Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 35
A Origem do Verdadeiro Poder




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Jane corre em direção a Maximilian em seguida, percebendo que ele continuava no mesmo lugar e na mesma posição em que Andrômeda o deixara. O ferimento em seu pescoço jazia aberto e sangrando, e a vampira não conteve o princípio de desespero que a atingiu.

— Maximilian, olhe para mim! – chama autoritária, encarando as pupilas ainda dilatadas do camaleão e percebendo que a morte da nômade não fora o suficiente para libertá-lo de sua última influência. O sangue manchava-lhe grande parte da blusa e Jane sabia que aquilo era um péssimo sinal. – Se perder toda a sua reserva de sangue, vai morrer! Cure-se agora mesmo! – ordena, sentindo o desespero criar raízes em seu interior.

A dor seria a única forma de libertá-lo da ilusão que cegava seus sentidos e tentava arrastá-lo para a morte. Jane não queria feri-lo, não naquele momento, mas o faria se essa era a única chance de fazê-lo voltar a si. Ela já atacara Alec inúmeras vezes durante sua segunda vida, para impedi-lo de fazer alguma bobagem ou para mantê-lo na linha que os Volturis queriam que ele estivesse. Não era uma tarefa tão difícil, no fim das contas, então, por que ela sentia que aquilo iria doer tanto nela quanto nele?

Jane se ajoelha à frente de Maximilian, tocando o seu rosto com a ponta dos dedos e colando suas testas. Ela fecha os olhos e se prepara para o som que viria a seguir, atravessando a mente do camaleão com uma pontada forte e sentindo o corpo estremecer quando ele gritou. O golpe mental foi rápido e preciso, como da última vez em que precisou fazê-lo, apenas o suficiente para desfazer todo a influência de Andrômeda e trazê-lo de volta a si.

Maximilian arca o corpo para trás e tomba sobre a neve, abrindo os olhos depois de cinco segundos inteiros e encarando o céu azul como se ainda tivesse dúvidas de que ele fosse real, sentindo-se letárgico e fraco. Ele sente alguém tocar em sua mão e levá-la até o ferimento em seu pescoço antes da voz feminina alcançar os seus ouvidos:

— Regenere-se agora mesmo! – manda Jane, aflita, chamando a atenção do vampiro para o fato de que ela estava ali, ao seu lado.

— Jane… Você está viva? – questiona perplexo.

— É claro que estou! Agora feche esse ferimento agora mesmo ou eu vou machucar você! – ameaça, sabendo que estava soando mais desesperada do que ameaçadora.

— Eu amo você, Jane – sussurra ele, lembrando-se de tudo o que viu e sentiu antes de despertar daquela influência, não conseguindo se desligar daquelas sensações, mesmo sabendo que nada daquilo era real.

— Eu sei! – lança no mesmo tom, contorcendo o rosto diante da possibilidade de perdê-lo para algo tão estúpido quanto um ferimento. – Eu já sei de tudo isso, agora me obedeça e feche esse ferimento logo!

Maximilian assente com a cabeça, concentrando-se no próprio ferimento e guiando parte do que lhe restava de sangue até ali, regenerando os tecidos e selando o buraco aberto pelas presas de sua criadora. O vampiro se senta novamente, ignorando as roupas molhadas pela neve e manchadas de sangue, focando unicamente no rosto ao seu lado, que parecia finalmente aliviado por tê-lo inteiro novamente.

Jane toca o rosto dele, percorrendo com as pontas dos dedos as linhas da expressão triste que ele ainda esboçava e reparando nos olhos quase negros pela falta de sangue. O camaleão fecha os olhos e inclina a cabeça em direção a sua palma, ignorando a queimação em sua garganta e desejando sentir o toque dela um pouco mais, como se aquela fosse a sua última chance.

— O que ela mostrou a você? – pergunta Jane com um sussurro, observando o rosto dele contorcer-se novamente. – Ela está morta… – alerta enfática, sentindo que ele precisava saber daquilo para conseguir falar sobre o que viu. – Andrômeda está morta e não pode mais afetar você. O que ela te mostrou?

— A sua morte – responde com voz estrangulada, precisando realmente tomar fôlego para continuar. – Ela fez questão de me fazer perdê-la de novo...

— Não era real, nada do que ela te mostrou era real.

— Eu sei, mas naquela hora parecia real… E doeu tanto que não consigo me livrar disso – confessa, batendo com o punho fechado sobre o coração para mostrar do que estava falando.

