o calor ameno do Sol, era difícil se acostumar de volta à reclusão solitária da sua vida na Inglaterra.

Pensando bem, não era exatamente o Sol que havia mudado a sua percepção das coisas.

Ela fitou Tadase com o canto dos olhos, e percebeu que ele não soltara sua mão, mesmo depois de terem sentado no banco. Aguardava, olhando diretamente para Tsukasa, com ar de apreensão em seus olhos sempre tão cálidos. He was the sunshine who changed my entire life, definitely. (Ele era o sol que mudou minha vida inteira, definitivamente).

— Nesta manhã, eu contatei as escolas que estão participando do Intercâmbio, para informar sobre o sucesso da missão, e deliberar sobre o processo de retorno de cada um de vocês. As escolas ainda estão tomando providências com suas famílias, sobre o assunto. O seu caso em especial, Lewis-san, me preocupava, já que se tratava de um assunto diplomático muito mais complexo do que todos os outros.

— Eu.. entendo… - ela tentou regularizar a sua respiração. Sabia que o fim chegaria, só não imaginava que teria que lidar com isso tão cedo, depois daquela exaustiva batalha. Conhecendo sua família, sabia que eles resolveriam esse assunto da maneira que sempre faziam: rápida e objetivamente. Eles certamente já haviam enviado sua decisão de trazê-la de volta o quanto antes.
Ela sabia que poderia continuar em contato com Tadase. Pela internet, por cartas. Eventualmente, eles poderiam se encontrar novamente, durante as férias. Mas quanto tempo isso duraria? Quanto tempo até Tadase se cansar desta situação, e eles perderem um ao outro, devido à distância? Não seria mais como agora, ela sabia disso.

— Pouco depois do meio-dia, Lewis-san, - Tsukasa prosseguiu, e Anna ergueu os olhos, decidindo enfrentar o que estava por vir. Esperava ao menos ter alguns dias a mais, para se despedir apropriadamente, e guardaria essas lembranças para sempre em seu coração. - … sua família comunicou a escola sobre a decisão que tomaram. E eu recebi este e-mail, para entregar à você.
Tsukasa tirou do bolso de seu casaco uma folha de papel impressa dobrada, e entregou para a garota, que aceitou, com as mãos pálidas e trêmulas. Ela não tinha coragem de ler. Reconheceu o brasão de sua família no topo do papel, e a assinatura de Arthur, seu primo, na parte final, embora todas as palavras estivessem embaralhadas, e ela lutasse para se concentrar, e ler do início ao fim. Sentiu a mão cuidadosa de Tadase em seu ombro, esperando também por descobrir o que o destino reservava.

Anna passou os olhos rapidamente pelo texto, e teve que voltar e ler novamente para ter certeza do que estava escrito ali. Na terceira vez que tentou ler, já não conseguia mais distinguir as palavras, pois seus olhos marejaram de vez, e tornaram impossível a leitura.

— O que houve, Anna? - Tadase chamou, assustado. A garota começou a chorar, e ele não fazia ideia do motivo. O texto em inglês estava bem na sua frente, mas ele não conseguia fazer sua mente funcionar decentemente para tentar traduzir o que aquilo dizia.

— A-arthur disse que… eu sou an insoluble case (caso sem solução), e que não haveria maneira de me transformar em alguém decente, considerando que eu sou tão clumsy, awkward, socially inept and introverted to the extreme (desajeitada, estranha, socialmente inapta e introvertida ao extremo)...

— Ele enviou isso só para ofender você? - Tadase já se irritou, mas Anna o conteve.

Wait… So, he said that (Espere… Então, ele disse que) percebeu como eu não traria nenhum benefício voltando, e que só retornaria para minha vida antiga e inútil de sempre. Ele esteve esse tempo todo, desde que me visitou aqui no Japão, tentando convencer os meus pais de que eu estava indo razoavelmente bem, por aqui, e que já não era mais irremediavelmente useless (inútil) como costumava ser. - ela respirou fundo, e tentou encontrar as palavras em japonês que deixassem mais claro a intenção daquele e-mail, para que Tadase entendesse, e não restassem dúvidas - Ele está propondo um acordo, para que eu continue meus estudos aqui, até o final do ensino médio, e então, faça uma faculdade de Relações Internacionais. No futuro, ele disse, a Embaixada Inglesa do Japão pode achar alguma utilidade para mim, e eu serei muito mais conveniente estando aqui do que jamais fui na Inglaterra… E-eu… I can stay here (eu posso ficar aqui), se eu quiser, T-Tadase…

Ela não conseguiu terminar de falar, pois as lágrimas foram mais fortes e acabaram engolindo sua voz. Ela começou a chorar, tirando os óculos para tentar conter as lágrimas com as mãos, e Tadase a puxou para um abraço terno e necessário, ignorando as dores que ainda sentia, ao se mover.

