Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 15
Lidando com Heidi




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Dois dias depois do tenso evento da biblioteca, Maximilian já estava cheio de Heidi.

Com exceção dos momentos em que a vampira trabalhava na recepção do castelo, organizando excursões que terminariam em um grande banquete, ela permanecia o restante do tempo no interior da construção, conversando com os membros mais comunicativos da Guarda ou ouvindo música na privacidade de seu quarto. Entretanto, um novo hobby se instalou em sua rotina desde que falara com Jane pela última vez: perseguir incessantemente o camaleão.

Maximilian entra na cozinha do castelo pela primeira vez. Ele sempre soube que ela existia, mas nunca tivera necessidade de estar ali até aquele momento, afinal, ele não precisava comer. A cozinha possuía um aspecto estranhamente limpo e conservado, apesar de nunca ser usado, e o vampiro julgou que o local deveria ser parte do trajeto das excursões – pelo menos, das excursões que não terminavam em morte.

Ele sentou-se em uma das cadeiras e respirou fundo. Será que Jane se sentia tão irritada, quando ele a seguia, quanto estava se sentindo agora? Heidi não o deixava em paz um segundo sequer, sempre o perseguindo e tentando seduzi-lo. Maximilian era aparentemente mais novo do que ela, mas, pelo que pudera notar, a vampira gostava de rostinhos novos como o dele.

O vampiro não era idiota, havia percebido o interesse dela há muito tempo, porém, somente agora ela realmente resolvera “investir” nele, e ele não entendia o motivo daquele estranho comportamento. Entretanto, por mais bonita e interessante que ela fosse – ou tentasse ser –, sua preferência por Jane não mudava.

— Talvez tenha que colocar tudo em pratos limpos, no fim das contas. – pensa ele com seus botões, com os olhos fixos em um ponto vazio na parede. – Algumas pessoas não entendem indiretas, sendo necessário usar todas as letras!

Aquilo seria bastante embaraçoso, ele tinha que reconhecer. Heidi era uma vampira legal, mas escolhera a pessoa errada para seduzir, alguém que já tinha o coração e a mente preenchidos por um amor de longa data, e que não o trocaria por nada. Ele nunca a corresponderia e nunca teve intenção de fazê-lo.

— Então você está aqui – diz Heidi quebrando o silêncio, fazendo o camaleão suspirar com impaciência.

— Precisava de um lugar calmo para pensar! Como me achou?

— Demetri o rastreou e eu segui suas orientações – explica ela, fazendo o vampiro crispar os lábios, sabendo que o rastreador estava fazendo aquilo de propósito.

— Isso precisa parar, Heidi – começa ele, levantando-se e fechando o semblante para mostrar que falava sério.

— Do que está falando?

— Disso. – Faz um movimento circular com o dedo. – Essa coisa de ficar me seguindo. Eu não posso lhe dar o que quer, e não vou lhe dar o que quer, mesmo que insista!

— Você persegue Jane, eu sei, todo mundo sabe! – lança Heidi com uma carranca.

— É mais do que perseguir, Heidi. Eu a amo desde muito antes da minha transformação, e esse sentimento nunca me deixou, sendo forte o bastante para cruzar a linha da imortalidade juntamente comigo…

— Ela não o quer, me disse isso pessoalmente.

— Tudo bem, eu… – Pausa, sentindo-se afetado pela verdade que Heidi esfregava em sua face. Por mais que percebesse aquilo, falar em voz alta parecia tornar tudo ainda pior, porém, ele manteve o semblante firme ao continuar: – Não é como se eu já não soubesse. Jane não se lembra de mim, mas tenho esperanças de que isso mude…

— Você é tão tolo quanto Renata, que se prende aqueles livros de romances estúpidos. Jane não vai lhe corresponder nunca, porque ela não sente nada por ninguém. Ela não tem coração!

— E nem eu irei lhe corresponder, porque meu coração pertence a ela.

