The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 29
Capítulo 28 — Desaparecendo




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Desaparecendo

 NA PRÁTICA NÃO PARECIA TÃO SIMPLES. Matar um Buscador exigia habilidades maiores do que apenas... Mata-lo. Eles são como mosquitinhos que zumbem em nosso ouvido, mas somem quando queremos lhes acertar uma bofetada.

 Eu, Jamie, Mel e Jared fomos com o Troller, na frente. Jared havia insistido para que nós ficássemos atrás, e Melanie quase amarrou Jamie dentro das cavernas, mas ele parecia decidido. Eu também estava. Ninguém morreria naquele dia.

Procurei a pequena lanterna que eu levava no bolso, que serviria para emitir sinais silenciosos aos outros. Apertei também a mochila que eu carregava nas costas. Estávamos levando os últimos cinco frascos de Curar, caso algo acontecesse. Mas eu estava certa de que ninguém se machucaria, e que tudo ficaria bem.

 O carro do Buscador começava a despontar pelo horizonte, vindo a toda velocidade em nossa direção. Só precisaríamos atrai-lo e mata-lo. E viveríamos felizes para sempre. E viveríamos.

 Os nós dos dedos de Jared ficaram brancos quando ele apertou o volante com toda a força. O sangue ficou preso em minha mão, deixando-a roxa quando Jamie a apertou também. Ele parecia estar tão temeroso quando eu. Escutei o motor dos outros dois carros nos seguindo – eles se certificariam que o Buscador não seguiria o caminho contrário. Nossa missão não podia dar errado, ou estaria tudo acabado.

 O Troller estava a poucos metros do carro prateado do Buscador, e passou por ele sem perder velocidade. O Buscador, que havia parado o carro, começou a nos seguir, aumentando a velocidade até estar muito perto. Os dois jipes fecharam um circulo em volta dele – um dos jipes na traseira do Buscador e o outro a sua direita. Se ele tentasse ir para a esquerda, esbarraria nas rochas. Não havia saída.

 Jared acelerou até o motor reclamar, mas não parou. O Buscador também acelerou, seu carro tinha uma potência incrível. Meu coração batia com tanta força que parecia que iria sair do peito. No entanto minha frequência cardíaca só aumentou quando ouvimos o som do disparo – o maldito Buscador estava atirando. Todos nós fomos para o chão do carro, menos Jared, que dirigia abaixado. Nenhum dos jipes parou o que significava que ninguém se ferira. O Troller deu uma brusca acelerada, e bati com a cabeça na de Jamie. Estávamos perto demais um do outro, mas não podíamos evitar numa hora como aquela.

 Quando chegamos ao nosso objetivo, Jared fez uma curva fechada com o Troller, ficando de frente com o carro do Buscador. Escutei seus pneus freando, mas não conseguiu evitar a batida, que nos arremessou contra os bancos com força.

 Senti a faca afiada entre minhas mãos suadas, e Jamie engatilhou a Glock. Jared estava com a espingarda de Jeb, ouvi-o armar o cão. Melanie tirou a mochila com medicamentos dos meus ombros e pendurou no dela, ela só sairia do Troller em caso de necessidade. Olhamos um para o outro. Era hora. Melanie deu um rápido abraço em Jamie e um rápido beijo em Jared. Saltamos do Troller, nos protegendo com a lataria.

 Rapidamente, vi Kyle e Aaron com seus revolver prontos. Ian, Brandt e Lily estavam no outro carro, todos também armados com facas.

 Todos estavam prontos.

 Ouvi o primeiro disparo, que deveria ser de Jared, mas era mais agudo. Minha respiração sumiu quando percebi que era do Buscador, e com nada menos do que uma Gold Combat II Modificada.

 —Recuar. —Gritou Jared, na mesma hora que eu teria feito.

 Ouvi os ruídos das pessoas retornando para dentro dos jipes. Se houvesse ordem de recuar, todos deveriam ir para as montanhas rochosas a um quilômetro dali, para Oeste.

 Joguei-me rapidamente para dentro do Troller quando Melanie ligou o motor, e ela acelerou com uma forte guinada, me jogando sobre Jared.

 O Troller conseguiu andar mais de meio quilômetro em alta velocidade quando patinou pela areia e tombou de lado. Saímos antes que nosso peso virasse o carro de cabeça para baixo, e vimos o pneu furado pelos tiros do Buscador. Os outros jipes passaram por nós em alta velocidade, sem parar, como haviam sido as ordens, e continuaram dirigindo para as montanhas.

 —Ninguém se mova. —Sussurrou Jared.

 Consegui me mover só um pouquinho, para ver o carro do Buscador no mesmo lugar onde ele havia parado e atirado pela primeira vez.