— Você vai ficar. - ele repetiu, mal conseguindo acreditar nessas palavras. - Eu não consigo acreditar que o seu primo fez mesmo isso tudo por você… precisamos agradecê-lo por isso.

— Eu não sei se ele vai aceitar agradecimentos, orgulhoso como é… - Anna riu fracamente, ainda com a voz embargada pelo choro, com o rosto apoiado no ombro de Tadase retribuindo ao seu abraço. - I’m so happy! B-but (Eu estou tão feliz! Mas..)… - Ela se afastou ligeiramente, os olhos muito verdes cintilando com as lágrimas - Como farei para ficar aqui? I mean (Quer dizer), não sei se a família da Miss Mashiro ainda vai poder me hospedar, eu não quero incomodá-los!

Ela girou o rosto, para fazer todas essas perguntas para Tsukasa, mas ele já havia desaparecido do terraço. Tadase sorriu, afagando os cabelos curtos da menina carinhosamente.

— Não precisa se preocupar com isso agora, resolvemos esse assunto depois.

Anna sorriu de volta, fitando Tadase, que agora era apenas um borrão dourado em sua visão, embaçada, sem os óculos e com as lágrimas recentes. Um lindo borrão. Um raio de Sol. Ela não se conteve, e voltou a abraçá-lo com força, quase derrumando ambos daquele banco. Eles riram, juntos.

Sim, agora tinham todo o tempo do mundo para resolver o que quer que fosse.

 


~

 

Miguel saiu do hospital, sentindo a luminosidade do sol do meio da tarde nos seus olhos. Tudo estava tão brilhante, com os raios ultrapassando a copa das árvores altas ao redor, e o céu azul e sem nuvens lá no alto, que nem parecia que aquela batalha havia acontecido na noite anterior.

O português colocou a mão dentro da sua bolsa, procurando pelo celular. Iria perguntar à Shunsuke qual era a marca do doce que ele costumava comprar quando eles saíam, e que era tão bom… Subitamente, a lembrança da noite anterior o assolou como um tiro, e ele lembrou por quê não poderia fazer isso. Não falaria mais com Shunsuke, nem o veria mais, até porque ele nunca havia existido de fato.

Aquela dor pungente em seu peito retornou. Ele devolveu o celular para a bolsa, notando o ovo de Grace no canto, repousando em meio ao casaco que ele guardara ali. Não conseguia entender o que havia acontecido consigo naquela noite. Como poderia ele estar tão saudável, completamente curado, enquanto sua Chara ainda enfrentava os danos causados pela batalha daquela forma?

Ele suspirou, cansado de tentar compreender, com todas essas dúvidas em sua mente o tempo todo, e voltou a caminhar. Já não sabia o que fazer, mas tinha certeza de que voltar para Portugal agora seria a melhor solução em vista. Sentiria tanta falta dos seus amigos, os únicos verdadeiros que ele já havia feito, que chegava a doer, pensar dessa maneira, mas o que mais havia para ele? Cumprira sua missão, mas fora cruelmente enganado pelo vilão daquela escola, e quanto mais tempo passasse no Japão, mais as lembranças daquele período de tempo em que ele acreditou ser feliz iriam o assombrar. Ele estava, de novo, fugindo dos seus erros. Como fez, quando aceitou sair de Portugal para vir ao outro lado do mundo enfrentar o que quer que fosse.

Parece que ele não havia evoluído nem um pouco durante esse tempo. Sempre se apaixonando pelos caras errados, sempre errando no seu julgamento, e sempre tentando fugir para esquecer.

Uma silhueta vagamente familiar chamou sua atenção, sentado na mureta alta que dividia o jardim do caminho ao redor do hospital. Usava um moletom preto, diferente do que Miguel estava acostumado, com os cabelos claros, que antes eram bem penteados para trás, completamente desalinhados, mas com os mesmos óculos de armação grossa escondendo os olhos sagazes.

Matthew. Ou Shunsuke. Uma perfeita mistura dos dois encontrava-se exatamente no seu caminho, e o fitava como se estivesse esperando-o já há algum tempo.

