O grupo continuou passeando pelo templo por mais tempo do que pretendiam, mais por insistência de Yaya, que teimava em arrastá-los para todo o tipo de barracas que houvessem por ali, do que qualquer outra coisa. Depois de tirarem a sorte, foram todos comprar comidas, bebidas e, depois de fazer o dono do lugar arrastar no mínimo quatro mesas para caber todo o enorme grupo ao redor delas, eles se sentaram, ainda conversando sobre as sortes que tiraram, alguns comemorando a boa sorte e cantando vitória por coisas que nem tinham acontecido ainda, outros lamentando a má sorte que os esperava. Kaori era uma das que mais se gabava no momento, mas, depois da situação pela qual a garota tinha passado, quase morrendo congelada e soterrada pela neve, ninguém prestava muita atenção nela.

– ... podem escrever o que estou dizendo, seus pirralhos Guardiões metidos à salvadores da pátria, esse ano sou eu quem vou vencer! - ela continuava gritando para quem quisesse ouvir, e para quem não quisesse também
– Sim, sim, é claro... - Shunsuke murmurava mais para si mesmo do que para ela, com cara de descrente, porém, infelizmente a garota tinha ouvido
– Você deveria saber melhor do que ninguém que, no final, eu acabarei vencendo, parceiro! - ela rebateu, com um olhar entre acusador e desafiado para o rapaz, que ofegou com a repentina indireta da loira
– E por que o Shunsuke deveria saber melhor do que ninguém sobre isso? - Miguel indagou para ela
– Ah, ele sabe muito bem o porquê... - Kaori cantarolou ameaçadoramente, fazendo Shunsuke engolir em seco - Mas, se insiste tanto, eu posso te contar o motivo, com todos os detalhes, meu caro português afeminado...
– Pare de ofender meu namorado, ou você vai acabar levando uma surra logo no primeiro dia do ano, ouviu bem, yo...– Shunsuke mordeu a língua, a meio caminho de pronunciar sua ofensa mais comum contra Kaori, "you bitch", devido ao descontrole, mas conseguiu corrigir-se á tempo... - Sua... sua garota debochada!
– Ohh, não acredito no que estou ouvindo! Não sabia que você era um covarde que bate em mulheres, "Sunsuke-kun"! - ela exclamou em falso tom de inocente, colocando uma boa dose de sarcasmo na voz ao pronunciar o nome dele
– Só pra sua informação, não me agrada em nada bater em mulheres, mas serei obrigado a fazer isso se você fechar não essa sua matraca e continuar ofendendo o Miguel desse jeito, garota - Shunsuke rebateu, cerrando os dentes - Além do mais, eu não sou o único que parece querer te dar uma surra, sabe... - ele olhou para algumas cadeiras atrás dele, onde as garotas estavam sentadas reunidas, a maioria com cara de quem queria arrumar uma briga feia com Kaori agora mesmo.

Yaya parecia que ia jogar qualquer coisa à sua frente, fossem copos, pratos, e até a cadeira onde estava sentada em cima da inimiga. Ao lado dela, estava Stéffanie, com cara de quem iria voar no pescoço dela e espancar a garota a qualquer momento, exatamente como tinha feito meses atrás, durante o Café dos Guardiões do Festival Escolar. Anna e Amu também pareciam estar com uma boa dose de vontade de arrumar briga com ela, a inglesa principalmente, embora não soubesse muito bem por onde começar. Até mesmo Rima, geralmente tão inexpressiva e indiferente para tudo e todos ao seu redor, estava de cara amarada para Kaori.

