Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 36
A Franqueza do Sentimento




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Jane sentia que estava diferente. Olhando para o seu reflexo no espelho, localizado em um dos banheiros da casa de Maximilian, a vampira percebia que aquela não era mais Jane Volturi.

Sim, nitidamente ela não era. Apesar de novamente vestir as roupas do clã e carregar o brasão em seu pescoço, ela sabia que não poderia mais se chamar “Volturi” quando sua lealdade não estava mais com eles. Os olhos vermelhos que a fitavam do espelho pertenciam à pequena Jane, porque elas eram a mesma pessoa – apesar de passado e presente terem se desconectado no meio de sua segunda vida – e a pequena Jane nunca jurou fidelidade ao clã mais famoso do mundo imortal.

Agora, depois de uma longa jornada que ela nem sabia que estava trilhando até aquele instante, a vampira sabia exatamente quem foi e o que teve, quem se tornou e o que perdeu, e quem era e o que recuperara. Ela foi uma humana e teve um coração humano, tornou-se uma vampira e perdeu seu coração, mas agora ela recuperara a si mesma e era simplesmente “Jane”.

Seus olhos se desviam do espelho momentaneamente, encarando a adaga em suas mãos e buscando coragem para iniciar mais uma importante missão. Alec ainda estava em Volterra, no castelo que servia de esconderijo aos Volturis e sob a posse de Aro, e a ideia de deixar o clã sem levá-lo consigo era inconcebível. Ambos agora eram importantes para ela, Maximilian e Alec, e o orgulho de Jane não estava disposto a abrir mão de nenhum deles. Por isso ela voltaria para a Itália a fim de buscar o gêmeo.

Jane sentia que essa seria a tarefa mais importante e difícil de toda a sua existência, pois teria que fazer tudo sozinha, visto que o camaleão não poderia pisar em Volterra de novo. E se Alec se recusasse a ir? E se ele a considerasse uma hipócrita e traidora do clã, depois de tanto lhe cobrar que fosse leal? Ela temia que Alec não entendesse sua mudança, já que sequer tiveram chance de conversar sobre as suas recordações, mas se arriscaria mesmo assim, porque era Alec, o seu irmão, e ela não o deixaria para trás.

— O levarei nem que seja arrastado – conclui em pensamento, ajustando a adaga da família de Maximilian na cintura, como se ela fosse o seu novo “brasão” e representasse a sua lealdade a ele.

Jane sai do banheiro lentamente, caminhando até a sala e encontrando o vampiro sobre sua costumeira poltrona. Ele havia notado a sua movimentação e sabia de sua intenção de partir, e a vampira reconhecia isso somente por observar o olhar perdido em direção à janela, junto ao seu semblante de quem estava pensando um punhado de asneiras.

Seus olhares se cruzam assim que ela entra no cômodo.

— Pretende mesmo partir? – pergunta ele em tom de despedida, como se eles nunca mais fossem se ver caso ela passasse por aquela porta.

— Sim. Eu preciso voltar – responde somente, analisando o seu semblante e o questionando a respeito:— Em que besteira está pensando agora?

— Não é nada…

— Responda!

— Você vai ficar irritada. Você sempre fica brava quando falo sobre isso... – Ri levemente, não achando tanta graça na própria piada, mas tentando amenizar o clima estranho que se instalara entre eles desde o ataque de Andrômeda, no dia anterior.

— Só responda: em que besteira está pensando agora? – pergunta novamente, levando-o a se ajeitar na poltrona e morder o lábio inferior antes de responder.

— Estava pensando se em algum momento eu tive chance... – responde com sinceridade, e a vampira sabia exatamente sobre o que ele estava falando. – Fui até Volterra para reencontrar você e levá-la comigo, e entrei no clã com o intuito de fazê-la se lembrar de mim e de reconquistá-la… – Pausa, fixando os olhos nos dela antes de perguntar: – Alguma vez eu tive chance? Ou eu apenas me iludi de que poderia fazer isso?

