The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 11
Capítulo 10 — Aproximando




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Aproximando

OLHEI EM VOLTA E ME DEPAREI COM REFLEXOS PRATEADOS ME FITANDO. Ian tocou o braço da garota loira miúda.

 —Peg, o que houve...?

 —Mayfleet. —Ela repetiu. —Você é uma Mayfleet? Os mesmos Mayfleet que mataram vinte Buscadores antes de serem capturados?

 Engoli em seco. Era esse o segredo que eu sempre escondia de Bruma. Agora veio a tona.

O quê? Sua família é assassina?

Precisávamos sobreviver, falei, mas Bruma não me deu ouvidos. Ela se trancou totalmente em um muro que não consegui passar.

Bruma? Desculpe.

Não. A voz dela ecoou alta e zangada, e fez minha cabeça doer tanto que apertei os olhos.

 Mas esse era só um dos meus problemas. Quando abri os olhos, Jamie e Ian também me encaravam. Olhos de chocolate cheios de dúvida. Olhos de safiras cheios de preocupação. Com Peg, naturalmente. E também havia os olhos prateados cheios de medo e angústia. Um guincho agudo escapou dos lábios de Peregrina, e ela se embolou atrás de Ian, como se escondesse de mim. Jamie deu um passo à frente e abriu a boca, mas desistiu e a fechou. Engoli em seco novamente. Minha garganta estava seca.

 —Jamie. —Disse Ian. Sua voz estava estranhamente calma e controlada. —Leve Ashley daqui, por favor. Talvez ela esteja com fome.

 A última frase foi falsa, uma verdadeira desculpa idiota. Mas Jamie assentiu e me puxou pelo braço.

 —Ei. —gritei. —Agora irão me incriminar por causa do meu sobrenome? —Mas ninguém me deu ouvidos.

 Olhei para Ian e esperei que ele entendesse o que meus olhos diziam. Não acabamos de conversar, idiota? Não viu e ouviu o suficiente? Agora vai atirar uma pedra em mim? Eu não sou uma assassina e não vou encostar um dedo na sua Almazinha!

 Mas seus olhos azuis apenas me fitaram, e captei certo desapontamento vindo deles antes de adentrar outro túnel escuro.

 —Jamie. —falei, assim que Ian e Peg saíram do meu campo de visão. —Jamie, Jamie, por favor...

 —Por favor o que, Mayfleet?

 O jeito como ele pronunciara meu sobrenome fez minhas sobrancelhas se franzirem.

 —Esqueça. —falei rispidamente. —Vá correndo proteger a mascote da turma.

 Então Jamie freou rápido e abruptamente, e esbarrei nele. Jamie me segurou pelos cotovelos.

 —Pare, pare com isso, Ashley. Eu sei que você está aqui há só dois dias, mas não precisa ser assim.

 —Assim como? —ralhei. —Desculpe decepcionar, Jamie, mas sou exatamente assim. Sem controvérsias. Sou briguenta, mal-humorada e grosseira. Não sei ser boa como uma Alma. Não sei ser amorosa e solidária. Eu não sei ser como Bruma.

Minha voz saiu brava e aguda, irritada e magoada. Engoli com força em seco e me debati até Jamie me largar. Mas ele não o fez. Segurou-me e me encarou até sua expressão passar de zangada para quase neutra.

—Você e sua família mataram mesmo aquelas pessoas?

—Não são pessoas. —respondi. Minha voz estava mais regular. —São parasitas que destruíram nosso planeta. Jamie! —exclamei, porque ele abriu a boca para protestar. —Ninguém é como Peregrina, não mais. Eu vivi no meio daquelas Almas e sei o que está havendo. Eles não temem mais os humanos, Jamie, eles menosprezam. Não somos nada além de corpos sem sentido para eles. É por isso que tenho tanta raiva. É por isso que eu os odeio! E Peg é só uma lembrança daqueles que eu odeio, eu não a odeio de verdade. Chego quase a gostar dela.

A verdade saiu num jorro antes que eu pudesse controlar. Jamie suspirou.

—Você está com fome?

Neguei com a cabeça.

—Então vamos para o quarto. —ele disse. —Vai ser melhor se você sumir por algumas horas. Não se preocupe Ashley... Se é que posso te chamar assim.

Assenti com a cabeça e resmunguei. Jamie começou a andar para os dormitórios sem soltar meu cotovelo.

 O caminho até o quarto foi silencioso. Jamie empurrou a porta de madeira e entramos no quarto silencioso. A porta foi fechada e me sentei zangada no colchão. Jamie sentou ao meu lado e não disse nada por um longo segundo.

 —Jamie, eu... Desculpe... Mesmo que eu não saiba o motivo dessa confusão toda...