 —Por que ele não nos seguiu? —Perguntei sussurrando.

 Jared espiou ligeiramente e se abaixou.

 —Ele está ferido. Parece que alguém acertou uma faca nele.

 —Ian. —Murmurei.

 —Podemos pegar o Buscador se voltarmos e atirarmos rapidamente. —Disse Melanie. —Ele parece muito distraído com seu ferimento para nos ver antes que possa reagir.

 —Provavelmente é uma boa ideia. —Respondeu Jamie. —Eu vou lá.

 —De jeito nenhum. —Respondemos eu, Jared e Mel em coro.

 —Deixei comigo. —Falei.

 —Não mesmo, Ashley. —Respondeu Jared. —Eu sou o mais velho e mais experiente aqui. Eu vou.

 —Jared... —Murmurou Melanie, chorosa.

 —Eu preciso ir, Mel. —Ele sussurrou para ela, bem próximo de seu rosto. —Preciso manter nossa família a salvo.

 —Mas você pode se ferir...

 —Você esqueceu? —Ele sorriu e pequenas linhas se desenharam a partir dos seus olhos, como plumas. Ele segurou o rosto dela entre as mãos com carinho, tocando sua testa com a dele. —Nem o paraíso nem o inferno podem me separar de você, Melanie.

 Ela fungou, mas assentiu sofregamente. Segurei a mão de Jamie, agradecida para a situação não acontecer comigo, mas compartilhando o sofrimento de Melanie. Ela nos entregou para cada um de nós um frasco de Curar, caso alguém se machucasse.

 Jared armou o cão da espingarda e colocou metade do corpo por cima do jipe. Logo, ele deslizou e sumiu da nossa vista. Jamie pegou a mão da irmã para acalenta-la. Houve cinco disparos, mas nenhuma celebração. Ele não acertara. Jared desceu novamente para nosso lado.

 —Não consegui mata-lo.

 —Mas o atingiu?

 —No ombro esquerdo. E ele é canhoto.

 —Ponto para nós. —Sussurrei.

 —Mas não está morto. —Falou Jamie. —Ainda é uma ameaça.

 —Podemos pensar em alguma...

 Jared não conseguiu terminar sua frase. Foi interrompido pela súbita disparada de Jamie, que correu para frente do Troller e em direção ao Buscador. Melanie arquejou, pronta para ir atrás dele, mas eu fui mais rápida.

 Pulei por cima do capô do Troller, usando minhas pernas para deslizar até o outro lado e correr até Jamie. Ele estava armando a Glock enquanto corria, o que o fazia ter um ritmo mais lento. Alcancei-o antes que o Buscador o visse e saltei sobre ele, jogando ambos para o chão.

 —Você ficou louco? —Falei.

 Ele não conseguiu responder. Ouvi um tiro e ambos nos rastejamos para trás de uma grande rocha, usando-a como escudo.

 —Está ferido? —Sussurrei.

 Jamie só me olhou. Sim, dizia seus olhos. Ele tombou, desmaiou, batendo com a cabeça no chão. Procurei pelo ferimento, e ele estava logo abaixo das costelas – fatal, se não fosse pelo frasco de Curar no meu bolso. O tiro havia pegado com força, a bala tinha penetrado a carne. Arranquei-a e a joguei para trás, e borrifei o restante de Curar que tinha no franco sobre o ferimento e a cabeça de Jamie, para evitar qualquer hemorragia.

 O Buscador parecia distraído, nenhum ruído vindo dele. Espiei-o rapidamente e vi que ele examinava o ferimento no ombro, sentado no banco do carro.

 Naquele momento, soube exatamente o que fazer.

 Ajeitei o corpo de Jamie atrás da pedra, protegido. Liguei a lanterna e a virei em direção aos jipes, piscando diversas vezes e apoiando-a no chão, ligada, para chamar a atenção de Jared. Tirei a Glock das mãos frouxas de Jamie, ajeitando-a no meu quadril. Aconcheguei a cabeça de Jamie no meu colo, acariciando seus cabelos negros como a noite. Eu precisava salvá-lo, o pensamento de perdê-lo era doloroso demais. Tentei ser forte e fazer o certo, mas lágrimas pesadas desciam pelo meu rosto e caiam no de Jamie. Abaixei meu rosto até tocar sua testa.

—Eu tenho que ir agora. —Sussurrei. —Provavelmente eu não vou voltar. Quando eu sair de trás dessa pedra e atirar no Buscador, ele provavelmente irá me matar.

A verdade dita em voz alta era ainda mais difícil.

 —No entanto... Eu te amo. Você sabe, não é? —Passei meus dedos por toda a extensão do rosto dele. —Meu Deus, eu queria que você pudesse me ouvir agora.