— Nem mesmo por uma noite? Não quero que se apaixone por mim, quero apenas um momento de curtição com você. – Aproxima-se, espalmando as mãos no tórax de Maximilian e deslizando-as para baixo até tocar no cós de sua calça.

— Não, nem mesmo isso – responde somente, afastando-a lentamente, pensando em acrescentar alguma coisa, mas não querendo dizer nada que pudesse deixá-la com ainda mais raiva. Seu coração pertencia a Jane e ponto final, isso era o que bastava para recusar qualquer outra, e era isso o que iria lhe dar como resposta.

— Isso quer dizer que não me deseja? – questiona novamente, fazendo o camaleão suspirar com sua insistência. – Qualquer um pode mudar de ideia com o estímulo certo!

Heidi se aproxima do vampiro novamente, com os olhos cravados nos dele como um felino encurralando um pequeno rato. O camaleão recua alguns passos para evitar a proximidade, esbarrando na cadeira que estava sentado anteriormente e instintivamente olhando para trás. E aproveitando a brecha que lhe foi aberta, a vampira acelera o passo, empurrando-o contra o assento e rapidamente sentando-se em seu colo.

Naquela tarde ela trajava um vestido preto, que subira consideravelmente quando ela sentou-se de frente para ele, deixando toda a sua coxa exposta. Em contrapartida, Maximilian colou as mãos no encosto da cadeira, temendo tocá-la acidentalmente e ser mal interpretado, sentindo-se tolo por ter caído em uma cilada como aquela. Tudo em sua mente dizia que aquilo era errado, que aquela não era Jane, que ele não deveria encostar nela, contudo, o vampiro sentiu-se encurralado o bastante para não saber como sair daquela situação.

— Heidi, pare! Saia de cima de mim!

— Faça-me sair, se não está gostando – desafia, segurando os ombros do camaleão e aproximando-se da gola “V” de sua camisa, lambendo-o da clavícula até a orelha, fazendo um arrepio subir pela coluna dele.

— Heidi, estou tentando fazer isso da melhor forma possível. Eu não quero dormir com você! Se quer um momento de diversão, deveria procurar outro vampiro…

Ela ri com seu desespero, sentindo-se motivada a ir além até fazê-lo mudar de ideia, esboçando o seu semblante mais sedutor e se aproximando do rosto masculino a fim de beijá-lo.

— Não! – recomeça Maximilian assim que percebe sua intenção, soltando as mãos da cadeira e agarrando a cabeça da vampira pelas laterais, impedindo-a de se aproximar mais. – Eu já disse para parar! – ordena com mais força, sentindo a voz soar autoritária devido aos seus instintos, que apitavam como sirenes de uma ambulância em sua cabeça e já ativavam sua camuflagem numa tentativa de “afastar o perigo”.

Repentinamente, Heidi sentiu o seu corpo voar para fora do colo de Maximilian e ser prensado contra a parede mais próxima. Seu rosto raspava contra a parede de pedra e seus olhos piscaram duas ou três vezes antes de reconhecer o gêmeo Volturi atrás de si, prendendo-a naquela desconfortável posição.

— O que está fazendo, Alec? – pergunta irritada.

— Acho que o líder da Guarda a mandou parar! – exclama Jane da porta do cômodo, chamando a atenção de ambos para a sua presença forte.

— E o que isso tem a ver com vocês dois? Solte-me agora mesmo, Alec!!! – esbraveja, sendo libertada somente depois de Jane fazer um sinal positivo de cabeça para o irmão.

— Meu trabalho, como segunda na cadeia de comando, é fazer com que a ordem do camaleão seja cumprida. Ele a mandou parar e você vai parar! – menti Jane descaradamente, mantendo o rosto sério para tentar fazer a pontada de irritação em sua voz passar despercebida.

— Ninguém te colocou como colíder!

— Eu coloquei – diz Maximilian rapidamente, confirmando a mentira e irritando Heidi ainda mais. – Eu avisei naquele dia, na biblioteca, que ela ainda é minha favorita. – Pausa, levantando-se da cadeira e aproveitando a oportunidade para se afastar dela o máximo possível, desligando sua camuflagem antes que seu cheiro pudesse afetar Jane ainda mais. – Jane é experiente, seria tolice de minha parte não colocá-la como meu braço direito.

