Paralelas escrita por MrNothing


Capítulo 1
Escute-me


Notas iniciais do capítulo

Disponibilizo então meu primeiro conto, abrindo esse novo projeto.



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Saíra apressado, correndo pelos corredores, descendo as escadas em blocos de degraus, atravessando portas como se fosse seu último dia na Terra. Queria chegar a sua casa, avisar a todos sua novidade, queria prestigiar, ser prestigiado. Desejava sentir-se o centro da família com sua novidade, não tinha erro. Era contar e se deleitar. Dobrou a passada. Tinha sensação que alguém contaria a surpresa antes dele, tirando o prazer da situação. Mas de uma coisa não podia fugir, era obrigado a esperar o ônibus. Reduziu pela metade o tempo que sempre levou para chegar a parada, acreditava que conseguiria uma condução mais cedo. Deu sorte. Pegara o ônibus um horário antes do que normalmente costuma. Apertou-se entre os passageiros e se posicionou na frente da porta de saída, para pular quando chegasse o tempo. A mão deslizava gordurosa pelos ferros que segurava. O que dariam para ele? Merecia um premio? Os pensamentos valorizavam sua notícia, e especulavam o quanto traria impacto para a família. Imaginou se o motorista lia seus pensamentos, pois conduzia sem muitas demoras aquele transporte lotado. Em meia hora desde sua saída, chegara à parada.

A ideia de contar a novidade estava a ponto de explodir sua cabeça, as palavras quase saltavam automaticamente da boca, mas havia ainda dois quarteirões para percorrer. Ironicamente, mesmo que dobrasse a velocidade de caminhar – quase que galopando – tinha a impressão de que o caminho também se multiplicara. Mas finalmente viu os traços da casa amarela de dois andares, e agora mais do que nunca se extasiava em contar de uma vez a notícia. Pegou o molho de dez chaves e tocou uma trilha confusa e desajeitada enquanto procurava a chave certa. Abriu a porta. Entrou pisando fortemente com o pé direito – imaginara que a sorte aumentaria o valor da notícia – e tratou de correr para a sala em busca de qualquer parente que lhe aparecesse primeiro. A sala estava vazia. Deu meia volta e partiu para cozinha, talvez coincidentemente já estivessem esperando-o com um jantar delicioso. Não estavam, nada na cozinha. Sem perder a ansiedade e a feição alegre, subiu as escadas em duplos degraus, resvalando no ultimo, tirando o equilíbrio. Antes de cair apoiou-se com a mão esquerda, sentiu as costas fisgar, mas levantou e recuperou a compostura dando até risadas da patetice. Cruzou o corredor batendo nas portas, torcendo para que alguém estivesse nos quartos ou até mesmo no banheiro, mas em vão. A casa se encontrava vazia, e assim ele se sentiu por um instante. Parou no fim do corredor, mirou para a grande janela que o iluminava, a vista dava para a parte de trás da rua. Ficou olhando sem olhar, aquela paisagem que se despedia do sol. Perdeu uns minutos ali em pé, minutos que nem sabia dizer quantos, pois ficara enfeitiçado naquela posição apenas a pensar. Quando se deu conta, ouvia no andar de baixo um barulho de passos agitados. Logo voltou a agir e correu para as escadas, contaria para qualquer um que estivesse ali, mesmo que fosse o diabo. Desceu as escadas rapidamente, não tão rápido quanto subira, pois a decida é sempre mais cautelosa. Sua euforia estrangulava-o diante daquela oportunidade que teria para arrancar o peso da surpresa. Pisou no último degrau. Decepção. Nem pode ver a sombra que estivera ali a pouco tempo. A porta acabara de se fechar, deixando para trás dela alguém - que se tivesse atrasado por alguns segundos que seja - tornaria a vida dele mais prestigiosa. Não, nem isso. A decepção nem deu forças para correr atrás, pra que? Já era tarde. Sentou na escada.

Pensou em desistir de anunciar as novas. O momento já passara. A euforia diminuíra, nem valia tão esforço mais. Sentiu vergonha do que tinha feito até agora. Mais uma vez desapareceu da realidade. A visão embaçada dava lugar para a guerra de pensamentos que tentavam tomar conta da cabeça dele. Acordou com estalido da mãe.

- Ô guri... Ei! Vamo lá, levanta daí. Quero subir.

- Ahn?...mãe...MÃE! – deu um pulo que forçou o coração da velha. Numa rápida transformação, viu-se esbaforido novamente. A atenção seria dele agora.

- Mas que susto guri! Te levanta daí de uma vez.

- Tenho que te falar, mãe... Tenho que te falar...

A mãe resmungava das juntas enquanto subia as escadas vagarosamente, mas de modo apressado. Ele vinha atrás puxando o ombro dela para que recebesse total atenção.

- Tenho uma novidade, mãe.

- Fala, guri!

- Eu...

- Ah, espera ai. Ta tocando o celular aqui. - E a velha se tocou pro quarto conversando com a irmã.

Não acreditara. Tirou sarro da situação, mas se demonstrava profundamente magoado. Ouviu dentro do quarto a voz esganiçada da mãe com as risadas das fofocas e lembrou: o celular. Era mais simples do que imaginava, pegaria o telefone e ligaria para o primeiro da lista. Começou em advogado, passou para baurus, desceu para cachorro quente, não tinha nada no “d”, eletricista, farmácia, pulou “g”, hospital, pulou “i”, “j”, “l”, e o último “mãe”. Encarou profundamente aquela brincadeira satírica que certamente alguém estaria rindo no momento, e levou o celular de volta ao bolso. Lutou em não chorar. Aquela teimosia do destino em lhe impedir que se abrisse ao primeiro que visse, o machucava. Fungou a lágrima seca. Aproximou-se do quarto da mãe novamente e bateu levemente, sem expectativas.

- Quié?

- Posso falar contigo?

- Ai guri, depois tu fala comigo. Tô cansada.

- Tá bem.

Ele deu meia volta e entrou no próprio quarto. Resolveu dormir, pra ver se passa. Ao deitar e sentir o acolchoado, encarou o teto. Sentiu. Sentiu raiva, tristeza, solidão e sentiu uma angústia que comprimia o peito. Então dormiu, dormiu profundamente e se esqueceu de acordar.


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