Jogos Vorazes - 71º Edição escrita por GS Mange


Capítulo 20
O Fim de uma história e o início de muitas outras


Notas iniciais do capítulo

Os Jogos Vorazes terminam quando apenas um Tributo permanecer com vida. O vitorioso é levado de volta a Capital, onde recebe os cuidados médicos necessários e então retorna ao seu Distrito. A celebração dura alguns meses, com o vitorioso e sua equipe percorrendo todos os Distritos e a Capital, participando de festas com os prefeitos e a elite local. A comemoração encerra-se apenas no ano seguinte, coincidindo com a data da próxima colheita.



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Eu enfim retiro a faca de sua têmpora e seu corpo cai de lado em minha frente. Ouve-se um estouro de canhão. Agora é oficial, eu sou o último tributo vivo na Arena.

– senhoras e senhoras – diz a voz de Claudius Templesmith – lhes apresento o vencedor da Septuagésima Primeira Edição dos Jogos Vorazes... Florian Daffodil!

Ele mal termina de falar e logo vejo um aerodeslizador sobrevoando a cornucópia. Uma onda de força me paralisa, a porta se abre e uma e rampa desliza até onde estou. Sou sugado para dentro da nave e quando a força finda, eu acabo sendo lançado no chão devido a minha fraqueza. Uma porta se abre e pessoas vestidas de branco colocam-me numa maca. Estão me transportando até uma sala completamente branca. Tão branca que me ofusca a visão. Eles põem um tubo em meu braço e vou perdendo a visão gradativamente.

Quando abro os olhos, fito primeiramente uma luz branca. Depois olho ao redor e vejo que estou trancado numa sala azul claro cheio de equipamentos moderníssimos ao meu redor. Tento mover-me, mas é em vão. Meus braços e pernas estão afivelados na cama. Esperneio então e grito por socorro. Essa sensação me sufoca. Preciso sair daqui.

A porta abre-se então. Uma mulher magérrima e demasiado branca entra com uma seringa na mão.

– calma, calma – diz ela em tom tranquilo – tudo vai ficar bem! Tudo o que você precisa é de mais um pouquinho disto aqui.

– eu não preciso disso. Eu quero sair daqui – digo aborrecido, mas ela já está injetando o líquido transparente em meu braço. Novamente vou perdendo a visão e meus olhos vão ficando pesados.

Acordo novamente. Livre de qualquer fivela ou aparelhos desta vez. Olho ao redor e vejo Grover sentado numa poltrona ao lado do meu leito, lendo mais um desses trecos de hologramas.

Eu emito alguns sons, pois já estava acostumado com a dor, mas não sinto absolutamente nada. Estou perfeitamente bem. Não há nada em mim que me faça queixar-me de alguma coisa.

– hey garoto – diz ele – calma. Você passou por coisas difíceis lá dentro. Deve descansar!

– estou bem. Mesmo – digo – não me sinto assim há muito tempo. Você está aqui há quanto tempo?

– desde esta manhã!

– por quanto tempo eu dormi?

– cinco dias desde a primeira vez que você acordou. Você estava recebendo doses de morfina.

– o quê? Cindo dias? Como pude dormir isso tudo?

– eles te sedavam de tempos em tempos para que as reconstruções necessárias fossem feitas. E dormiu mais três desde então.

– quer dizer que eu passei oito dias dormindo? Isso é mais tempo do que eu passei na Arena!

– sim, mas foi necessário. Você passou por maus bocados lá. Inalou fumaça, não se alimentou adequadamente. Ingeriu elevado nível de água salgada. Sofreu queimaduras de primeiro grau e mais algumas coisas. Cortaram suas doses de morfina ontem à noite e deram de doze à quinze horas para você acordar.

– estou bem agora! Quero ir para casa! Saber como as coisas andam por lá!

– você não voltará para casa tão cedo!

– o quê? Como assim não voltarei para casa tão cedo?

– você terá de voltar ao programa de Flickerman. Também terá de ser coroado pessoalmente por Snow. Participará de festas aqui na Capital. Só então voltará para casa, para ficar por um tempo determinado.

– tempo determinado?