A vampira abre a boca para responder, mas não pronuncia som algum. Ela havia mudado tanto em tão pouco tempo, será que ele não percebia aquilo? Será que ele não enxergava o reconhecimento nos olhos dela? Ou o amor que agora pulsava em cada célula de seu corpo? Por que ela tinha que pronunciar tudo aquilo em voz alta? Será que seu excesso de controle emocional estava impedindo-o de perceber o turbilhão que agora residia dentro dela?

Maximilian desfaz o contato visual com um sorriso amargo, interpretando o seu silêncio de forma torta e seguindo uma linha de pensamento que Jane não estava gostando. Ele estava perdendo as esperanças, ela podia ver isso nos ombros cabisbaixos e na falta de brilho em seus olhos. Todos os dias de um amor não correspondido pareciam o minar completamente, e a vampira sabia que ele precisava daquilo, precisava de uma resposta e precisava da verdade:

— Sim – começa com um sussurro, chamando a atenção dele no mesmo instante. – Você sempre teve chance… Entrando ou não no clã, você sempre teve chance… E o teve simplesmente por ser você, Max – confessa, engolindo em seco ao ver a perplexidade surgir no rosto masculino, que não ouvia os lábios dela pronunciarem o seu apelido há muitos anos.

Ele se levanta de seu assento com olhos arregalados e boquiaberto, não acreditando no que seus ouvidos captavam e muito menos no que o seu cérebro processava como verdade.

— Jane, você se lembrou de mim? – pergunta perplexo, com a esperança novamente brincando em seu olhar, renascendo das cinzas de sua mágoa como a fênix.

— Lembrei – admite, olhando para os lados por não saber como deveria reagir naquela situação tão embaraçosa, enquanto falava sobre coisas que ela não sabia exatamente como lidar. Era muito mais fácil sentir tudo aquilo do falar, muito mais fácil pensar do que colocar em palavras. Contudo, Maximilian não conteve o sorriso e a satisfação diante de sua resposta, e Jane secretamente achou que aquela era a melhor expressão dele.

— Quando? Como?

— Já faz algum tempo. Foram apenas algumas recordações, mas suficientes para me lembrar do que realmente importava, para me dizer quem eu era e quem você era…

— Você se lembra de sua promessa? – questiona logo em seguida, aproximando-se dois passos e fazendo-a perceber que estava conseguindo, que ela estava atiçando a esperança em seu interior e o fazendo abandonar a ideia de desistir daquele amor, de desistir dela. A promessa o movera até Volterra e o mantivera naquele clã, e agora aquilo se tornara tão importante para ela quanto era para ele.

— De cada palavra – diz com convicção, olhando-o nos olhos para que ele não tivesse como duvidar de sua resposta.

Maximilian leva ambas as mãos aos cabelos, sentindo a felicidade se espalhar por seu corpo e inundar o seu peito. Ele esperou por aquele momento por tanto tempo, desejou ouvir aquelas palavras por tanto tempo, que sequer sabia o que fazer agora que o momento tinha finalmente chegado. Jane se lembrava dele e se lembrava de sua promessa, e o camaleão constatou que nunca tinha sentido tanta satisfação em toda a sua segunda vida…

Faltava apenas uma coisa para que estivesse a ponto de explodir de felicidade, apenas uma pergunta que nunca fora feita e cuja resposta significava tudo para ele. O vampiro encara o semblante embaraçado de Jane, que não parecia a vontade para falar sobre todas aquelas coisas, mas cujos olhos o estudavam com interesse. E então a pergunta surgiu, na ponta de sua língua, necessitando apenas de um grama de coragem para ser pronunciada:

— Jane, você me ama?

— Sim – responde prontamente, alto e forte o bastante para mostrar sua convicção, como se ela já estivesse esperando por tal questionamento. E aquilo soou como música para os ouvidos de Maximilian, que finalmente compreendeu tudo o que vinha acontecendo entre eles nas últimas semanas.

