Paralelas escrita por MrNothing


Capítulo 2
O Rei medroso




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O dia chegou. A batalha de dois povos que se prometiam há tempos. A angústia e o medo deram espaço à determinação e a coragem. Era tempo de se acertarem. De um lado os Héricos, do outro os Jacaus. Uma disputa que se estendia por uma era, não mais.

Um dos motivos de adiar o confronto final era a existência de Céssio, o maior líder que aqueles povos poderiam ter conhecido. Sua habilidade com a espada de duas mãos desafiava até Aquiles. O reconhecimento vinha até dos Jacaus, visto que evitavam o confronto. Mas nada existe com perfeição, Céssio repugnava a guerra. Dizia que aprendeu a lutar apenas para que nunca mais precisasse.

- Mas meu senhor, precisamos de você! – Os guardas reais azucrinavam o silêncio protestante de Céssio. Gesticulavam improvisando um massacre se aquele não se juntasse. O guerreiro pacífico sentou no banco próximo a alta janela do castelo e olhou firmemente para os guardas.

- Eu vou lutar... – os guardas se olharam aliviados e empolgados uns para os outros, já providenciando agradecimentos, mas foram impedidos por Céssio que ainda não terminara de falar – MAS – enfatizou – quero o motivo do por que lutar.

Eles repetiram o gesto de olharem-se.

- O motivo? – indagou um.

- Exato.

Todos pareceram rendidos por aquela pergunta estranha. Um deles se adiantou.

- Mas são os Jacaus, senhor!

- Sim, são os Jacaus. E daí?

A resposta teve mais efeito do que a primeira pergunta. Os guardas já pareciam derrotados antes mesmo da guerra.

- Mas, senhor!

O silencio reinou sobre aqueles longos trinta segundos, em que todos ficaram a pensar no próximo passo a tomar. Ignorando as ultimas frases, um dos guardas voltou a falar.

- Você vem ou não, senhor?

- Você tem ou não minha resposta?

Mesmo que todos já tivessem surpreendidos o bastante, cada resposta de Céssio impactava profundamente aqueles guardas indefesos. O comandante deles incomodado com a situação ordenou que eles respondessem, já que nem ele mesmo sabia o que fazer. Todos ficaram inconfortáveis, se empurravam para fazer o outro falar e aliviar o lado deles. O comandante ameaçava desonrar os outros se não respondessem, mas o caso era que ninguém sabia.

- Ora, se vocês não sabem, busquem alguém que saiba. – palpitou Céssio.

O comandante olhou ofendido para o restante dos guardas e ordenou bravamente.

- Vão logo! Achem a resposta de uma vez!

As formigas saíram tontas pelo castelo em busca da resposta que tirasse Céssio de seu quarto. Bateram em todos os cantos, perguntaram a todos que passavam. Chegaram ao campo de treinamento, onde o exército se aprontava para a batalha e questionaram um por um. Era evidente a surpresa geral dos soldados que se armavam ali. A situação se permaneceu confusa. Os guardas reais se desesperaram. Mas que raios de pergunta era essa que não tinha resposta? Voltaram ao quarto de Céssio.

- E então? – adiantou-se.

Um dos guardas olhou cabisbaixo para o comandante e fez sinal negativo com a cabeça.

- Bom, acho que terão de guerrear sem mim. – concluiu Céssio.

- Espera! – gritou o comandante – ainda falta o Rei! Certamente o Rei saberá a resposta. – exasperou – O que tão esperando? Vamos falar com o Rei!

Novamente todos saíram para subir as escadas até o último andar, dessa vez até o comandante foi junto. Chegaram ao portão que separava o espaço real do resto do castelo, bateram algumas vezes.

- O Rei não quer atender. – falou uma voz de dentro.

- É urgente! – gritou o comandante.

- Não importa, ele não quer atender.

- É sobre Céssio.

- O que tem ele?

- Só irá lutar se souber o motivo.

- Que motivo?

- Da luta.

O silêncio surgiu novamente. O comandante imaginara que a situação estaria sendo discutida lá dentro e que estariam providenciando a resposta. Os guardas exalavam ansiedade.

- E então? – voltou a falar o comandante.

- Então o que? – respondeu confusa e grossamente a voz de dentro.