Jane sente a sua dor, pois ela mesma temera perdê-lo novamente e a sensação foi desoladora. As mãos femininas deixam o rosto do vampiro lentamente, enquanto Jane elevava o corpo sobre os próprios joelhos para abraçá-lo, acolhendo-o em seus braços e permitindo que ele recostasse sobre sua barriga.

Maximilian a abraça com força, sentindo o seu cheiro até convencer-se de que realmente era ela. Tudo o que vira antes, todo aquele fogo e o corpo sob ele, não era real. Jane estava viva e seus braços o envolviam naquele instante, porém, a dor e o medo de perdê-la ainda estavam ali, acertando-o com tudo o que tinham, e a única coisa que o camaleão conseguiu fazer foi ativar sua camuflagem e chorar copiosamente, chorar nos braços de Jane, chorar por um amor que parecia estar fadado a dar errado desde o começo…

Ambos ficaram imóveis durante todo o tempo em que o surto do camaleão durou, e Jane contou todas as 38 vezes em que ele soluçou em seus braços, ainda sentindo-se afetado pela visão mentirosa de sua morte. Sua missão havia acabado, ela tinha vencido e havia muita bagunça para ser limpa ainda, mas a vampira permaneceu ao lado dele até que se acalmasse, mesmo que nenhuma palavra fosse dita ou que gestos fossem expressados. Tudo o que ela queria era vê-lo bem de novo e pensar no que faria a seguir.

Jane o toma pela mão assim que o sente se acalmar, desfazendo o abraço e o ajudando a ficar pé. Eles caminham para o interior da residência, onde a vampira apanha uma caixa de fósforos e faz menção de sair mais uma vez. Entretanto, ao perceber que o camaleão não pretendia segui-la, a Volturi o toma pela mão novamente, sem lhe dar palavras ou explicações, e o arrasta para o local em que o corpo de Andrômeda jazia em pilhas.

Maximilian nunca tinha vivenciado um dia tão intenso e difícil quanto aquele. E ali, olhando para o corpo desmembrado de sua criadora repartido em dois montes, o camaleão se deu conta de que o pesadelo havia acabado. Andrômeda não existia mais, não o afetaria e nem o manipularia mais, porque ela não fora forte o suficiente para vencer Jane Volturi.

Os olhos escuros do vampiro deixam sua observação assim que Jane solta sua mão e lhe oferece a caixa de fósforo, para que pudesse ter a honra de começar a primeira fogueira. Ele risca o fósforo e o lança sobre o primeiro montante, vendo-o se incendiar tão rápido quanto uma pilha de folhas secas. A existência antinatural de Andrômeda havia finalmente se encerrado e, diferente do que ela havia falado para o camaleão momentos antes, seria a presença dela de quem ninguém sentiria falta.

Já de posse da pequena caixa de fósforos, Jane risca um palito e o lança sobre a segunda pilha de membros, que também se acendeu rapidamente em chamas. A neve ao redor do corpo derrete com o calor, não sendo capaz de apagar as chamas violentas que trepidavam sobre o corpo da vampira, como se elas se recusassem a sumir antes de dar fim aquele ser tão desprezível.

Os vampiros assistem ao processo com a mesma atenção e ao mesmo tempo, apesar de suas mentes pensarem em coisas totalmente diferentes. Maximilian olhava para as chamas e sentia um intenso alívio por tudo o que viu não ter sido real, e olhou para Jane duas ou três vezes enquanto o fogo queimava, orgulhoso de seu desempenho e feliz por ela ter feito o que ele nunca conseguiu.

Porém, a morte de Andrômeda também significava o fim de uma caçada e, diante disso, ele tinha uma escolha a fazer: voltar à Volterra e ser destruído por Aro, ou aproveitar a oportunidade que tinha para fugir e condenar-se a uma existência sem Jane Volturi.

— Você se tornou tão forte! – pensa ele, dando-se conta de que talvez ela nunca tivesse precisado dele como ele precisou dela, de que Jane nunca sentia medo e nada a abalava, de que ela aprendera a cuidar de si mesma e, talvez, a presença ou a ausência dele não fizesse diferença alguma.

Em contrapartida, tudo o que Jane pensava ao olhar para as chamas era no quanto estava feliz por ter vencido e por Maximilian estar vivo. Ela sentiu raiva diante de suas lágrimas, raiva de Andrômeda e raiva porque ela, a mais poderosa vampira da Guarda Volturi – senão de todo o clã –, conseguia conter inúmeros ataques físicos de acontecerem, mas não fora capaz de impedir Maximilian de se ferir.