O olhar de reconhecimento, a forma amena com que o vinha tratando, a súbita certeza de que ele não morreria e a forma com que lutou por ele, na emboscada e contra Andrômeda, preocupando-se também com seus ferimentos e sua sede. Nada foi obra do acaso. Todos os detalhes pareciam estar carregados de significado desde o começo, representando a memória e o sentimento que retornavam pouco a pouco, culminando naquele instante e naquela calorosa conversa.

Jane o amava assim como ele a amava, e Maximilian sentiu-se abençoado pela sua imortalidade pela primeira vez.

— Quero muito te beijar agora, mas não sei se devo fazê-lo, porque da última vez você ficou bem irritada— revela ele, com o corpo inteiro pulsando de ansiedade e felicidade.

— Então me beije! – manda ela com autoridade, colocando as mãos na cintura como se lembrava de ter visto a sua versão infantil fazer. O reconhecimento atravessa o semblante de Maximilian subitamente, denunciando que ele também se recordava daquele mesmo fragmento do passado, daquele momento na praia.

— Você é mandona, Jane – diz com um sorriso torto.

— Se não me beijar agora, não vai beijar nunca mais! – ameaça com o mesmo sorriso, impulsionando-o a obedecer no mesmo instante, pois nada mais o afastaria dela.

Jane sentiu a adrenalina percorrendo todo o seu corpo quando ele a tocou, tomando os seus lábios e colando os seus corpos com profunda intimidade, mostrando que eles não somente se conheciam, mas que se pertenciam. Maximilian envolve sua cintura e sente as mãos femininas segurarem os cabelos de sua nuca, além de sentir a alegria vibrando em seu peito, como se as coisas finalmente estivessem sendo colocadas nos eixos depois de muito tempo.

Eles se separaram na infância e não se reencontraram mais em vida. Maximilian pensou que ela estivesse morta e não viu mais sentido em existir. Contudo, após muitos anos de uma existência sem sentido, ele a reencontrou… E depois de muito insistir, e lutar, e se ferir, o camaleão finalmente tinha a sua Jane nos braços novamente.

As mãos de Maximilian descem de repente, segurando-a pelas coxas e a impulsionando para cima, fazendo a vampira envolver sua cintura com as pernas instintivamente. O contato dos lábios não cessou em nenhum momento, enquanto o camaleão caminhava em direção a parede mais próxima e a prensava ali, fazendo Jane esquecer-se momentaneamente do que pretendia fazer antes daquela conversa começar.

Ela o amava e sabia que o sentimento não era pouco. O seu cheiro, o seu calor, os seus lábios e carícias, tudo isso parecia ter sido feito sob medida para enlouquecê-la, para mexer com seus instintos e desejos, e para fazê-la querê–lo para sempre.

— Você é bom nisso – sussurra Jane quando o beijo é finalmente interrompido, fechando os olhos enquanto sentia os lábios dele passando pelas laterais de seu rosto, numa pequena e singela carícia.

— Eu tive muito tempo pra praticar! – comenta maldosamente, fazendo a vampira fechar o semblante numa carranca e puxá-lo pelos cabelos para que pudesse encará-lo, zangando-se somente por imaginá-lo beijando outra pessoa que não ela. Maximilian ri, esboçando toda a sua alegria por tê-la ali, ao mesmo tempo em que suas mãos deslizavam por suas coxas em direção à cintura, acidentalmente batendo na adaga que estava presa ao seu cinto.

Ambos os vampiros ficam sérios de repente, como se o pequeno esbarrão houvesse estourado a bolha em que eles se encontravam. Maximilian se afasta lentamente, permitindo que Jane descesse de seu colo para que pudesse observar o objeto, lembrando-se do que ela estava prestes a fazer momentos antes. Será que ela ainda partiria? Será que escolheria o clã em vez dele, depois de tudo? Será que tudo aquilo não passara de uma patética despedida? Um prêmio de consolação para o idiota que achou que venceria os Volturis?

— Fique comigo, Jane – pede ele com olhos clementes, fazendo-a engolir em seco ao compreender as ideias erradas que novamente atravessavam sua cabeça. Depois de tudo, estava cada vez mais fácil ler o semblante de Maximilian.