Miguel esqueceu como se respirava, e perdeu o controle das suas pernas. Queria sair correndo dali, mas não sabia como. Não conseguia. Então, respirou fundo. Pensou em Grace, e em todos os seus amigos feridos lá em cima, no hospital. Teria que enfrentar isso cedo ou tarde, então, que fosse agora. Resolveria isso de uma vez por todas, e talvez, tivesse a chance de fazer aquilo que não foi capaz de fazer no passado. Encarar o seu erro, e não fugir.

— O-oi… Micch… Miguel.

A voz do garoto era baixa e trêmula. Ele hesitava, com as mãos no bolso, levantando-se de onde estava escorado antes para se colocar diante de Miguel. O português tentou não fraquejar. Talvez aquele fosse outro truque para manipulá-lo, embora ele não conseguisse imaginar o que é que Matthew ganharia fazendo isso.

— Olá, Shunsuke. Ou Matthew. Eu não sei que nome deveria usar mais. - ele respondeu, na voz mais seca que conseguia, cruzando os braços. - O que quer comigo? Não creio que depois do que disseste ontem, nós tenhamos qualquer assunto para tratar.

— Eu só quero conversar com você… - ele baixou os olhos, com os ombros caídos, parecendo completamente derrotado. - Explicar tudo. Eu posso?

Miguel queria dizer não, e sair dali o mais rápido possível, mas antes que pudesse pensar no assunto, seus pés já haviam dado dois passos na direção do loiro. Os olhos dele se iluminaram por trás dos óculos ao vê-lo se aproximar por vontade própria, e Miguel notou traços de olheiras pesadas e cansaço em sua expressão. Não queria sentir-se assim, depois de tudo, mas precisava saber. Se havia alguma verdade em tudo aquilo que viveram, ou se Matthew estava ali apenas para desculpar-se e se livrar de um peso na consciência, qualquer que fosse o desfecho dessa história, Miguel não se perdoaria se saísse dali sem descobrir.

Ele sentou no muro baixo ao lado de Matthew, à uma distância segura, e acenou com a cabeça.

— Fale tudo.

Matthew voltou a sentar, sentido a frieza na voz de Miguel, algo que jamais havia escutado antes. Mas ele merecia esse tratamento.

— Eu não consegui dormir na última noite pensando que você partiria em breve, e eu não teria a chance de dizer a verdade. - Ele iniciou, hesitante.

— Achei que você ficaria pensando no fato de que acabamos com seus planos e derrotamos todo o seu grupo.

— Para ser sincero, isso nem me afetou… - ele passou a mão pela nuca, sem saber ao certo por onde começar. Era tanto que precisava ser dito, e ele sentia que não teria muito tempo até Miguel decidir ir embora. Precisava ser direto. - Eu não me importava com os planos daquela empresa, com o projeto daquele cientista maluco nem com nada disso. Isso nunca foi importante para mim.

— Então por que se juntou à eles? - Miguel indagou, em voz mais baixa. Não queria demonstrar sua curiosidade, mas parecia ser mais forte do que ele.

— Eu tinha um objetivo. Um sonho, se você preferir assim… - ele olhou para o alto. - Acho melhor contar a você desde o início.

Ele tirou a mão do bolso, e mostrou o que havia ali para Miguel. Era um pequeno ovo, com estampa xadrez em tons de marrom e caramelo, e o desenho de uma lupa e um cachimbo. O ovo flutuou por alguns centímetros, e então, iluminou-se, e abriu. Um pequeno ser voltou a cair na palma da mão do garoto, abrindo os seus pequenos olhos e fitando Miguel diretamente.

Ele vestia uma capa xadrez, assim como seu ovo, com um chapéu de aba estranha com o mesmo padrão, segurando um cachimbo em uma mão. Aquela vestimenta era familiar à Miguel, pois ele mesmo vestira algo semelhante tempos atrás, durante uma confusão gerada pela troca de Chara Naris, embora sua lembrança deste evento fosse muito tênue. Ele encarou Miguel por mais alguns segundos, curioso, e então se voltou para Matthew.

— É ele, não é? - ele ponderou, com a mão no queixo, pensativo. Matthew confirmou com um aceno breve, e o pequeno Chara voltou a fitá-lo, como se estivesse analisando-o. Levantou voo, fazendo a volta em Miguel, e então, retornando ao seu lugar. - Mãos suando, frequência cardíaca elevada, respiração irregular, e o rosto ligieiramente afogueado. Veja bem, com essas evidências que consegui coletar, eu acredito que seja correto pressupor que esse menino ainda gosta de você, Matt.

— Ok, agora chega, Holmes. Volta para o seu ovo. - Matthew se apressou em dizer, afobado.

