The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 10
Capítulo 9 — Revelando




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Revelando

VOCÊ DEVERIA TER ME DITO ANTES, pensei.

Eu sei, mas... Eu não queria trazer a tona. Desculpe.

Tudo bem. Só que... Bem, agora eu destruí a imagem da garota forte, não é?

Não é vergonha chorar, Ash. Mostra que você tem sentimentos.

É disso que me envergonho.

Bruma ficou em silêncio, sem vontade de me retrucar. Ela estava perdida em pensamentos que eu não alcançava.

São meus pensamentos e minhas memórias. Fique com as suas e me deixe em paz.

Assenti mentalmente e controlei os últimos espasmos do meu corpo. Eu estava escondida nesse campo de trigo por mais ou menos uma hora. Já tinha ouvido vozes perto de mim, mas parece que os humanos resolveram me deixar sozinha por um tempo. Era isso que eu queria. Debrucei a cabeça no chão, abraçando meus joelhos. Estava tão quieto que minha respiração ecoava.

Escutei passos perto de mim, e me sentei sem soltar meus joelhos.

—Garota?

Era Ian.

Droga, exclamei.

Eu escuto você, disse Bruma.

—O que você quer O’Shea?

Ele sentou-se ao meu lado, abraçando os joelhos, igual a mim.

—Quero que me chame de Ian. —respondeu ele.

—Isso vai te fazer me deixar em paz?

—Provavelmente não.

Bufei.

—E como está Bruma?

Bruma levou um susto ao ouvir seu nome mais uma vez pronunciado por ele.

—Mais ou menos. —respondi. —Não consigo contata-la. Ela não me deixa entrar.

Ian se virou de frente para mim.

—Bruma?

Ela deu um gemido agoniado que escapou pelos meus lábios. Tapei a boca com a mão.

—Foi ela. —resmunguei.

Ian respirou fundo.

—Bruma, você está bem? Quer conversar?

Quero. Mas não agora. Quero ficar sozinha.

Neguei com a cabeça.

—É melhor deixa-la quieta. —disse eu.

—Certo.

Ashley, eu vou fechar os olhos, certo? Quero ficar esquecida por um tempo.

Não demore, pedi.

—Estão conversando? —perguntou Ian.

Assenti com a cabeça.

—Você fica concentrada quando faz isso. Igual Peg fazia quando estava em Mel... Ah, desculpe.

Ele ficou quieto quando me afastei dele e apertei os olhos. Eu não queria ouvir essa história novamente. Agora que Bruma estava de olhos fechados, eu podia admitir que sentia repulsa da ideia de realmente existir algo semelhante a um inseto preso em nosso cérebro.

—Tudo bem.

—E como está Bruma? —perguntou ele. Achei seu interesse pelo bem estar de Bruma grande demais.

—Ela está de olhos fechados. —respondi. —Não consigo saber ao certo, mas parece bem.

Ele refletiu por um segundo.

—Olhos fechados?

—Ah. —exclamei. Eu usava tanto esse termo com Bruma que esqueci que os outros não o conheciam. —“Olhos fechados” é o modo que chamamos quando Bruma se esconde... Mais ou menos. —Procurei palavras mais adequadas. —É como se ela se desconectasse, se isola por um tempo. Ela não vê nem ouve, só sente o que sinto e sabe quando é hora de voltar. Também não consegue ouvir meus pensamentos, nem eu os dela.

Ian pensou por um segundo.

—Peg não conseguia fazer isso. —refletiu ele.

—Demorou muito tempo para aprendermos a fazer isso. —expliquei. —Exige um esforço quase físico da parte de Bruma e de mim.

—O que é preciso fazer?

—Primeiro, claro, temos que trabalhar juntas. Ela tem que se “encolher” e eu tenho que me “expandir” mentalmente, ao mesmo tempo, hã... É difícil explicar.

Ele assentiu.

—Tudo bem.

Ficamos em silêncio. Eu encarava as espigas de trigo pálidas com manchas verdes. O trigo ainda não estava pronto. Baixei os olhos para o chão. Era úmido, estranho por estar no meio do deserto.

Ian respirou fundo e o vi escolher palavras com cautela.

—Por que você... Retirou-se... Tão abruptamente da cozinha? Suas histórias eram interessantes.

Ah, não. O sentimento que eu permiti sentir de Bruma me invadiu novamente. Senti lágrimas borbulhantes se formarem atrás dos meus olhos e desviei o olhar do par de olhos cálidos de Ian.

—Não sei explicar. Acho que muito daquilo foi de Bruma.

—Por quê?

Eu mordi o lábio. Não sabia se podia falar sobre Chama para Ian. Ele entenderia? Bruma ficaria zangada? Envergonhada, provavelmente. Mas também se zangaria comigo. Talvez não. Decidi arriscar.

—Por que quando Bruma fala sobre Chama, bom... Ela fica emotiva.

—Ah. —Ele quase sussurrou. —Não era nossa intenção entristece-la.

—Sei disso. Ela não está zangada só... Tristonha. Ela parecia amar Chama.

—Eu a entendo. —disse ele. —Não ficaria diferente se tratasse de mim e Peg.

Engoli em seco para espantar qualquer nó no meu estômago.

—Você pode me responder uma coisa? —perguntou Ian, depois de um longo momento de silêncio.

—Se eu souber a resposta.

Ian riu de uma piada que só ele entendia.

—Bruma gosta de mim?