Este detalhe a fazia perceber que seu poder e sua força eram limitados, que ela não era perfeita e que precisava ficar ainda mais forte. Poder, tudo sempre se resumiu ao poder. Os Volturis queriam poder para serem os governantes absolutos do mundo e durante muito tempo ela desejou o mesmo, entretanto, mesmo que agora as suas intenções fossem diferentes, mesmo que ela almejasse poder para proteger, tudo ainda se resumia ao poder.

No entanto, como ela poderia ficar mais forte do que já era?

— Qual a origem do verdadeiro poder? – A pergunta surge de repente, com a voz doce e infantil da pequena Jane, como se ela tentasse ajudar a Jane imortal a encontrar a resposta e a evoluir. – A raiva? – cogita a vampira ainda em pensamento.

Jane sempre pensou que a raiva fosse o combustível mais poderoso de um vampiro, porque ela sentia raiva o tempo todo e sempre foi a mais forte do clã. A raiva a acompanhou da vida humana para a imortalidade, sendo sempre a base de seus atos e estilo de vida, elevando o seu dom ao limite. Foi por sentir raiva dos que eram fracos e por detestar a todos que Jane Volturi se tornou o que era: superior, fria, intolerante e cruel.

— A raiva a fez se esquecer de Maximilian – explica aquela vozinha em sua cabeça, mostrando que aquele recurso tinha um custo, que ele lhe emprestava a sua força contanto que recebesse algo em troca, algo que pudesse consumir.

A vampira aperta os lábios e olha para as chamas, concluindo que o poder nunca vem de graça, que ele sempre exigia algo em troca. A imortalidade lhe deu poder, mas custou-lhe a vida humana, e a raiva levou o seu poder ao limite, custando-lhe suas lembranças mais preciosas.

— Seu dom nunca esteve em seu limite! – constata a pequena Jane, fazendo-a se lembrar da emboscada armada contra Maximilian.

Ela nunca foi capaz de atacar mais de um oponente ao mesmo tempo, achando a tarefa de se concentrar em mais de uma mente, simultaneamente, bastante complexa. Alec conseguia realizar um ataque em massa e agora o motivo parecia óbvio, pois seu gêmeo nunca se apoiou na raiva como ela. Entretanto, se não era a raiva a origem do verdadeiro poder, o que era?

Um movimento ao seu lado obriga Jane a sair de seus devaneios. Maximilian tentava se afastar dela enquanto farejava o ar, em um claro sinal de que sua sede estava no limite e seus instintos de caça estavam prevalecendo sobre seu lado racional. Um vampiro levado apenas pelos instintos nunca conseguia ser discreto.

— Vamos caçar! – diz ela, apanhando a adaga que jazia largada sobre a neve e atraindo a atenção do camaleão no mesmo segundo.

Deixando ambas as fogueiras ainda acessas, os vampiros se embrenham por entre as árvores em direção ao norte, buscando um lugar distante o suficiente para que Maximilian pudesse extravasar a selvageria de seus instintos.

Não demorou muito para que eles chegassem a Broadwood’s Tower, uma atração turística rodeada de árvores e que sempre atraía a atenção dos visitantes, independente da hora do dia ou da época do ano. Jane sobe em uma árvore para ocultar sua presença, percebendo que o camaleão a seguia até mesmo naquele simples gesto, pousando ao seu lado no galho enquanto farejava o ar em busca de uma presa humana.

A vampira olha para o céu rapidamente, percebendo que o Sol iria se por logo. As árvores os protegeriam de qualquer indiscrição e o horário era perfeito para uma caçada, visto que qualquer visitante que houvesse ali estaria se preparando para voltar para casa, e, em situações como essa, sempre haviam os retardatários.

Seus olhos captam a aproximação de um humano ao mesmo tempo em que o camaleão se preparava para um ataque, uma atitude que seria bastante descuidada se a presa não estivesse sozinha ou se o ataque não fosse rápido o bastante, dando ao homem tempo suficiente para chamar a atenção de alguém.

— Ainda não, precisamos ser discretos – sussurra Jane, segurando o braço esquerdo de Maximilian e o fazendo rosnar em protesto. Os olhos dele não desgrudavam de sua presa, que se aproximava de seu esconderijo a cada segundo, e o vampiro precisou usar toda a sua força de vontade para obedecer ao comando de esperar.

Jane não levou mais do que meio segundo para perfilar o indivíduo, constatando que era apenas um turista solitário tentando fazer uma trilha para fotografar a beleza de Box Hill durante o inverno. Ele estava sozinho e parecia estar em forma, sendo a presa ideal para um vampiro sedento e ansioso.