O Chara deu de ombros, voltando a encarar o outro garoto.

— Muito obrigado pela sua ajuda, Miguel. - ele murmurou, fazendo uma breve reverência erguendo o chapéu, e então, voltou para seu dono, fazendo como ele rodenara.

Miguel não sabia muito bem como reagir à isso, e optou por ficar em silêncio. Falar qualquer coisa poderia ser perigoso em uma situação delicada como a que se encontrava, ele não queria se expor mais do que o necessário. Poderia já estar cometendo um erro, só de ter permanecido ali.

— Ele gosta muito de deduzir coisas… - Matthew parecia sem jeito, tentando se explicar. Miguel nunca havia o visto dessa forma. Tão inseguro, quase amedrontado, encolhido. Mesmo quando era somente Shunsuke, ele sempre parecia como agir e era tão imponente, Miguel não conhecia essa nova face que se mostrava diante dele. Era quase como se Matthew estivesse abrindo-se, revelando-se pela primeira vez, somente para ele.

— É o seu Chara? - Miguel indagou, com a voz mais suave do que pretendera, embora fosse evidente a resposta. Ele lembrava da ocasião em que teve que cuidar de um ovo corrompido, com o qual se afeiçoou mesmo que não fosse essa a sua intenção, e aquele Chara parecia extremamente familiar. Sem dúvidas, era o mesmo.

Matthew ergueu os olhos, e sorriu.

— Sim. Eu quis mostrar a você porque acho que é uma boa forma e começar a explicar. Eu amava livros de mistério quando era criança, e ele nasceu do meu sonho de infância de me tornar um grande Detetive.

— Como Sherlock Holmes?

— Como Sherlock Holmes. - Matthew sorriu fracamente, e prosseguiu. — Nós dois nos divertíamos muito quando eu era pequeno, nas nossas próprias investigações, resolvendo mistérios pela vizinhança, e procurando casos para solucionar. - Miguel precisou conter um sorriso que ameaçava se formar, ao imaginar aquela cena. - Eu morava somente com a minha mãe, naquele mesmo complexo de apartamentos onde vivo hoje. Nós não tínhamos muito, mas eu acredito que eu era muito feliz… sim… Minha mãe não nasceu aqui. Ela era americana, e ela se esforçava muito para que nada faltasse para mim. Ela trabalhava como garçonete em um restaurante, e por isso, voltava muito tarde para casa, sempre. Mas eu não reclamava, porque sabia que ela fazia isso pelo meu bem. Ela estava sempre cansada, mas arrumava tempo para brincar comigo quando eu pedia… e eu não estava sozinho o tempo todo, afinal, eu tinha o Holmes.

Miguel viu o garoto hesitar mais uma vez, apertando as mãos uma contra a outra enquanto pensava, provavelmente mergulhando em lembranças sobre aquilo que narrava a ele.

— Eu nunca perguntei a ela sobre o meu pai. Eu só sabia que ele era japonês, e que ela o conheceu na América, e veio para cá procurando por ele. Somente anos depois descobri que ela já estava grávida, e quando chegou aqui, foi completamente abandonada por este homem, que jamais quis casar com uma estrangeira e apenas a enganou com palavras vazias. Ela ficou completamente sozinha, em um país estranho, e renegada pela sua família. Mas ela se esforçava tanto… tanto…

— O que aconteceu com ela? - Completamente absorto pela história, Miguel desejou consolar Matthew, ao ver seu semblante contorcendo-se em dor, mas conteve-se antes de fazer qualquer coisa. Apenas o fitou, solidário.

— Uma noite, ela estava voltando tarde do restaurante onde trabalhava. Foi o dia do pagamento, e ela também havia passado no mercado, para comprar o meu doce favorito. Alguém que sabia que ela tinha dinheiro naquela noite tentou assaltá-la e a ameaçou com uma faca. Ela se recusou a entregar o dinheiro, e tentou fugir, mas ele a segurou e…

Miguel ofegou, e Matthew não precisou terminar a frase para que ele entendesse o que aconteceu depois.

— Ela não resistiu… e eu não tinha parentes nem ninguém que pudesse ficar comigo. Eu tinha 12 anos. Consegui escapar do Serviço Social, que provavelmente iria me mandar para um orfanato, e os colegas de trabalho da minha mãe me ajudavam, cuidando de mim da maneira que podiam. Eu continuei a viver no mesmo apartamento, e descobri que minha mãe vinha economizando esse tempo todo, colocando dinheiro em uma poupança no meu nome, para a minha faculdade no futuro. Ela não me deixou, mesmo depois de já ter partido…

Ele tentava segurar algumas lágrimas que ameaçavam cair, e Miguel percebeu isso, mas Matthew mordeu o lábio inferior com força, e se impediu de chorar. Não queria fazer aquele papel patético na frente de Miguel. Fazia tanto tempo que ele não chorava. Por que logo agora, ao contar essa história novamente, esses sentimentos que ele já havia superado afloravam mais uma vez?