— Vai mesmo fazer isso? – lança para Maximilian. – Nós estávamos nos divertindo!

— Não estávamos não, você estava… Eu já lhe disse o que penso a respeito.

— Você queria aquilo? – questiona Jane secamente, interrogando-o e torcendo para não soar tão irritada quanto se sentia.

— Não.

— A mandou parar?

— Sim.

— Então ela deve ser punida – declara a vampira, simplista, fazendo Alec estalar o pescoço duas vezes e os olhos de Heidi se esbugalharem de medo. Ela não era uma vampira “de ação” no fim das contas, e apavora-se com qualquer coisa que pudesse lhe causar dor.

— Não a machuquem. Deixem-na ir – pede Maximilian, mais para Jane do que para Alec, que esperou o aval da irmã para conceder tal livramento a Heidi.

Jane troca o apoio dos pés ponderando suas opções, um hábito que adquirira sabe-se lá onde e sabe-se lá em que época, mas que não conseguia se livrar, pois o fazia inconscientemente. E após alguns segundos, ela chegou a uma conclusão e libertou a vampira com outro leve aceno de cabeça.

Heidi passa pelos vampiros rapidamente, sem trocar olhares ou palavras com nenhum deles. Em seu interior, raiva e humilhação se misturavam, pela intromissão dos gêmeos e pela rejeição de Maximilian. No fundo, ela sabia que aquilo ia passar, pois não era uma pessoa rancorosa ou vingativa, mas, até que isso acontecesse, ela abraçaria aquela odiosa mistura de sentimentos e amaldiçoaria o camaleão à morte final.

Maximilian sente-se incomodado de repente. Os gêmeos o flagraram em um momento comprometedor e parte de seu cérebro temia que Jane interpretasse tudo aquilo de forma errada. Ele a amava e não queria que houvesse dúvidas sobre aquilo, por isso, assim que Heidi se retirou da cozinha, ele tentou se justificar:

— Jane, eu…

— Minha dívida está paga! – O interrompe secamente, referindo-se ao incidente com Demetri e fazendo um sabor amargo dominar o paladar do camaleão. Ela não queria ouvir as explicações dele, queria apenas colocar um ponto final em algo que ela mesma desencadeara.

— Não ajudei você para que ficasse em débito comigo…

— Que seja! – encerra, dando as costas e saindo logo atrás de Heidi.

— Ela não gosta de dever favores a ninguém – comenta Alec, assim que achou que era seguro, soltando uma leve risada. – Foi divertido fazer isso. Você viu a cara de pavor dela? – continua, iniciando uma pequena conversa sobre o ocorrido e a ideia que Jane tivera de seguir Heidi para pagar um débito, porque ela sabia que a vampira iria atrás dele.

Minutos depois, já na ala dos dormitórios, Heidi entra em seu quarto como um tornado e fecha a porta com força, estranhando ao não ouvi-la bater contra o batente. A vampira se vira e encontra Jane ali, em seu pequeno espaço particular, mantendo a porta aberta e encarando a tudo como se nada estivesse a sua altura. Ela nem sabia que estava sendo seguida e não tinha gostado da surpresa.

O quarto de Heidi refletia bem o seu gosto por música, como Jane imaginou que seria. Além da escrivaninha, cama e guarda-roupa – objetivos padrão em todos os quartos –, Heidi tinha dezenas de prateleiras pregadas nas paredes, que acomodavam discos antigos e CDs dos mais variados cantores e ritmos. Em sua escrivaninha a vampira mantinha uma vitrola antiga, um som moderno e quatro iPods repletos de músicas digitais, além de três modelos de fones de ouvido.

Mesmo que aquela decoração não lhe interessasse, Jane a observou com atenção, apenas para ter tempo de controlar a fúria em seu interior.

— O que está fazendo no meu quarto? – questiona Heidi, colocando as mãos na cintura.