– você terá de fazer a Turnê da Vitória Florian. Passará por todos os distritos de Panem inclusive a Capital e por ultimo visitará o distrito sete.

– e depois disso?

– depois disso você ficará em meu lugar! Você é minha aposentadoria, Florian. Sou muito grato a você. Desempenhou muito bem o seu papel. Panem nunca mais conhecerá um menino tão incrível quanto você!

– eu sou sua aposentadoria? Terei de ficar no seu lugar daqui para frente?

– sim. Eu realmente lamento por você, mas este é seu papel agora. Você se mudará para a Aldeia dos Vitoriosos onde será meu vizinho, assim como a Rose e a senhora Foster.

– Lilian Foster? Ela ainda está viva?

– está sim! Ela não é de sair muito. Não aparece nas TVs há anos eu sei, mas senhoras de sessenta anos não são muito atraentes aqui na Capital sabe.

– mas eu não quero. Não quero ir pra essa tal de Turnê da Vitória, nem ir a festas idiotas da Capital, muito menos morar nessa Aldeia ai. Só quero voltar para casa. Na Campina da Lavandísca. Ver minha família, meus amigos. Ficar na floresta um pouco. Só isso. Quero minha vida de volta. Não é pedir muito.

– infelizmente é sim. Pelo menos aqui. A Capital não gosta de ser contrariada. Snow não gosta de ser contrariado. É seu dever cumprir todas essas coisas. Não há nada que você possa fazer sobre isso, Florian. Eu lamento.

– não se lamente! Não sou um peão em um jogo de xadrez.

– mas também não é um rei.

– não quero ser rei, só quero ser o Florian Daffodil que eu era antes de tudo isso.

– lamente dizer, mas este Florian está morto. Ele se foi na Arena. As pessoas mudam depois dos Jogos. Mudam para sempre!

A porta se abre um homem de cabelo vermelhíssimo, vestido de branco como a mulher que me aplicou morfina entra e leva Grover embora. Logo a porta abre-se novamente e um homem me encaminha para outra sala. Lá está minha equipe de preparação: Trevor, Blanck e Nancy.

Eles estão animadíssimos em me ver. Infelizmente não tenho a mesma alegria dentro de mim. Eles rapidamente tiram minhas vestes hospitalares e me jogam na banheira cheia de espuma.

– estou tão contente por você ter vencido, Florian – diz Nancy com seu jeito tímido – estávamos torcendo por você desde que nos vimos pela primeira vez.

– isto é verdade, Florian – afirma Blanck – ninguém melhor do que você para ganhar os Jogos!

– deixem-no em paz meninas – diz Trevor – ele não quer ouvir toda essa falação de vocês. Ele tem muito no que pensar.

E ele tem razão. Colton, Laureen, Anise, Daisy. Todos eles estão mortos e eu estou aqui. Todos lutaram até o fim para estarem em meu lugar, no entanto eu mal posso me orgulhar ou desejar estar aqui. Arrependo-me de tudo que fiz naquela Arena. Talvez eu devesse ter morrido lá dentro. Tudo o que eu queria era ter minha vida de volta, mas pelo visto, isso eu nunca mais terei.

Eles continuam lá, falando e falando, mas não dou a mínima atenção. Tudo o que eu menos quero agora é partilhar de futilidades e trivialidades. Percebo que não há marcas em meu corpo, nenhuma sequer. Nenhum arranhão ou queimadura, inchaço ou hematomas. Estou completamente liso, como um bebê recém-nascido. Com certeza eles me trataram com suas modernas seções de plásticas, mas todo aquele cuidado com Aloe Vera que eu me condicionei também ajudou bastante. Cortaram meu cabelo, agora apenas me restou um leve topete.

A porta se abre e Lloyd entra, fazendo com que minha equipe saia do recinto.

– obrigado por isso! – digo

– disponha!

– bom te ver! Pensei que nunca mais veria algum rosto conhecido outra vez!

– o que é isso meu garoto? Han... Mas é claro que você me veria outra vez. Eu não tive dúvidas!

– muito obrigado, mas tudo aquilo lá é bem difícil!

– eu entendo, mas agora você está aqui. São e salvo. Agora vamos nos preparar para sua entrevista com Caesar Flickerman?

Eu rio – tudo bem, já que insiste!