— Foi… foi assim que o seu ovo virou um batsu tama? - Miguel conjecturou. Matthew acenou ligeiramente.

— Sim. Antes que eu percebesse, Holmes também se foi, e eu estava sozinho. Não sabia o que poderia fazer, estava completamente sem esperanças. Foi quando a Yamabuki Corp. me encontrou.

— … Como?

— Takagi, aquele cientista louco, havia criado sua primeira máquina de caçar batsu tamas, e com ela, ele me detectou. Meu batsu tama era mais forte do que os comuns, pois tinha um Shugo Chara nele, mesmo que não tivesse se manifestado, e foi fácil para ele me convencer a me unir a esse projeto, porque eu precisava de dinheiro, e… além disso, quando ele falou sobre o Embryo, eu tomei uma decisão.

— O desejo, que você falou?

— Sim. Eu decidi que capturaria o Embryo, e desejaria a minha mãe de volta.

Miguel chocou-se. — Isso… isso é mesmo possível? Eu não sei se o Embryo tem todo esse poder…

— Eu também não sei, e acho que nunca vou saber. Eu estava disposto a arriscar qualquer coisa por esse desejo, não importava quanto tempo levasse. Eu… só queria a minha mãe de volta. Eu não queria mais ficar sozinho.

O português não sabia o que poderia dizer naquele momento. Jamais imaginou que o objetivo de Matthew, aquele vilão debochado e mentiroso poderia ser algo como isso. Jamais imaginou que Shunsuke, seu namorado, que parecia sempre tão otimista e tranquilo, poderia estar guardando dentro de si tamanho sofrimento. Aparentemente, ele realmente não sabia de nada.

Inclusive, não sabia o que deveria fazer a partir dali.

— Shunsuke… digo, Matthew…

— Pode me chamar como preferir. Os dois nomes… são reais. Minha mãe achou que seria mais fácil viver aqui se eu tivesse um nome japonês também, então Shunsuke é meu nome do meio. Não é a melhor das combinações, mas…

— Nem tudo foi uma completa mentira… - Miguel divagou em voz baixa, e sobressaltou ao perceber o que havia deixado escapar. Não queria que Matthew ouvisse ele falar dessa forma. Poderia dar a ideia errada, e a última coisa que Miguel queria era fazer papel de idiota mais uma vez. - E-então… como sua mãe te chamava?

— Ela me chamava de Matt.- O loiro sorriu fracamente. Miguel assentiu com a cabeça, pensando consigo mesmo que o chamaria assim também. Percebeu que se falasse isso em voz alta, daria a entender que ele queria encontrar Matthew mais vezes, e não era isso o que ele deveria fazer ali. Matthew pareceu entender, porém, sem que ele dissesse nada, e antes que percebesse, aproximou-se de Miguel, sentando tão perto dele que quase podia tocá-lo. - Micchan… Miguel… eu vim até aqui para explicar isso a você. Dizer que não foi tudo mentira…

— Acho que ontem à noite você deixou bem claras as suas intenções ao se aproximar de mim. Não precisa explicar nada, eu entendi bem. - Lembrando-se subitamente de todo o caminho que os levou até ali, Miguel percebeu que estava se deixando levar pela história de Matthew e quase esquecendo o que havia ocorrido. Talvez fosse hora de encerrar aquela conversa e sair dali, antes que acabasse mais machucado do que já estava. - Eu compreendo as razões que levaram você a fazer o que fez, e acho que foi bom você ter me contado tudo, mas isso não alivia o fato de que você me enganou, e me fez acreditar que… - Miguel engasgou nas próprias palavras, sem querer terminar aquela frase. Respirou fundo, reunindo fôlego e coragem. - Fez com que eu acreditasse que havia alguém capaz de gostar de mim neste mundo, de me aceitar como eu era. Que retribuía aos meus sentimentos.

Os olhos de Miguel cintilaram, repentinamente cheios de lágrimas, que começaram a escorrer pelo seu rosto antes que ele pudesse contê-las. Matthew fez menção de se mover, e tentar consolá-lo, mas percebeu a tempo que esse seria um ato inútil, considerando que ele próprio era a causa daquele sofrimento. Manteve-se no mesmo lugar, encarando o português em silêncio, esperando que ele terminasse de falar.