— Ficarei – admite, tocando o rosto masculino com a ponta dos dedos e sabendo que nada a faria mudar de ideia –, mas deixei algo importante em Volterra e preciso pegá-lo de volta…

— Alec! – constata rapidamente, lembrando-se que os gêmeos não seriam os mesmos se um deles estivesse faltando. O alvo de tudo o que fazia sempre foi Jane e o vampiro sentiu-se um tolo por esquecer-se que ela jamais aceitaria deixar o irmão para trás. – Eu irei com você…

— Não! – corta rapidamente. – Já foi difícil o bastante manter você vivo com Andrômeda por perto, não sei se conseguirei fazer o mesmo com um clã inteiro! Fique aqui e me espere…

Jane leva ambas as mãos até a gola de seu vestido preto, introduzindo os dedos em seu interior e puxando a corrente dourada do relicário que estava escondido sobre suas vestes. Ela retira a joia de seu pescoço e segura a mão direita de Maximilian, depositando a peça antiga sobre a sua palma e fechando os seus dedos sobre ela, como um claro sinal de que deveria guardá-la.

— Isso está parecendo uma despedida – diz ele, lembrando-se que foi com um gesto parecido que eles se despediram da última vez.

— Porém, não o é. Essa joia é minha e eu retornarei para buscá-la.

— Isso é uma promessa?

— Sim, é uma promessa! – confirma com firmeza, girando em seus calcanhares em seguida e caminhando até a porta. Ela se prende ao batente por alguns minutos, virando-se para ele a fim de enfatizar a sua ordem anterior: – Fique aqui, nesta casa, e me espere… Se me desobedecer, vou machucar você!

— Você vai me fazer perder toda a diversão.

— Tê-lo tão próximo da morte não foi divertido – esbraveja, estreitando os olhos, permitindo que ele soubesse o que ela realmente temia.

— Certo – diz, apesar de não deixar claro sobre o quê, exatamente, estava concordando.

— Fique aqui! – comanda pausadamente, saindo da casa na sequência, não se dando conta de que ele não repetira a confirmação ao seu comando.

Maximilian compreendia o temor de Jane e sabia que ela estava apenas tentando protegê-lo, já que Aro claramente o jurou de morte. Apesar de saber lutar e ter um poder capaz de bloquear poderes que pudessem feri-lo, o vampiro não era invencível e poderia ser facilmente derrotado pelos Volturis, que sempre estiveram em maior número.

Contudo, saber que seu amor era correspondido parecia incendiá-lo por inteiro, energizando os seus músculos e o fazendo querer gritar o quanto a amava. Tudo o que passava por sua mente ao pensar em Volterra, era no quanto Aro precisava saber daquilo. Ele tinha que esfregar na cara de seu ex-mestre a sua imensa vitória, mostrar que o amor venceu e que Jane finalmente tinha se libertado das amarras que ele colocara sobre ela quando a transformou.

O camaleão não se vestia como um motoqueiro dos tempos rebeldes a toa, se vestia assim porque frequentemente tinha lapsos de rebeldia, que o levavam a desobedecer todas as regras e simplesmente seguir o seu coração. E, naquele instante, seu coração lhe dizia que deveria retornar também.

Ele sabia que, para onde a sua gêmea fosse, Alec também iria, o que significava dupla derrota para o clã Volturi. E com ambos os vampiros ao seu lado, nada poderia atingi-lo caso uma luta estourasse repentinamente.

Com tais pensamentos em mente e o amor por Jane pulsando fortemente em seu interior, o camaleão esperou quase uma hora após a partida da vampira, colocou o relicário no pescoço e seu antigo brasão Volturi no bolso do casaco, trancou a casa e a seguiu de volta para a Itália.


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Notas finais do capítulo

Especial de Natal (3/3)
Presente no dia 26 siiiiiiim, porque presente "atrasado" ainda é presente, hahaha. Espero que tenham gostado desta trinca de Natal e que isso tenha tornado a festividade de vocês ainda mais alegre.



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