Os homens se olharam desesperadamente, o Rei não estava nem interessado no assunto.

- Precisamos falar com o Rei! – gritou um dos guardas loucamente.

Não tiveram resposta. O comandante ordenou.

- Vamos invadir. É por uma boa causa.

Sem outra idéia melhor, os guardas se posicionaram e correram até o portão forçando a entrada. Foi preciso cinco tentativas. Ao derrubarem o portão, invadiram o espaço do Rei e impediram que outros se manifestassem. Ao chegarem ao ultimo quarto, encontraram a Vossa Alteza. Ao ver aquele aglomerado de soldados sujos no seu quarto, o Rei ordenou explicações.

- Temos um problema, alteza.

- Espero que tenha mesmo, para justificar esse ato desrespeitoso!

- Céssio não quer lutar, alteza. Ele quer um motivo para lutar.

- Diga-me de novo.

- Um motivo, alteza, ele quer um motivo para lutar.

Os próximos minutos passaram quietos, com os guardas tentando desvendar as expressões do Rei. Não entendia se o Rei estava ofendido ou confuso com tal pergunta.

- Mande-o vir aqui!

- Sim, alteza.

Esperaram ansiosamente até a subida de Céssio. Fingindo que não causara tudo aquilo, entrou no quarto do Rei com uma cara inocente.

- Mandou me chamar, alteza?

- Sim. Por que diabos esses soldados estão aqui no meu quarto, pedindo resposta para uma pergunta sua?

- Eu apenas quis saber por que deveria lutar hoje, alteza. Se souberes me dizer, ficarei contente em defender nosso povo.

- Por que deveria lutar? Por que deveria? – aumentava o tom a cada sentença. – Vou lhe dizer por que deveria – e olhou para o lado tentando pegar a resposta de um quadro ou uma parede. Olhou para a janela, para o exército de Jacaus que se formava fora da muralha. Voltou a olhar para Céssio.

- Talvez não tenha a resposta – indagou Céssio, ofendendo o Rei – ou – enfatizou – não há resposta.

Então todos no cômodo refletiram sobre a última conclusão. Os servos do Rei acharam uma blasfêmia. Os guardas entenderam o pensamento como uma maneira de não lutar. O Rei não falou.

Céssio então tornou a discursar a respeito do ponto de vista, alegando que o motivo da luta se perdera há muito tempo, aquela guerra era desnecessária. Lentamente foi influenciando cada um, e o Rei adotou a idéia. Não tinha o porquê lutar.

Todos vibraram com a decisão, era um alivio. Acompanhados do Rei, eles desceram do castelo e foram espalhar a idéia pelo feudo. Fielmente a população vibrava com o discurso do Rei, que se sentia um nobre filósofo. O público já estava convertido a idéia, faltava o inimigo.

O Rei mandou os guardas abrirem o portão. Os largos e grossos portões de ferros foram se mexendo aos poucos, até que já era possível ver todo o exército Jacau. O Rei tomou a frente.

- Antes do nosso confronto. Quero ter-lhe a palavra.

O líder Osaías olhou para trás, para confirmar se era mesmo aquilo que tinha escutado.

- Quer falar comigo? – terminou por falar.

- Não só contigo, mas com todos vocês. – e o Rei apontou para o exército.

Osaías, desconfiado, deu sinal com a cabeça para prosseguir.

- Hoje cheguei a uma conclusão, nossa briga não tem fundamentos. – parou para ver se todos o acompanhavam – Estamos a tanto tempo de rixa, que nem nos preocupamos do por que estarmos. – Osaías contraiu os olhos para refletir na situação. – Então, te proponho, e, ao povo Jacau, uma trégua.

A última palavra teve um significativo impacto ao exército que até então se postara armado para o combate. Osaías descontraiu os músculos. Riu. Voltou a encarar o Rei.

- Se tem uma coisa que gosto em vocês – parou para encarar todos que se mostravam ansiosos com a resposta – é que se demonstram medrosos quando a situação aperta. Aqui vai minha resposta para sua proposta... ATACAR!

Desarmados, o povo Hérico foi aniquilado naquele dia. Céssio achou seu motivo para lutar, sobreviver, mas sem apoio do exército Hérico não resistiu. Os Jacaus conquistaram o território e montaram uma estátua para o Rei medroso.    


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