— M-matthew… eu acreditei em você. Eu abri meu coração, e deixei você entrar. Foi a primeira vez que eu me senti desta forma. Como se eu fosse especial, necessário. E-eu… eu amei você. Esse foi o meu erro.

— Miguel, por favor, eu sei que eu menti muito, te enganei, e isso não tem perdão. Mas acredite quando eu digo que você é sim, muito especial, necessário. Você é a pessoa mais incrível que eu já conheci, e se não fosse por você, eu sinceramente não sei o que seria de mim. Você merece ser amado, Miguel… mas eu não mereci o amor que você sentia por mim. Eu errei. Não você. Por favor, não se culpe por isso! - Matthew parecia não saber o que fazer com as mãos. Queria poder enxugar as lágrimas do rosto de Miguel, delicadamente, e abraçá-lo até que ele cansasse de chorar em seu ombro.

— Você me escolheu por que eu era o mais vulnerável dali…

— Não é verdade. - Matthew suspirou, voltando a encarar o seu namorado… ou ex-namorado, nos olhos. Precisava que ele acreditasse na verdade das palavras que ele estava prestes a dizer, mais do que nunca. - Eu não precisava ter feito isso… quer dizer, foi um plano idiota desde o início, porque seria muito mais fácil descobrir coisas sobre vocês guardiões simplesmente espionando. Mas… eu fiquei curioso. Sobre você. Durante as batalhas, e fora delas, você sempre chamou a minha atenção.

Matthew fitou Miguel por trás das lentes dos óculos, e ele sentiu-se estremecer com aquela expressão no rosto do garoto. Era indecifrável, e ao mesmo tempo, absolutamente familiar. Miguel sabia que havia corado naquele instante.

— Eu pensei nesse plano de me aproximar dos guardiões através de você porque eu queria conhecê-lo melhor. Conversar com você, talvez. Eu não sei exatamente o motivo que fez com que eu decidisse fazer isso, mas sabe… eu não me arrependo. Quer dizer, de ter mentido para você, e ter feito você sofrer… se eu pudesse voltar no tempo, jamais teria feito as coisas dessa forma. Se eu pudesse… teria desistido muito antes. Não queria ter te deixado assim, Miguel. A última coisa que eu queria era te deixar triste, mas eu meti os pés pelas mãos e… deu no que deu. Mas eu não me arrependo de ter te conhecido. - Matthew finalmente reuniu coragem para erguer a mão, e passou o dedo delicadamente na pele de Miguel, sentindo-o estremecer com seu toque, enquanto secava suas lágrimas.

— Então… por que? - a pergunta simples, que escapou dos lábios cansados do moreno, ecoou por alguns segundos. Matthew respirou fundo, recolhendo sua mão.

— Eu era um ótimo vilão sabe? Você pode não querer admitir, mas lá no início, eu era ótimo, ganhava todas. I was awesome.

— Convencido. - Miguel resmungou, e Matthew riu baixinho. Era algo novo, ouví-lo falando inglês repentinamente daquela forma, mas parecia muito mais espontâneo do que ele estava acostumado com Shunsuke.

— Mas eu cometi um erro primordial. Que nenhum vilão deveria cometer. - ele ergueu o olhar, e Miguel sentiu seu coração vacilar, acelerando no mesmo segundo. Maldito coração, fraquejou com aquele olhar. - Me apaixonei pelo mocinho.

Miguel queria ter se erguido e saído dali naquele mesmo instante. Seria o sensato a se fazer. Mas desde quando Miguel era sensato? Ele podia ser muitas coisas, mas essa não estava na sua lista. Além disso, ele era extremamente fraco. Fraco para sorrisos, para olhos tão lindos, para aquele tom de voz baixo. Miguel era fraco para Matthew. E droga, ele estava quase conseguindo convencê-lo.

— O que isso quer dizer?

O loiro suspirou. Como Miguel não havia afastado o seu toque pouco antes, nem tentou fugir quando ele se aproximou, ele estava se sentindo com sorte. Talvez suas esperanças não estivessem completamente destruídas então.

— Quer dizer que Shunsuke não era uma completa farsa. Ao menos quando estava com você. - Ele soltou os ombros, inclinando o rosto para o lado. - Você tem todo o direito de não acreditar em mim, e de não querer nunca mais me ver na sua frente. Eu entenderia, e pra falar a verdade, isso seria a coisa mais correta a se fazer.

