Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 26
O Relicário da Despedida




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Quase uma semana se passou desde que os vampiros chegaram à Box Hill, e Jane não poderia considerar a convivência mais estranha. Todas as manhãs, Maximilian deixava a casa para aumentar a trilha de seu cheiro, às vezes passando pelo centro da cidade, às vezes indo até a cidade vizinha, e depois retornando para sua residência, onde o seu aroma humano já estava impregnado em cada centímetro de terra.

Seu cheiro a entorpeceu no início, arranhando sua garganta e preenchendo seu interior com uma vontade anormal de mordê-lo. Contudo, depois que saíram para caçar juntos e ela viu-se plenamente saciada, Jane passou a sentir certo conforto em ter o aroma de Maximilian ao seu redor.

A vampira também aproveitou-se de suas saídas para remexer em seus pertences e ver novamente os seus desenhos, que julgou ser uma parte importante dele depois do chilique que dera na primeira vez em que os bisbilhotou. E com todas essas experiências, ela conseguiu aprender algumas coisas sobre novas sobre ele: (1) Maximilian era um artista impressionante; (2) ele guardava antiguidades de sua família e vida humana, para compensar o fato de não se lembrar deles; (3) ele tentou se lembrar de sua fisionomia desde o dia em que se transformou; (4) ele era bom para encobrir rastros de sua caçada; (5) ele gostava de roupas que o faziam parecer um motoqueiro jovem e rebelde; (6) ela achava que o camaleão ficava realmente bem naquelas roupas; e (7) ele gostava de ficar em sua companhia e, vez ou outra, repetia que a amava, mesmo que ela nunca soubesse o que dizer em resposta.

Porém, depois de uma semana, os dias começaram a ficar bastante iguais para os vampiros. Depois que Maximilian retornava de suas trilhas, ambos não faziam absolutamente nada, apenas se sentavam e aguardavam por algum sinal de vida de Andrômeda e isso era entediante. Não demorou muito para que o camaleão começasse a usar o tempo ocioso para limpar os cômodos da própria casa, dando-lhe um aspecto mais limpo e reconfortante.

Jane não moveu um dedo para ajudá-lo, é claro, pois ninguém a obrigaria a fazer algo que não queria. A vampira preferia ficar ali, observando-o trabalhar e fazendo uma ou outra pergunta, quando um objeto chamava a sua atenção. E Maximilian tampouco se importou em fazer tudo sozinho, gostando de ocupar a cabeça com algo que não fosse a chegada de sua criadora ou a sua morte iminente.

Aquela altura, ambos já haviam se acostumado a ver um ao outro com roupas comuns aos mortais, e o camaleão mostrara ter um gosto bem neutro para comprar roupas femininas, proporcionando a Jane uma série de peças simples, mas que não a faziam parecer uma palhaça estampada.

A vampira gostava da forma com que as blusas de manga comprida moldavam os músculos de Maximilian, deixando-o particularmente atraente, apesar de nunca admitir tal coisa em voz alta. Ele, por sua vez, havia adorado ver Jane de jeans, já que a peça delineava as suas curvas de uma forma que os vestidos não faziam e a deixavam bastante sexy, mas tinha que ficar atento para não ser pego a encarando demais ou acabaria levando um soco.

Depois do que a vira fazer a Demetri, mesmo com a ausência de seus poderes, o camaleão sabia que ela poderia socá-lo com êxito se quisesse.

E falando em poderes, este era um ponto que o vampiro começava a repensar depois de passar tantos dias ao lado dela. O bloqueio de seus poderes era um mecanismo de defesa de seu dom, que fazia de tudo para protegê-lo do perigo que o rodeava, porém, por usufruir de uma convivência tão boa com Jane, Maximilian começava a cogitar a ideia de desligar a sua proteção definitivamente.

Todas as vezes que ele se afastava demais da casa e a vampira saía de seu campo de bloqueio, os poderes dela retornavam instantaneamente, mas ele sabia que não era a mesma coisa, que eles estavam naquela missão juntos e que não poderia mantê-la bloqueada como se estivesse numa coleira… Se Andrômeda aparecesse de repente, Jane precisaria de seus poderes para enfrentá-la, visto que ele se tornaria um peso morto naquela batalha rapidamente. Sim, ele realmente precisava fazer algo a respeito daquilo.

Era nisso que ele pensava enquanto limpava a sala certa noite, retirando um quadro da parede e encontrando uma pequena portinhola escondida debaixo dele, lacrada com um minúsculo cadeado. Ele não mexia naquele pequeno esconderijo há décadas e fica surpreso em saber que aquilo ainda estava protegido.

— Oh! O que temos aqui!

Maximilian estoura o cadeado com um único puxão, atraindo a atenção de Jane para o local que deveria servir de esconderijo para coisas importantes. Ela se aproxima sorrateiramente de suas costas, trajando uma calça jeans escura e uma blusa azul de mangas compridas. Seus cabelos continuavam presos, obviamente, mas o camaleão não ligava, a considerando bonita independente do que resolvesse vestir ou que penteados fazer.

Ele abre o pequeno compartimento, apanhando o único objeto que estava escondido ali, sorrindo ao reconhecer o que era: um pequeno relicário medieval.

— Isso era seu – revela, virando-se em direção a Jane e tomando sua mão direita para depositar a pequena joia sobre sua palma.

A vampira ignora o toque do camaleão em sua pele, não o considerando nem prazeroso e nem desagradável, e examina a pequena peça de ouro com cuidado, abrindo seu compartimento e encontrando um minúsculo ramo seco em seu interior.