Ele então abre um armário branco no canto da sala e tira um cabide com minha roupa. Visto-a e olho-me no espelho. Uma camisa branca com uma listra preta formando alguns símbolos geométricos amorfos. Uma calça preta lisa e brilhante, cinto branco e um blazer preto com listras brancas nas extremidades. Apenas um botão e um lenço vermelho na lapela. Cabelo bem penteado, partido de lado e jogado para trás. Pareço outra pessoa. Um homem, não mais um garoto pobre do distrito 7. Um vitorioso. Calço um sapato de camurça, bastante confortável por sinal.

– você está impecável! – diz Lloyd.

– eu sei. Graças a você!

– sim, sim. Devo concordar com você. Agora vamos. Você não pode se atrasar – Ao sair, vejo Nara que me dá um abraço apertado e Grover me acompanha até o lugar onde encontrarei com Caesar.

– ele irá te fazer algumas perguntas – diz ele – te fará ver alguns vídeos. Haja com naturalmente. Seja sincero e fique bem. Tudo dará certo.

Ele me orienta até chegarmos ao palco de frente para toda a Capital. Com certeza Panem inteira está me vendo agora.

– senhoras e senhores! – diz Caesar com seu jeito descomunal – aqui está o garoto de ouro... o vencedor da Septuagésima Primeira Edição dos Jogos Vorazes... Florian Daffodil!

– sou instruído a entrar neste momento. Conforme dou meus passos vou compreendendo a magnitude do momento. Panem inteira está vibrando. Rosas são lançadas para mim. Aplausos, beijos, sorrisos.

– venha Florian, sente-se aqui – diz Caesar – é bom te ver. É realmente muito bom te ver. Você pode achar bajulação minha, mas você realmente estava na minha lista de favoritos sabia?!

– é muito bom ouvir isso Caesar! Ainda mais vindo de alguém como você!

– ah o que é isso garoto! Sou só um humilde servo de Panem – se ele soubesse o que é ser um servo de Panem, jamais faria uma brincadeira dessas, por mais ingênua e bem intencionada que seja – agora diga-me, como foi passar todo aquele tempo na Arena? Quais foram as sensações e medos que você teve?

– acho que todas – digo meio descompensado, o que faz com que toda a plateia ria – tudo lá é bem complicado. Em um momento você está bem e em outro você está completamente arrasado. Num segundo você está cercado de pessoas que você gosta, mas um segundo depois você está completamente sozinho e perdido. É horrível. Não desejo isso a ninguém.

– é claro. Eu entendo você, mas o que seria de Panem sem os Jogos Vorazes, não é mesmo? – o que seria de Panem? Boa pergunta Caesar. Panem seria tão mais justa se isso acabasse, mas pelo visto não é isso o que as pessoas por aqui querem – diga-me, diga-me... Está ansioso para voltar para casa? Ou quer ficar por aqui mesmo?

– ah, toda essa coisa aqui é legal, mas o que eu quero mesmo é voltar para minha casa lá no 7 e seguir com minha vida.

A entrevista se segue por mais algum tempo. Ele me faz ver imagens de quando eu entrei na Arena, uma espécie de melhores momentos. Estou correndo para a cornucópia, para pegar minha mochila, vejo Colton vindo atrás de mim e Anise correndo. Eu acerto Seamus e saio correndo. Agora estou salvando a vida de Anise na praia. Corremos das aves bestantes. Vejo Laureen nos seguido até o prédio onde estávamos. Agora estamos andando entre os prédios. Lutando contra os tributos do 6 e do 11. O vagalhão que vem do “mar”. A explosão da estação. A luta final na Cornucópia. O vídeo termina com Claudius Templesmith me nomeando o novo Vitorioso de Panem.

– então Florian? como se sente ao saber que foi o vencedor com o menor contingente de morte praticadas?

– eu o que? - digo perplexo.

– sim, meu caro - explica Caesar - você foi o tributo que provocou menos mortes até hoje! Matou apenas uma única pessoa! - me remexo na poltrona vermelha, demonstrando meu total desconforto e mal-estar - Daisy Brandon - um flashback passa por minha cabeça e retorno ao momento em que jurei protegê-la.