– Bem, como eu disse antes, não gosto de bater em mulheres, mas... essas daí são todas garotas, e não parecem estar nem um pouco felizes com você - Shunsuke comentou com um sorrisinho maldoso - E, como diz o ditado, "em briga de mulher não se mete a colher", então acho que vou apenas ficar aqui sentado apreciando o espetáculo, enquanto elas acabam com a sua raça...
– Shun-chan tem razão! - Yaya pronunciou-se - Pode até ser ano novo, mas se você continuar ofendendo o Micchan assim, Yaya não vai deixar isso barato, Kaori-chi! - a ruiva exclamou com cara de zangada, embora o fato de chamar sua inimiga por um apelido desses não metesse tanto medo quanto ela gostaria
– Lamentablemente tengo que estar de acuerdo con Yaya desta vez (Infelizmente tenho que concordar com a Yaya dessa vez) - a espanhola apoiou, ainda fuzilando Kaori com o olhar - Si continúa ofendiendo Micchan, o cualquiera de nosotros de esa manera, te juro que voy a dar tal paliza que va a dejar en hospital, perra sucia ingrata! (Se você continuar ofendendo o Micchan, ou qualquer um de nós desse jeito, juro que vou te dar uma surra tão grande que você vai parar no hospital, sua cadela imunda mal-agradecida!)
– I may not be good at fighting, but ... if you keep talking ill of Micchan, swear I'll fix you regret coming behind us, no matter! (Eu posso não ser boa em brigas, mas... se você continuar falando mal do Micchan, juro que vou dar um jeito de você se arrepender de ter vindo atrás de nós, não importa como!) - Anna gritou com voz aguda, meio insegura, mas parecendo bastante decidida a fazer isso
– Humm... essa xícara de chá está bem quente, quase fervendo, sabe... - Rima comentou como quem fala do tempo - Seria mesmo desastroso se eu acabasse derramando isso "acidentalmente" em uma certa pessoa de língua afiada, não acha...? - ela deu um sorrisinho meio sádico enquanto encarava Kaori com o canto dos olhos
– Urgh... e-está bem, está bem, seus pirralhos de uma figa! Já entendi, vou ficar quieta, satisfeitos agora?! - Kaori exclamou à contragosto ao perceber a enorme desvantagem em que se encontrava naquele momento
– Pessoal... obrigado. Muito obrigado mesmo... - Miguel murmurou, com um sorriso tímido, sentindo uma imensa felicidade espalhando-se dentro dele. Claro que já estava mais do que acostumado a ouvir esse tipo de ofensas e deboches, já tinha escutado coisa muito pior em Portugal, aliás. Mas ainda não conseguia se acostumar com o fato de ter tantas pessoas o apoiando e o defendendo pelo que ele realmente era. Aquilo transmitia uma felicidade tão grande que ele só conseguia pensar em desejar que isso durasse para sempre.

Depois daquela discussão, que quase levou ao que seria um tremendo massacre, o grupo terminou de comer em paz, e logo depois foram rezar em uma barraca pequena do templo, onde havia um enorme sino pendurado, cada um fazendo suas preces sobre o que desejavam para aquele ano que se iniciava.

Tadase agradeceu inicialmente por ter tido um ano tão bom, com tantos amigos ao lado dele para lhe dar apoio. Desejou que eles obtivessem sucesso em sua luta contra Matthew e Kaori, e resolvessem de uma vez por todas o problema com os Batsu Tamas modificados. No entanto, não conseguiu deixar de fazer também um desejo que ele considerava um tantinho egoísta, sobre ele conseguir se aproximar mais de Anna e um dia ter coragem para contar à ela sobre como realmente se sentia em relação à inglesa. O que ele não sabia era que a Às estrangeira tinha feito um desejo muito parecido com o dele, sobre conseguir se tornar cada vez mais próxima de Tadase, ainda que aquilo a fizesse corar furiosamente. Também pediu que pudesse adquirir mais confiança em si mesma, ou conseguir ao menos se portar melhor e ser ao menos um pouquinho menos desastrada.

Rima havia desejado que tivesse um ano feliz e próspero, com todos os seus amigos continuando ao seu lado como sempre. Também desejou que obtivessem sucesso com o caso dos Batsu Tamas e, antes que se desse conta do que estava pensando, desejou que, embora ela quisesse que o problema com os Batsu Tamas terminasse logo, ela também pediu para que isso demorasse um pouquinho mais, para que pudesse ficar ao lado de Giovanni o máximo de tempo possível. O italiano, por sua vez, agradecia aos céus por ter conhecido amigos tão maravilhosos, pedia para que conseguisse contribuir mais com o objetivo que o trouxera até o Japão, desejava poder adquirir mais coragem e confiança em si mesmo, e agradecia acima de tudo por ter a oportunidade de passar tanto tempo ao lado de uma garota tão especial quanto Rima.

Nagihiko agradecia pelo ano que se passou e por ter ganhado um presente tão maravilhoso no último dia do ano, torcia para que tudo continuasse progredindo tão bem quanto parecia estar acontecendo e desejava que sua nova namorada (se é que podia chamá-la assim) conseguisse ser mais sincera consigo mesma. Já a espanhola, não sabia se agradecia ou se reclamava pelo evento ocorrido no último dia do ano, e desejava apenas que tivesse tomado a decisão certa, muito embora uma parte dela duvidasse muito disso.

Kairi desejava fervorosamente para que ele e os demais obtivessem algum sucesso em resolver logo o problema com os Batsu Tamas modificados, e também para que ele conseguisse se tornar uma pessoa mais digna e confiante esse ano, o que incluía seu relacionamento com Amu, é claro. A Coringa, por sua vez, desejava ter mais foco em seus objetivos e parar de ser tão indecisa sobre tudo e todos, principalmente por causa de sua complicada situação com Kairi e Ikuto.

Kukai agradecia pelo ano maravilho e divertido que se passou e desejava para que este que se iniciava fosse tão bom quanto o anterior, desejando sorte no campeonato de futebol do qual ele participaria quando as aulas recomeçassem e poder continuar vivendo feliz ao lado de seus amigos, em especial, Yaya. Já a Às japonesa desejava apenas que tivesse tanta ou mais diversão do que tivera no ano anterior, e que não só ela, mas todos os seus amigos fossem muito felizes e continuassem sempre ao seu lado.