 —Você não sabe? Ashley! —Ele passou a língua pelos lábios, zangado. —Ashley, você é uma assassina! Você e sua família! Matou vinte pessoas.

 —Jamie! —gritei, então tornei a falar com a voz normal. —Eles não são humanos! Nenhum deles. Já lhe disse isso.

 Jamie deu um suspiro.

 —Mas Ashley...

 Levantei a mão, o interrompendo. Caí para trás, me encolhi numa bola e fechei os olhos, sem me importar com Jamie, e acabei dormindo.

Bruma voltou a abrir os olhos e conversamos enquanto meu corpo dormia. Foi estranho, nunca havíamos feito isso antes.

Você devia ter me contado. Disse Bruma.

Eu não queria que você me odiasse, ah. Exclamei, quando Bruma se arrepiou. Mas eu não faria isso novamente. Agora tenho você, que sempre me ajuda. Você é minha sanidade, Bruma.

 Ela riu.

Eu sei.

Agora estamos quites. Disse eu. Nenhum segredo oculto.

Há um, ainda. Não lhe contei porque eu e Chama nos separamos.

Bruma, você não precisa falar sobre isso...

Ele morreu. Ela me interrompeu. Foi atacado por uma Ave de Ferro. Estava tentando me proteger. Não consegui mais ficar naquele planeta sem ele e vim para a Terra em busca de outra vida que me fizesse esquecê-lo.

E eu te tirei essa vida. Sussurrei. Fui teimosa e briguenta, tirei seu corpo de você e te fiz fazer coisas que odeia.

Está tudo bem. Esse é seu corpo, Ashley. Eu nunca deveria tê-lo tirado de você.

Pazes refeitas.

 Quando acordei, senti algo se mexer nos meus pés. Era grande demais para ser Lola. A coisa se mexeu novamente, e eu a chutei, me empurrando para trás e fiquei de joelhos.

Ah, Ashley... Suspirou Bruma.

 —Jamie! Desculpe!

 Ele estava sentado, uma mão envolta no braço.

 —Tudo bem. —Ele riu. —Você tem um bom chute.

 Senti remorso por ter sido tão grosseira e mal-humorada com ele. Então percebi que esse sentimento vinha e Bruma e logo o bloqueei.

Não faça isso. Alertei-a. Gosto de ser fria. Não tente mudar quem eu sou.

 Bruma suspirou.

Uma Alma tem que tentar.

 Ignorei-a e fiquei de pé. Jamie ficou de pé ao meu lado e vi a mancha vermelha em seu braço. Puxei o ar pelos dentes, assim como ele fez quando eu me machuquei. Jamie riu.

 —Não é nada. Já passei por coisa pior, pode apostar.

 —O quê?

 Ele segurou meu pulso, empurrando a porta de madeira.

 —Eu te conto a caminho do jantar.

 —Jantar? Quanto tempo eu dormi?

 —O necessário. —disse ele. —Não se preocupe, ninguém entrou no quarto.

 —Você ficou acordado?

 Ele deu de ombros.

 —Não. Mas teria acordado se algo acontecesse.

 —Não me preocupe com isso. —falei. —Sei me defender muito bem.

 —Eu sei. —Jamie riu. —E estou te devendo uma história.

 Assenti. A mão de Jamie apertou levemente meu pulso.

 —Em uma das minhas incursões, quando eu era mais novo, caí no chão com uma faca na mão e cortei a perna. Tive uma inflamação danada. Doc afirma que eu teria morrido. Mas os mesmos remédios que usei em você aquela noite me salvaram. Aliás, foi Peg quem os conseguiu, e ainda consegue.

 Franzi o cenho. Então era por isso todo o amor que eles tinham por Peg? Ela salvou a vida do garoto Jamie?

 —... E ela também fez outras coisas incríveis. Peg é muito útil aqui. Pode andar no meio das Almas sem ser pega, afinal ela é uma Alma. Mas esta totalmente do nosso lado, já provou isso algumas vezes.

 —Sei.

 —Ashley, eu... —Jamie parou no meio da frase e se virou, ficando de frente para mim. A mão que segurava meu pulso deslizou até ele segurar meu ombro. A outra mão segurava meu cotovelo.

 —Preciso lhe pedir um favor. —Disse Jamie.

 Assenti. Um arrepio sacudiu meu corpo violentamente e tive um péssimo pressentimento.

 —A cozinha agora está cheia. —Ele falou. —De humanos. A maioria acha que você é mais uma Alma, e não confiam em Almas.

 —Posso provar o contrário. —falei.

 —Shh, shh. Certo. Eu sei que pode. Mas não é necessário. Apenas quero que fique perto de mim e longe de Ian.

Não! Disse Bruma, e me assustei com o quanto sua voz soou alta. Eu não quero ficar longe dele, ela choramingou.