— O mesmo que foi fazer no meu: entrar sem bater! – lança Jane de repente, deixando explícito que não estava de bom humor e que aquela conversa não seria amigável.

— Você ouviu o Maximilian, não é para me punir.

— Não vim para puni-la…

— Então o que veio fazer aqui?

— Eu não vim para puni-la, dessa vez— repete, dando ênfase nas últimas palavras e arqueando as sobrancelhas para evidenciar sua ameaça –, mas o farei na próxima, se fizer aquilo de novo!

Quando Heidi deixou o seu quarto naquele dia, após a estranha conversa sobre Maximilian, Jane sentiu raiva ao imaginar a vampira seduzindo-o, tomando o seu cheiro e o seu sangue para si. Contudo, a parcela de raiva que sentiu naquele instante estava longe de retratar a que sentira ao realmente ver o camaleão nos braços dela.

Ver for muito pior do que imaginar.

Ela pretendia pagar o seu pequeno débito com o vampiro afastando Heidi, porque odiava dever favores e odiava, mais ainda, dever algo para Maximilian. Contudo, quando a seguiu – mantendo certa distância para que ela não notasse a perseguição –, não imaginou que encontraria aquela cena. Uma intensa fúria se apoderou de Jane naquele momento, como um vulcão que estremece a terra antes de explodir em lava, quando viu a vampira sobre ele, acariciando-o e buscando ainda mais intimidade, sentindo o cheiro que era dela.

Heidi tentou beijá-lo, e seduzi-lo, e tocá-lo.

E Jane desejou machucá-la, lenta e intensamente, até que mais nada saísse de seus lábios a não ser os gritos de agonia.

— Não haverá uma próxima vez, ele já deixou bem claro o seu desinteresse! Eu só não entendo o motivo de você estar fazendo isso – diz Heidi se aproximando, mantendo o contato visual com a vampira como se tentasse retirar a resposta de dentro deles. – Para que se dar ao trabalho de defendê-lo, se não tem interesse nele? Algo mudou?

— Nada mudou.

— Então por que…

— Eu não quero que se aproxime dele de novo.

— Ah, entendi. Jane Volturi é do tipo “não é meu, mas também não será de mais ninguém” – constata Heidi, afastando-se e caminhando para sua extensa estante de CDs. – Não se preocupe, não perderei mais meu precioso tempo com ele, apesar de achar que Maximilian se arrependerá em breve e virá correndo para mim, por livre e espontânea vontade…

Heidi lança-lhe uma olhadela, apesar para verificar se suas palavras causaram algum efeito. Contudo, Jane esboçava o seu mais perfeito semblante de “eu não dou a mínima, apenas me obedeça e fique longe dele!”.

A gêmea sabia que aquele sentimento era estranho e injustificado. Uma parte de sua mente dizia que o camaleão era um idiota e que deveria se manter longe dele, enquanto a outra parte reclamava o sangue e o cheiro de Maximilian para si, não querendo que nenhum outro vampiro o tomasse antes dela. Aquilo fazia algum sentido? Não, não fazia, mas Jane não ligava.

Se ela não queria ninguém o tocando daquela forma, ela esperava ser obedecida.

Sentir a sede açoitando o fundo de sua garganta também não ajudava em nada. Os instintos do camaleão tentaram protegê-lo de Heidi através de sua camuflagem, e ela sentiu o seu delicioso cheiro humano assim que chegou na porta da cozinha. Ela estava conseguindo manter o controle antes daquilo, mas toda aquela situação fez a queimação em sua garganta recomeçar e isso aumentou a sua raiva.

— Ótimo! – responde somente, virando-se calmamente e se retirando do aposento, ainda sentindo um intenso desejo de machucá-la e torcendo para que Heidi tentasse se aproximar do camaleão novamente, apenas para que pudesse feri-la sem quebrar o acordo que ela mesma havia proposto.

 


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Notas finais do capítulo

Voltando a nossa programação normal :)
Esse capítulo foi mais neutro, apenas uma ponte para os acontecimentos futuros.



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