Miguel, por sua vez, agradecia imensamente por ter sido convidado para fazer essa viagem ao Japão, que foi a melhor coisa que já lhe acontecera em sua vida, e principalmente por ter encontrado alguém tão maravilhoso e especial quanto Shunsuke para estar ao seu lado, que o aceitava e o amava de uma forma tão maravilhosa que ele nem sabia que seria possível de acontecer. Desejou poder estar ao lado do namorado e de seus novos amigos para sempre. Já seu namorado, não sabia muito bem o que desejar. Queria muito continuar vivendo ao lado do Rei português pelo resto de sua vida e ser feliz com ele. Também tinha que admitir que havia se acostumado a conviver com os demais Guardiões e que isso não era tão ruim assim, era até meio divertido às vezes. E, por outro lado, sabia muito bem que isso não seria possível. Sabia que deveria estar desejando para que pudesse obter sucesso em sua missão e que pudesse encerrá-la de vez, afinal, quanto mais rápido finalizasse aquela tarefa, mais rápido conseguiria atingir seu objetivo de pegar o Embrião para si. Seus dois desejos eram terrivelmente contraditórios, então pediu apenas para que conseguisse tomar a decisão correta quando o momento decisivo chegasse.

Kaori, que tinha sido arrastada até ali contra sua vontade, apenas agradeceu pelo papel de boa sorte que havia tirado no templo, e desejou bem mais fervorosamente do que seu parceiro de lutas que conseguisse atingir logo seu objetivo e derrotar os Guardiões o quanto antes, para conseguir realizar seu desejo o quanto antes.

Depois que terminaram de fazer seus desejos, o grupo enfim decidiu retornar à pousada, todos exaustos demais por terem varado a noite para assistir ao nascer do sol do primeiro dia do ano, e terem ido direto ao templo no dia seguinte ainda por cima, sem nem parar para descansar um pouco primeiro. Assim que trocaram suas roupas pelas yukatas de antes, foram todos finalmente dormir, tendo enfim o devido descanso que mereciam. Kaori ainda pensou em atacá-los enquanto estavam todos cansados e adormecidos, mas acabou reconsiderando a ideia ao se lembrar do quão ameaçadores e poderosos os Guardiões poderiam ser quando estavam reunidos pelo simples objetivo de defender um de seus companheiros, seja ele qual fosse. Também havia o fato de que ela ainda não se sentia completamente recuperada depois de quase ter ficado com hipotermia no dia anterior depois de passar tanto tempo enterrada na neve e soterrada pelos restos de uma barraca de acampamento mal-armada. Sem falar que Matthew certamente não a ajudaria dessa vez por causa de seu disfarce, então a garota decidiu apenas deixar o assunto de lado, pelo menos por enquanto, e resolveu deixar aquela pousada na qual nunca deveria ter ido de uma vez por todas, aproveitando que estavam todos adormecidos para poder evitar despedidas dramáticas e escandalosas que ela tinha certeza de que alguns deles fariam, especialmente Yaya.

Os Guardiões, por sua vez, estavam tão cansados que só foram despertar na manhã seguinte, pouco depois de ter amanhecido. Depois de tomar o café da manhã, agora todos bem descansados e com energia renovada, eles perceberam que Kaori havia desaparecido repentinamente e, depois de vasculhar a maioria dos quartos e perguntar para os funcionários, a recepcionista lhes informou que a garota tinha partido no dia anterior, o que não espantou muito o grupo. Alguns apenas surpreenderam-se que ela não tivesse tentado atacá-los enquanto dormiam, e Yaya reclamava sobre desejar poder "brincar" mais um pouco com Kaori (o que tanto Giovanni quanto Miguel sabiam que, com "brincar", ela queria dizer tratar a garota como uma boneca nova que acabara de ganhar de presente ou algo assim, por experiência própria, já que ambos já haviam passado por esse tipo de experiência). Assim que souberam da partida de Kaori, eles foram enfim arrumar suas malas, alguns felizes por finalmente poderem voltar para casa e não terem companheiros de quarto tão desagradáveis ou escandalosos, outros aliviados apenas por não precisarem mais ter que dividir o quarto com alguém do sexo oposto, e alguns poucos tristes com o fim da viagem de ano novo, que parecia ter acabado rápido demais.

Depois de agradecer aos funcionários pela hospedagem e por ajudá-los a colocar sua bagagem no porta-malas, eles entraram no ônibus alugado para voltarem para casa, alguns agradecendo novamente por não ser Ikuto a estar dirigindo o veículo dessa vez, e se acomodaram, cada um perdido em seus próprios pensamentos sobre a grande série de eventos que aconteceram naquela pousada, o que fariam quando voltassem para casa, e ansiosos para saber como seria aquele novo ano que se iniciava na vida deles. O sentimento que todos compartilhavam no momento era a grande felicidade de poderem estar estarem juntos naquele ano também.