— Eu nunca fui muito correto.
Miguel falou baixo, mas foi o suficiente para Matthew ouvir, e suas esperanças se redobrarem. Ele encarou Miguel, diretamente, com um sorriso querendo se formar, e Miguel tinha certeza que nunca havia visto uma expressão tão genuína no rosto daquele que costumava ser seu namorado. Aquela torrente de novas informações para processar estava deixando-o tonto.

— Então…?

Miguel levantou de pé, encarando o outro de cima. Sentia que aquela proximidade em que se encontravam no momento era perigosa demais.

— O que você quer, Matthew? Exatamente.

— Você. - a resposta veio antes dele ser capaz de pensar direito, automaticamente. Miguel corou profundamente, e Matthew corou também, ao perceber o teor da sua resposta impensada. - D-digo, eu quero uma chance. Uma única chance de fazer tudo diferente, de me retratar por aqueles erros. Esse é o meu único desejo.

— Eu pensei… pensei que você tivesse outro desejo. - Miguel hesitou, antes de falar, por ser um assunto tão delicado, mas ele precisava tirar aquela dúvida. - A sua mãe. Você não vai querer sair a procurar pelo Embryo novamente?

— Não. - Matthew balançou a cabeça negativamente, e voltou a erguer os olhos diretamente no português. - Eu tive o Embryo nas minhas mãos, durante a batalha. Senti claramente todo o seu poder, e eu não sei se esse poder era realmente capaz de realizar esse meu desejo ou não, mas naquele momento, isso não foi o suficiente. Por que… quando eu olhei para baixo, eu vi você. - a voz de Matthew baixou, como se ele estivesse compartilhando um segredo, e Miguel ofegou, ao ouvir o que ele dizia - Você estava… terrível, Miguel. Ferido, desmaiado no chão. E-eu não consigo nem descrever o que eu vi, naquele momento, preferia esquecer aquela cena. Não aguentei. Naquele momento, o desejo dentro do meu coração era um só, e eu não tive dúvidas quando a isso.

— Matthew… f-foi… foi você… - finalmente, tudo fez sentindo na mente de Miguel. O milagre que fez com que ele estivesse completamente curado depois da batalha, desta forma, nada havia sido além do desejo de Matthew para o Embryo. A dúvida não passou pela sua cabeça naquele instante, pois ele sabia que aquela era a explicação mais plausível.

Matthew apenas encolheu os ombros e sorriu. Esticou a mão, segurando a de Miguel na sua, e ele não se afastou dessa vez. Isso fez com que ele se encorajasse para ir adiante, e o trouxe para mais perto. Ele se tencionou, mas não fugiu.

— Eu ainda penso na minha mãe, e sinto falta dela, mas depois de te conhecer, eu não estive mais sozinho, e entendi muitas coisas que antes eu não entendia. Tem vezes que não há nada que nós possamos fazer para mudar o passado, e devemos que fazer o possível para criar um futuro novo. Acho que esse é um desses momentos. - Ainda segurando a mão de Miguel, ele a repousou em seu rosto, sentindo o calor confortável da pele morena contra a sua. - O meu sonho mudou. E você está nele agora, Miguel. Eu… eu amo você. Eu, o Matthew, com todos esses defeitos, erros e tudo mais… Eu sei melhor do que ninguém que você merecia alguém melhor, mas eu não consigo desistir assim. Não sem antes tentar. Será que há alguma possibilidade de você me perdoar?

Os olhos claros estavam fixos diretamente em Miguel, e ele mal conseguira raciocinar diante disso. Seu coração palpitava audivelmente. Ele sentiu a pele do rosto de Matthew na sua mão. Matthew… era engraçado pensar nele por esse nome, mas ao mesmo tempo, parecia tão correto.

— Eu compreendi todos os motivos que te trouxeram até aqui, Matt… - Miguel testou o apelido, e gostou da maneira que ele soava. - E por mais que eu tente, acho que não adianta tentar bancar o coração de pedra. Eu já o perdoei.
Matthew iluminou-se por inteiro, ao ouvir aquelas palavras, e com um único impulso, puxou Miguel na sua direção, erguendo-se de pé para circundá-lo em um abraço. Porém, Miguel o segurou antes que ele completasse o ato, encarando-o diretamente.

— Miguel… - ele parou no mesmo instante, temeroso por estar cometendo um erro.

— Eu o perdoo, sim. E você deve imaginar, não tem como os meus sentimentos por Shunsuke… por você, terem mudado do dia para a noite. Mas ainda não esqueci todas as mentiras e o sofrimento que você causou.