— Lavanda! – reconhece instantaneamente, ouvindo o som de gargalhadas infantis soarem em sua mente pouco antes da névoa branca de suas lembranças encobrirem os seus olhos mais uma vez.

Imagens turvas de Maximilian e Alec correndo da pequena Jane surgiram diante de seus olhos, em uma brincadeira de pega-pega. Eles estavam num grande jardim, não dava para ver as formas exatas de suas flores e plantas, mas a vampira tinha certeza de onde estavam: o elegante jardim da residência do pequeno Max.

Os meninos se separam para tentar confundi-la, mas a menina já estava decidida sobre quem pegaria e não desacelerou um único passo ao virar para a esquerda atrás de Maximilian, que se escondia no pavilhão do bebedouro.

A pequena Jane para antes de alcançar entrada, sentindo toda a excitação da caçada energizando os seus pequenos membros. A silhueta embaçada de Jane cuidadosamente espia o pavilhão, vendo que o garoto estava ali, a espreita.

Ela recua, aguardando, olhando instintivamente para baixo e vendo uma bonita flor roxa na beirada do canteiro. A vampira não precisava pensar muito para saber o que era: lavanda, e não se surpreendeu quando sua versão infantil quebrou um pequeno ramo da planta e o guardou dentro de seu pequeno relicário, uma joia de ouro dada por Maximilian no dia de seu aniversário.

A pequena Jane espia o pavilhão mais uma vez, vendo que o menino apoiado sobre o bebedouro, na ponta dos pés para alcançar a água e saciar a sua sede, finalmente tornando-se distraído e um alvo fácil. E enquanto ela se aproximava, a vampira estudou o tamanho e o formato daquele lugar, reconhecendo aquela figura embaçada como sendo o mesmo bebedouro que Maximilian desenhara quando ainda era humano.

Aquele lugar havia se tornado importante para ele por algum motivo.

Jane assistiu as cenas seguintes com atenção e curiosidade, o que havia acontecido naquele lugar para que o pequeno Max tentasse desenhá-lo mais tarde? A pequena Jane se aproxima sorrateiramente pelas costas do menino, apoiando-se sobre o bebedouro da mesma forma que ele, aproveitando-se do embalo para curvar-se sobre Maximilian e beijar os seus lábios de surpresa.

— Impossível! – diz em voz alta, retornando a si e chamando a atenção do camaleão, que recolocava o quadro limpo na parede e mal notara a sua viagem mental ao passado. A vampira balança a cabeça levemente, clareando a mente e tentando contornar a situação estranha em que se colocara: – Se isso era meu, o que estaria fazendo aqui? – pergunta de forma petulante, tentando parecer incrédula para que ele não percebesse a adrenalina que contagiava todo o seu corpo, devido à lembrança daquele beijo.

— Você me deu quando eu fui embora... – responde de forma evasiva, fazendo Jane deitar a cabeça levemente para o lado, interessada.

— Por que você foi embora? – pergunta ela, girando a joia rapidamente entre os dedos e olhando firmemente para os olhos dele, para que seus próprios olhos não ficassem encarando demais os lábios masculinos.

— Minha família se mudava de tempos em tempos, por causa do trabalho de meu pai. Foi em uma desses mudanças que conheci você e Alec... E que me apaixonei por você – completa num sussurro, temendo irritá-la com a informação adicional. – Não tinha muito que eu pudesse fazer para impedir a mudança, afinal, era só um menino... Então você me deu o seu relicário no dia em que nos despedimos, para que eu nunca me esquecesse de você.

Maximilian pensou em acrescentar que, exatamente naquele dia e naquela despedida, foi que ela lhe fez a promessa mais importante de sua vida, mas se calou, preferindo deixar a explicação como estava, já que não lhe restava mais tempo para tentar fazê-la se recordar dela.

— Plausível – comenta ela, enquanto colocava o relicário ao redor do pescoço e o escondia por debaixo da blusa azul.

— Você se lembra disso? – questiona ele, com um resquício de esperança passando por seus olhos vermelhos.

— Eu não disse que me lembrei de você, disse que a explicação é plausível – responde secamente, temendo que o camaleão visse o quanto ela já tinha lembrado sobre ele e o quanto aquelas recordações a estavam incendiando por dentro.

Jane viu a esperança dos olhos dele desaparecer e um Maximilian completamente mudo retornar ao seu trabalho de limpeza. Ela não intencionava machucá-lo, mas o fizera mesmo assim, e isso acarretou uma pontada de incômodo no fundo mente.

A vampira havia se lembrado dele e descobrira que um dia o seu "eu do passado" o beijou. Não lembrar-se da promessa era irrelevante para ela, afinal, todas as outras recordações tornavam óbvio a ligação entre os seus passados. Contudo, sua lealdade ainda era com o clã e nada poderia se colocar em seu caminho, nem as lembranças, nem o passado e nem o camaleão. Mesmo que acreditasse em suas palavras e pudesse sentir certa "empatia" pelo vampiro, Jane jamais revelaria o que estava lhe acontecendo.

As lembranças eram dela e com ela ficariam. Ponto final.

— Está nevando! – comenta Maximilian mudando de assunto, aproximando-se da janela mais próxima e vendo o solo começar a ficar branco. – Isso vai destruir minhas trilhas... Terei que começar o trabalho tudo de novo amanhã – reclama com um suspiro, vendo todo o seu esforço ser jogado fora com o inverno que começava a se intensificar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)
No próximo capítulo teremos outro especial do Alec, para mostrar um pouco de como ele está se sentindo sem a Jane e para deixar algumas coisas preparadas para o encerramento da história... Não, "Coração Gelado" ainda não está no fim, mas estamos nos encaminhando para ele. :)



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