– eu prometo - surrurro.

– como disse? - pergunta Caesar.

– nada Caesar! perdão. Apenas fui assombrado por um intenso devaneio!

– ah, sim. Compreendo - a plateia cai na gargalhada - aliás, falando em Daisy... Você também entrou para a história desta nação, não apenas pelo fato ser um vitorioso ou por ser o único campeão a matar apenas um tributo, mas também pelo fato de você ser o único tributo entre os não-carreiristas, é claro, a matar sua própria companheira.

Droga. quebrei uma promessa, abandonei meus amigos, matei um tributo do meu próprio distrito e além de tudo isso, entrei para a história por tais feitos. Era tudo o que eu, meu distrito e todos os meus descendentes precisamos saber.

Não aguento mais isso aqui. Depois que a entrevista se encerra sou levado aos meus antigos aposentos. Tudo está em perfeita ordem, do jeito que me lembrava da ultima vez. Grover, Nara, Lloyd e eu jantamos e conversamos durante um tempo. Jamie não apareceu. Acho que ela não é mais necessária, já que Daisy está morta.

Depois do jantar dirijo-me ao meu quarto, deito na cama e... Desligo-me completamente do mundo.

– acorde Florian, querido – é a voz de Nara – já esta na hora!

– hora de que? – pergunto mal humorado

– da cerimônia de coroação, é claro!

Eu não posso acreditar. Ainda tenho que passar por isso? Ver o Snow depois dos meus pesadelos com ele não me fará bem. Saio, tomo meu café e logo minha equipe começa a me preparar. Lloyd me entrega meu traje e eu o visto. É exatamente o oposto da roupa de ontem. Calça branca e cinto preto. Blusa preta e paletó branco com listras pretas nas extremidades e um lenço também vermelho na lapela.

Descemos e fomos até o carro na porta do prédio. O carro nos levou até a sede do poder de Panem. Um prédio luxuosíssimo. Toda a elite de Panem está aqui. Snow se aproxima de mim e aperta minha mão. Nossos rostos aparecem em todos os telões da área.

– Parabéns senhor Daffodil. Você não é mais tributo. É um vencedor. Que você seja banhado em gloria e riquezas até o fim de seus dias e que seu nome seja lembrado por mil anos ou para sempre, o que vier por ultimo! Deste dia em diante você será chamado de Florian, o excepcional! Que todas as gerações deste país conheçam o seu sacrifício, sua coragem e também sua vitória.

Neste momento uma menininha de vestido rosa e cabelos longos, postos para trás, trás uma caixa branca sobre uma almofada avermelhada. O presidente abre a caixa e retira de lá uma coroa de ouro puro. Com adornos de folhas, simbolizando o distrito 7. Ele põe a coroa em minha cabeça e olho no fundo dos meus olhos.

– seu distrito deve se orgulhar muito de você! - diz o presidente com um forte hálito de sangue, apesar do cheiro forte da rosa branca na lapela confundir bastante o cheiro.

– eu presumo que não senhor - digo encarando-o, afim de conhecer sua reação - fiz coisas que nem mesmo o pior dos homens teria coragem de fazer!

– tem certeza garoto - diz ele em tom frívolo - você conhece o pior dos homens?

– não - respondo assutado - é claro que não - movo-me ligeiramente para trás.

ele ri - é claro que não! - o cheiro de sangue fica mais nítido desta vez - talvez você conheça, meu jovem, apenas não sabe quem é... Mas é claro que ele não está aqui, num momento tão singelo e solene como este.

As palavras de Snow percorrem e circundam toda minha mente. Ele não está enganado. talvez eu realmente conheça tal homem. Um homem capaz de orquestrar e propagar a fúria, ira, morte, afim de que todos se lembrem quem são, o que fizeram e o que poderão sofrer caso algo não esteja de acordo com a Capital. Snow de longe é simplesmente o encantador e gentil velhinho que parece ser.

Tudo o que quero agora é poder voltar para casa. Ir ao meu distrito. voltar aos meus amigos e minha vida. Tentar ser o que já fui! Não! Jamais serei como o Florian que entrou na Arena. Jamais serei o que sempre fui. Este Florian está morto! E em breve, provavelmente eu também estarei.


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