 Havia dito que eu o amava, e era verdade. E faria de tudo que pudesse para que Jamie ficasse bem, era esse o propósito. O amor é nobre demais para ser deixado de lado em uma hora como essa.

 —Jared vai chegar logo, vai cuidar de você. E você vai ser feliz. Eu amo tanto você...

 Com cuidado, toquei sua testa com meus lábios, sentindo o gosto salgado das minhas incessantes lágrimas naquele beijo. Senti-lo tão perto de mim e ter que se afastar parecia impossível. Não era justo. Esse mundo não é justo. Contudo, não se tratava de justiça, era pura e simplesmente amor.

 No ápice da morte, percebi que toda minha vida se baseava no amor. O fato de eu ter sobrevivido e fugido da minha condenação, procurando sempre um lar, lutado para proteger... Aqueles que eu amava. Ashley Mayfleet, a garota agressiva e destrutiva, tomada por apenas amor. Não era raiva, nem dor. Amor.

 E seria esse o motivo da minha morte. Não seria culpa de Jamie, ou de qualquer outro. Era o amor, que me levava a fazer coisas tão inconsequentes. Afastei-me alguns centímetros para observar o rosto de Jamie. A pele bronzeada, os cabelos negros escorregando até seus olhos, contornados pelos cílios negros, e os olhos de chocolate.

 Eu faria... Seria qualquer coisa por ele, pelo amor que eu sentia, e aquela seria minha sentença. Seria a heroína suicida. Não seria justo partir agora, eu tive tão pouco tempo para desfrutar da minha felicidade que, em um momento, parecia infinita. Meu coração bateu cansado, a dor que ele sentia era diferente das outras. Eu não iria perder mais alguém que amava — quem eu amava iria perder. A dor era maior.

E, debruçada sobre a forma adormecida de Jamie, eu chorei. Pelo meu passado, e pelo futuro que eu não teria.

 Tirei meu moletom azul e coloquei sobre seu corpo como uma coberta. Uma lembrança.

 Meu tempo havia terminado. Não havia como fugir; e eu não fugiria. Não deixaria de ser quem sou – não deixaria de lutar por quem eu amava. Eu não conseguia impedir.

 —É inevitável. —Terminei.

 Esse seria meu epitáfio.

 Não ousei hesitar. E me levantei.

 Saí de trás da pedra que protegia meu mundo inteiro. Desprendi a Glock do meu quadril. Preparei o tiro. Preparei-me para sentir o tiro.

 O Buscador não levou mais de cinco segundos para me ver e mirar. Ergui a Glock na altura de seu crânio, certeira.

 Disparei.

 E ouvi o disparo dele.

 Vi também a forma dele levar um soco invisível e metade do seu crânio cair ao lado do restante do seu corpo.

 E senti uma ferroada quente e afiada penetrar minha carne, destruindo os ossos e os órgãos da parte superior do meu tórax.

A dor foi sufocante e me jogou no chão. Não lutei contra a queda, apenas me entreguei. Senti a areia quente e fina abafar minha queda e se enrolar no meu corpo, minha sepultura.

Meus pensamentos voaram pelas areias marfim até as cavernas, até Lola. Minha amiga de quatro patas e língua comprida, a única coisa que permanecia igual desde sempre – nunca mudaria.

Mais adiante, meus pensamentos desviaram para Alice. Ela acordaria, e tomariam conta dela. Jamie faria isso. Ela cresceria e seria uma boa menina – alguém que eu jamais seria.

O rosto de Jamie se materializou na minha mente, sólido e firme, aquela lembrança me acompanharia até o fim – todo meu mundo indo até o fim comigo.

A imagem dele fez a dor se tornar menos ardente. Ou talvez a dor estivesse me consumindo e eu estivesse morrendo.

Vislumbrei o céu cinzento, borrado pelas minhas lágrimas. Lágrimas que eu chorava. Eu iria adentrar o cinza, irregular com suas nuvens de pó? Seria esse meu destino, meu fim – um simples tiro? Parecia tão inútil, mas tão certo a se fazer. Eu não estava morrendo por um tiro, eu estava morrendo por amor. Sim, esse pensamento me faria sorrir, se eu pudesse mover meus lábios. Eu estava morrendo como uma guerreira, afinal. Minha mente tola me pregou uma peça, me instabilizando, me fazendo acreditar que o céu não era cinza. Era chocolate, sombra e luz. E o céu se tornou um borrão.

Estava me convidando, me chamando, me levando ao meu destino.

Um último soluço estrangulou pela minha garganta, e, num suspiro, desapareci.

        

Mas houve o último sussurro.


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