Ela sente a musculatura do camaleão ficar tensa sob sua mão. Seus olhos vermelhos o encaram por um momento, percebendo que Maximilian era como uma bala engatilhada em uma arma, e que a única coisa que o segurava era ela. Jane sabia que, assim que retirasse sua mão dele, o vampiro dispararia no mesmo segundo, mas não entendia como ele conseguia se conter daquela forma diante da sede que sentia, queimando sua garganta e arranhando suas entranhas.

Ignorá-la e saltar sobre aquela presa seria tão fácil para ele...

— Jane – murmura o vampiro, num misto de rosnado e ansiedade, fazendo-a voltar os olhos para o humano e constatar que já estava perto o bastante para o bote.

— Vá – permite, desfazendo o contato em seu braço e o vendo atacar.

Maximilian salta de sua posição rapidamente, caindo sobre o pobre turista com precisão e rolando pelo chão com as presas já fincadas em seu pescoço. O homem tenta resistir, socando a nuca do camaleão sem saber exatamente contra o que estava lutando, enquanto ele segurava seu tronco com os braços e rodeava sua cintura com as pernas, prendendo-o pelas costas e o impedindo de fugir. O humano percebeu tarde demais que nada poderia salvá-lo de um predador como aquele.

Foi ali, assistindo a tudo aquilo e vendo a intensidade dos instintos que Maximilian estava contendo por causa dela, porque a amava, respeitava a sua liderança e queria agradá-la, que Jane compreendeu tudo.

— Qual a origem do verdadeiro poder? – questiona a pequena Jane em sua mente, querendo que ela pronunciasse em voz alta a resposta que já estava na ponta de sua língua. – O amor! – responde a vampira em voz alta, sorrindo, enquanto assistia Maximilian saciar a sua sede e recuperar as suas reservas de sangue. Tudo o que ele fazia era por ela, tudo em nome do amor, sendo capaz até de conter o mais forte de seus instintos porque era ela que o estava impedindo.

E com ela o resultado era ainda mais impressionante.

Por sentir raiva Jane elevou-se até certo ponto, porém, por amar ela foi muito além.

A raiva a conduziu por um caminho que a blindava inteiramente, mas que não vislumbrava o amanhã. Era apenas a poder pelo poder, sem objetivos ou um alvo maior a ser alcançado e, em dado momento, isso a estagnou. Todavia, o amor a estava guiando para um caminho muito mais produtivo, que tinha um objetivo maior a ser alcançado, algo que a desafiava a ir além e que antevia um futuro com o alvo de sua afeição.

Foi através do amor que seu dom rompeu suas fronteiras, que sua força de vontade subiu a um novo patamar, que ela foi capaz de destruir outros vampiros com suas próprias mãos e que se tornou ainda mais poderosa. Tudo o que Jane fez foi tentar proteger Maximilian, foi se importar o bastante a ponto de desejar salvá-lo, e através disso o amor a fez evoluir, permitindo que atingisse um nível de força e coragem que nunca seriam alcançados através da raiva.

O amor não era apenas um sentimento, mas também a origem de sua verdadeira força.

O poder proveniente dele também tinha o seu custo, exigindo dela um certo sacrifício pessoal, um sacrifício de sensibilidade, de abrir o seu coração para o medo de perder aqueles que ama, para a aflição de vê-los encurralados e para tristeza por tê-los machucados, sensações essas que nunca precisou sentir até aquele momento.

— Em troca de tê-lo ao meu lado e de um poder ainda maior, esse é um custo que estou disposta a pagar – conclui em pensamento, enquanto o camaleão se colocava de pé com os lábios ainda manchados de sangue, fazendo-a suspirar aliviada.

Jane salta de seu esconderijo, com a mão apertando fortemente o cabo da adaga enquanto ela tomava posse daquela verdade, reconhecendo e aceitando tudo o que sentia por Maximilian e também por Alec. Ela os amava, em intensidades e de modos diferentes, mas os amava e agora sabia o quão poderosa poderia se tornar por causa disso, por eles.

Até onde o amor poderia elevar a sua força? A vampira não fazia ideia, porém estava disposta a explorá-lo até o limite de sua vontade e querer, para levar ao chão qualquer um que ousasse ferir ou tocar naqueles que amava.


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Notas finais do capítulo

Especial de Natal (2/3)
Feliz Natal pessoal. Aproveitem bem a festividade, comam bastante (eu com certeza farei isso) e se divirtam com a nossa trinca de Natal em "Coração Gelado". Amanhã teremos a parte 3 deste presente de Natal.
Esse capítulo em especial foi difícil de escrever, mas espero que tenham gostado dele, porque a Jane se dar conta de que o amor a deixa mais forte do que a raiva é um passo importante para a sua evolução.



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