 —Sim. —disse eu.

 —Ele ainda teme por Peg. Sabe, sobre aquele assunto dos vinte Buscadores...

 Estiquei a mão, interrompendo-o com o gesto. Jamie soltou meu cotovelo e sua mão deslizou novamente para meu pulso. Ele me puxou até a saída do túnel e entendi todos os seus conselhos.

 Havia muitos humanos ali. Mais do que eu achei que ainda existiam. E todos eles, sem exceção, me encararam. Trudy, Jeb, Jared e Melanie apenas olharam quem era que se aproximava, e logo voltaram a fazer o que faziam antes. Captei os olhos de Ian. Ele segurava a mão de Peg dentro da dele. Seus olhos de safiras faiscaram quando me viram e Bruma concordou que seria muito sensato ficar longe dele. Peregrina, por sua vez, encheu o rosto de um medo agoniado quando me viu. Não dei o trabalho de olhar por mais de dois segundos para ela. O restante dos humanos que eu não conhecia apenas me fitava. Alguns surpresos, outros amedrontados e uma grande maioria com raiva tamanha que parecia fritar em seus olhos.

 Baixei os olhos ligeiramente e apenas vi muitos punhos cerrados. A agonia falou mais alto e apenas vi pés daquele momento em diante.

 —O que acha de jantar no campo de trigo? —sussurrou Jamie.

 —Não é má ideia. —sussurrei de volta.

 Ele riu silenciosamente e foi até a bancada onde os pratos e as comidas estavam. Enchemos nossos pratos, eu principalmente, por estar morta de fome, e saímos em silêncio contra a parede. Assim que saímos da cozinha e fora do campo de visão de todos, liberei um suspiro aliviado.

 —Eles quase me mataram com os olhos.

 —Eles se convencem fácil, Ashley.

 —Espero que não demore tanto assim. —suspirei.

 Mas demorou. Trabalhei nos campos do lado oeste no dia seguinte. Todos estavam lá, e todos me olharam feio quando peguei a pá e ajudei Melanie e Jamie a picar a terra. Alguns homens trituravam a terra, seguidos de mulheres que desfaziam os torrões duros com a pá e por fim outra pessoa para esmagar o restante até o solo ficar adequado. Na minha sequência, encontrava-se Jamie na frente, com o trabalho mais pesado, Melanie no meio e eu atrás. Ajeitar a terra era cansativo, mas meus músculos agradeceram o exercício que lhes faltava. Eu não me importava de trabalhar, e tentava fazer mais do que os outros, afinal eu precisava alimentar duas bocas, enquanto os outros trabalhavam para seu próprio sustento. Nem reparei o primeiro mês ali passar.

Mas eu e Jamie não perdemos o costume de comer no campo de trigo, até quando o mesmo já havia sido colhido. Eu já estava há um mês e duas semanas nas cavernas, junto com os humanos. Ian já havia perdido parte da raiva que o afastava de mim, e não havia um só momento que Bruma não arquejava ao olhar para ele.

—Amanhã não teremos nada para fazer, nenhum dos vegetais está pronto para a colheita e todos os mantimentos que pegamos já estão em seus devidos lugares. —Disse Jamie. —É nosso dia de folga. Vamos ficar na sala de jogos. Espero que saiba jogar futebol.

 —Não sou ruim. —esclareci. —Mas não sou boa.

 —É suficiente. —disse Jamie. —E também podemos apostar algumas corridas. Você gosta de correr?

 Dei um sorriso apertado e pequeno, o menor possível. Correr era... Libertador.

 —Sim. —respondi. Jamie abriu um sorriso trezentas vezes maior que o meu e nos sentamos no meio do trigo com os pratos no colo e comemos o pãozinho branco com carne.

 —O que você realmente gosta de fazer, Ashley?

 —Lutar. —respondi, sem devaneios. —Meu pai ensinara algumas lutas para mim, principalmente boxe chinês e capoeira. Ele era professor de uma academia de luta e sabia de tudo. Karatê, jiu-jitsu, luta-livre, boxe chinês. Aprendi a gostar de luta com ele.

 Jamie riu de algo que só ele sabia.

 —O que há? —perguntei.

 —Você não parece uma lutadora.

 Minhas sobrancelhas se franziram.

 —Está me subestimando?

 Ele colocou as mãos abertas na frente do corpo.

 —Nunca. Apenas deixei clara minha opinião. Mas aposto que você derrubaria muitos daqui.

 —Principalmente você. —falei, e mordi o pão.

 Seus olhos escuros se estreitaram.

 —Isso é um desafio?

 Dei de ombros enquanto mastigava e olhei para o trigo á minha esquerda, fingindo estar distraída. Jamie voltou a comer e o silêncio caiu como uma coberta pesada sobre nós.


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