— Eu sei. Mas eu estou disposto a qualquer coisa, qualquer coisa, para fazer você confiar em mim de novo.

— Você sabe que eu provavelmente vou ter que voltar para Portugal em breve, não sabe? - Miguel murmurou. A expressão de Matthew entristeceu.

— Eu pensei sobre isso na última noite. Eu não tenho nada que me prenda a este país, absolutamente nada. Estaria disposto a ir até o fim do mundo por você, Miguel, não duvide disso.

— O que você vai fazer, agora que não tem mais o seu… trabalho?

— Eu ainda estou estudando, apesar de pouco aparecer na minha escola. - Matthew deu de ombros de leve, escondendo as mãos mais uma vez nos bolsos do moletom, antes que avançasse mais uma vez para tocar em Miguel, como desejava - Eu tinha pensado em arrumar um emprego, um de verdade dessa vez, e juntar dinheiro. Ainda tenho o dinheiro que a minha mãe me deixou, apesar de não ser muito… eu iria juntar o suficiente para ir para o seu país te procurar, Miguel… Mesmo que você não me aceitasse lá, eu estou disposto a tentar.

— Mesmo que eu te perdoe, e aceite os seus sentimentos… não seria mais como era antes, você sabe disso, não sabe? - Miguel fitou Matthew, inconscientemente aproximando-se um passo dele. - Você sabe tudo sobre mim, mas eu sinto que mal o conheço. Seria mais como um recomeço. De volta ao início, nós nos conheceríamos de novo, como se fosse a primeira vez.

— Isso quer dizer… que você vai me dar uma chance?

O semblante de Matthew parecia tão adorável, como um filhote de cachorrinho implorando por um pouco de atenção, que Miguel não conseguiu conter um breve sorriso que passou pelos seus lábios.

— Eu vou. Não faça eu me arrepender disso, Matt.

— Jamais! Eu vou me esforçar pra fazer você se apaixonar por mim de novo, e dessa vez vai ser perfeito, você vai ver! - Matthew exclamou, e dessa vez, foi mais rápido e conseguiu abraçar Miguel.

Preso em seus braços, ele percebeu que não havia escapatória, e, sinceramente, ele não queria escapar. Estar naquele abraço era tudo o que ele sempre quis. E apesar de tudo, sentia que dessa vez, era sincero. Deixou que Matthew o abraçasse, fechando os olhos e deixando que aquele sentimento cálido se aproximasse novamente. Não fazia sentido fechar seu coração. Ele preferia arriscar e ver se daria certo.

Matthew se afastou ligeiramente, fitando Miguel por alguns segundos, e fechando os olhos. Quando ele começou a inclinar o rosto para baixo, na sua direção, Miguel entendeu qual era a sua intenção, e tapou os lábios do garoto com ambas as mãos, antes que ele chegasse no destino final. Matthew abriu os olhos, intrigado.

— Não, vamos com calma. Nós vamos começar tudo de novo, devagar, está certo?

Relutante, Matthew aceitou, e soltou Miguel.

— Devagar. Okay, eu posso viver com devagar.

— Ótimo. - ele deu um passo para trás, e fitou Matthew. Aquele rosto que ele já havia visto tão de perto, tantas vezes, e agora, parecia completamente novo. Eles ainda teriam um longo caminho a percorrer, mas inesperadamente, Miguel não temia pelo desconhecido. Na realidade, estava ansioso para saber o que o destino lhe reservava. Começou a caminhar na direação da rua, e Matthew o acompanhou, como se fosse o mais natural a se fazer. - Quero só ver como eu vou explicar isso para os outros…

— Argh… - Matthew só pareceu compreender a complexidade da situação em que se encontrava naquele instante - As meninas vão querer me matar, não vão?

— Provável. - Miguel teve que rir com o pensamento. - E agora, eu estava indo na loja de conveniência. Talvez, se você comprar doces para elas, ajude…

— Duvido muito. - Matthew discretamente tentou segurar a mão de Miguel, mas ele o soltou. Segundos depois, deixou que segurasse somente o seu dedo mínimo, e ele se conformou com isso. - Espero que eles tenham aquele doce que eu gosto…

 


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Notas finais do capítulo

Oi pessoal, Shiroyuki aqui passando rapidinho para deixar o capítulo de novo! Bem, enfim o Micchan e o Matt se entenderam, à sua maneira... eu espero que tenham gostado tanto desse capítulo quanto eu
O próximo é com a senpai~



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