Gosta? Perguntei, me esquecendo de que ela não ouvia.

—Gosta. —respondi. Sem esperar pela próxima pergunta, despejei a história.

—Mas eu desconfio que muito disso não seja por sua parte. São seus olhos.

Ian piscou duas vezes repetidas.

—Meus olhos?

—São iguais aos de Chama. —expliquei, e o sentimento de Bruma fez meus olhos borbulharem de lágrimas. Respirei fundo para espanta-las.

Ian refletiu por quase um minuto e disse a única coisa plausível. —Ah.

O silêncio se seguiu. Mas dessa vez, permiti meus olhos estudarem os dele para que Bruma tivesse essa memória quase viva para acalenta-la.

—Bruma ainda está de olhos fechados? —Ian perguntou. Sua voz saiu quase num sussurro.

—Está. —respondi no mesmo tom de voz.

—Pode chama-la de volta?

Neguei com a cabeça.

—Ela tem que sentir algo ou voltar por conta própria.

Ian assentiu, para mostrar que entendeu, e seus olhos caíram no chão. Ele pensava. Engoli em seco esperando por uma reação.

Então Ian me abraçou.

Fiquei dois segundos sem reação. Seus braços seguravam meu corpo, um nos meus ombros, um na minha cintura. Eu estava sendo abraçada. Fazia tempos que não me abraçavam. Mais de dois anos.

Senti meu coração acelerar.

Mas que diabos...

Meu protesto foi interrompido por um fraco pensamento ecoando no fundo da minha cabeça.

Ash? Bruma se situou. Meus braços abraçaram o pescoço de Ian e de repente eu não tive mais controle deles.

Bruma!

Dê-me só mais um minuto. Ela pediu. Sua voz era uma lamúria. Por favor.

Fui jogada para o fundo da minha própria mente e assenti, me encolhendo pelo frio que eu sentia ali.

Claro, disse eu, tremendo. É frio aqui.

É sua própria cabeça. Fria como seu coração, Ash.

Não tive oportunidade de responder algo, porque a atenção de Bruma se voltou totalmente para o par de safiras, e ouvi os pensamentos dela.

As safiras, a harmonia e o calor. Tão semelhantes e calmantes iguais ao de Brilho Intenso Que Irradia Calor E Aquece Seu Coração. Senti falta desse tom de felicidade.

—Garota?

—Sou Bruma. —respondeu minha voz.

—Mas como... —perguntou Ian, mas se calou. Deve ter percebido o brilho bobo estampado no meu rosto que Bruma controlava, ou o rubor da minha pele.

—Ela apenas... Fechou os olhos. —Sussurrou Bruma. A minha voz ficava macia quando ela a usava.

Os dois ficaram se olhando por vários minutos, e os pensamentos de Bruma rodopiavam.

Todo o céu e todos os oceanos refletidos em apenas dois olhos... A harmonia mais perfeita entre o claro e o escuro, a luz e as trevas... A junção de neve e de noite... Cálidos e frios...

Assim que Bruma estava entretida o suficiente para me esquecer, esforcei meu cérebro a obedecer ao que eu mandava. Senti minhas têmporas latejarem e uma familiar sensação de uma pedra no estômago quando desabrochei no meu corpo novamente. Meu impulso lançou o corpo que agora eu controlava, e a única coisa que me segurou foi o chão. Bruma voltou cantarolando para minha mente e lá ficou com pensamentos tão abertos e claros que os bloqueei. Ian ainda me observava, tentando entender. Abanei minha mão, indicando com apenas um gesto que estava tudo bem e que era eu novamente. Ele pareceu entender, porque ficou de pé e estendeu a mão. Aceitei e Bruma não arquejou, mas acelerou meu coração.

—Isso é tão confuso. —Disse Ian. —Ter que lidar com duas pessoas.

Concordei.

—Diga a Bruma que ela pode aparecer mais vezes. —Ian disse e riu.

Franzi o cenho, mas Bruma ficou extremamente feliz. Ela deu um suspiro feliz e seu acalento arrepio meus membros.

Andamos até o campo de cenouras em silêncio. Bruma ainda suspirava docemente. Poucos estavam lá agora: somente Jamie, Peg e Trudy, segurando um embolado de pelos amarelados.

Lola!

Quase corri até ela e esfreguei suas orelhas.

—Ah, Lola! Desculpe ter abandonado você.

Lola me perdoou se enrolando nos meus pés. Senti olhos cravados as minhas costas quando me abaixei para acariciar a barriga de Lola. Seu rabo batucava minha perna no ritmo do meu coração. Tum tum tum tum. Algo se aproximou e tocou minhas costas.

—Tudo bem?

Era Jamie. Concordei com a cabeça. Bruma levantou meu rosto com uma força que eu não conhecia e meus olhos caíram em Ian. Fiquei de pé e empurrei meu olhar para o lado. Eu e Bruma brigávamos pela direção dos meus olhos. Houve uma longa pausa de silêncio. Uma mão gentil e bronzeada segurou meu braço e encontrei um sorriso com meus olhos.

—Vai nos dizer seu nome agora, garota? —Jamie abriu mais o sorriso.

Ah, vamos lá, disse Bruma. É ridículo continuar com essa brincadeira boba.

—Meu nome é... Ashley. —O sorriso de Jamie aumentou. —Ashley Mayfleet.

Uma voz aguda e com uma nota de medo expandiu-se.

—Mayfleet?


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