Coração Gelado escrita por Jane Viesseli


Capítulo 16
Notte Rossa




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Naquela mesma tarde, quando Jane se afastou do quarto de Heidi, seu caminho cruzou com o de Renata, que mais uma vez bancava a “garota de recados” e convocava a todos para a sala dos três tronos, a mando dos três mestres. Isso mudou os planos da vampira de se manter reclusa pelo resto da noite, e ela precisou de três respiradas profundas para se certificar que sua sede estava sob controle, antes de rumar para o grande salão.

Renata seguiu adiante em sua medíocre tarefa, percorrendo todo o castelo atrás dos membros que a compunham, suspirando aliviada ao entrar Alec junto a Maximilian, pois assim poderia dar o recado de forma genérica, sem lhe dirigir a palavra tão diretamente.

Eles não haviam se falado mais depois daquele estranho dia de conversa, o que trazia alívio para ambos, pois Renata nunca trocou mais do que algumas palavras com cada um deles e seria estranho que isso mudasse de uma hora para a outra. Além disso, Alec esperava que a distância e o silêncio os ajudassem a esquecer aquele acidental – porém gostoso – beijo que trocaram. Ele não tinha contado aquilo para ninguém.

A Guarda Ofensiva e Defensiva do clã Volturi se reúnem na sala dos três tronos com a mesma rapidez que a vampira escudeira levou para chamá-los. Àquela noite haveria a festa da Notte Rossa, que reuniria italianos e turistas para uma homenagem a Volterra, através da arte, cultura e sabores. Contudo, para Aro, havia mais naquela festa do que entretenimento humano, tinha também a possibilidade de forasteiros vampiros cometerem erros próximos demais do esconderijo Volturi, o que era estritamente proibido.

— Recolham da cidade qualquer um que seja de nossa espécie e trancafiem-no até que a festividade acabe! – ordena Aro por fim, como se o fato da cidade estar em festa o irritasse.

— Não podemos ter um segundo de paz quando os humanos resolvem fazer uma festa – retruca Caius, partilhando da irritabilidade de Aro quanto aos costumes humanos, pois, para eles, a raça humana não passava de um grande rebanho, que deveria ser cuidado apenas para que não lhes faltassem alimento.

Marcus nada diz, apenas solta um resmungo para mostrar que concordava com eles.

— Distribua as tarefas como bem desejar, meu camaleão! Entretanto, quero Renata, Afton e Corin fazendo a guarda do castelo— conclui Aro, dispensando-os com um aceno e fazendo toda a Guarda Volturi se retirar do castelo em uníssono.

— Demetri e Felix vão naquela direção, Heidi e Santiago naquela, lugares menos movimentados podem servir de esconderijo agora que o Sol está desaparecendo, então, vasculhem tudo! – explica Maximilian, apontando as direções que os levariam para longe da praça principal da cidade. – Alec e Jane, me acompanhem para a praça!

Os vampiros acenam positivamente com a cabeça e se dividem. Heidi pareceu irritada por um instante, mas a vampira sentiu-se mais “leve” depois de amaldiçoá-lo mentalmente doze vezes seguidas, e seguiu o seu caminho sem pronunciar palavra...

Alec e Jane partem em direção à praça principal, lado a lado, mantendo-se distante do aglomerado de pessoas e aproveitando-se da luminosidade turva que o anoitecer lhes concedia. E Maximilian vinha logo atrás, ainda isento de sua camuflagem e olhando ao redor para saber que não estavam sendo seguidos. Ele tinha uma missão para aquela noite e ela não incluía correr atrás de qualquer forasteiro de sua espécie.

Passando perto de tantos humanos, Jane sente a secura em sua garganta se tornar acentuada novamente, sentindo cada vez mais dificuldade de recompor seu autocontrole. Ela conseguia aguentar a sede e a queimação até certo ponto, mas, estando ali fora, com todos aqueles humanos repletos de sangue e veias fáceis de serem rompidas, a vampira já não considerava-se capaz de se conter.

Os Volturis odiavam caçadas descuidadas e descontrole, e odiavam mais ainda que caçassem em Volterra, por ser o local de seu esconderijo. Jane já podia se imaginar fazendo uma loucura, somente para aplacar a sua sede, tornando-se assim o tipo de vampiro que o seu clã e os seus mestres mais odiavam.

Próximo a praça principal, quando o cheiro dos humanos se tornou mais forte devido ao início da festa e ao aumento da aglomeração de pessoas, Jane mudou seu trajeto subitamente e entrou numa rua estreita e deserta, colando as costas na parede e disposta a não sair dali, visto que já se sentia a ponto de sucumbir.

— O que foi Jane, por que estamos aqui? – questiona Alec, estranhando a súbita mudança de trajeto e a seguindo rapidamente.

— Ele é um péssimo líder de equipe! Viemos muito cedo! – esbraveja, tentando culpar a luz do dia, apesar dela quase não existir àquela altura.

— Não é por isso que está se escondendo – rebate Maximilian, olhando-a nos olhos e fazendo Alec reparar no quanto eles estavam negros, diferente de quando conversaram mais cedo, que pareciam mais próximos ao bordô. – Você está com sede e não consegue se aproximar dos humanos mais do que já se aproximou.

— Cale-se! – continua a esbravejar, sentindo-se ainda mais vulnerável por ter um erro seu apontado por outro vampiro, quando, em sua vida toda, era ela a apontar os erros dos outros.

— O que faremos? – pergunta Alec ao camaleão.

— Faremos algo que o mestre não poderá descobrir… – explica, fazendo o gêmeo acenar a cabeça positivamente, aceitando o plano mesmo sem saber do que se tratava, afinal, era a sua irmã ali e ele jamais a deixaria na mão. – Desde que percebi que sairíamos do castelo, venho traçando um plano… Já pensei em tudo! Escolha quem quiser e eu trarei até você – propõe a Jane.

— Não preciso da sua ajuda para caçar! – retruca entredentes.

— Sei que não, mas está sedenta demais para caçar em um local com tantas pessoas. Quando seus instintos tomarem conta, não conseguirá ser discreta – alerta amigavelmente, fazendo-a mudar a perna de apoio enquanto pensava no assunto.

— Escolha quem quiser – responde Jane, dando-se por vencida.

— Fique de olho nela ou acabará fazendo uma besteira.

Com um sorriso travesso Maximilian caminha em direção à multidão, ativando sua camuflagem no percurso e deixando a vampira à merce dos olhos questionadores de Alec, que desejava saber o porquê de ela precisar caçar se o banquete havia sido servido há pouco tempo.

— Longa história – retruca a vampira, tentando desconversar.

Alec não insistiu em uma resposta, apesar de ter o questionamento na ponta da língua. Naquele momento ele era um vampiro com uma missão e não se desviaria dela um segundo sequer.

Enquanto aguardavam, duas ou três pessoas passaram perto demais da viela onde se encontravam, atiçando a sede de Jane e fazendo-a avançar alguns passos, com os olhos cintilando de desejo como se pretendesse caçá-los, apenas até ser bloqueada por Alec e rosnar em frustração. E depois de quase duas horas de espera, Maximilian apareceu com um jovem desacordado nos braços, que parecia ter bebido até desmaiar.

— Um garoto bêbado? Foi o melhor que conseguiu depois de todo esse tempo? – questiona Alec, incrédulo, retirando as palavras da boca de sua gêmea.

— Ele não está bêbado, apenas desacordado – explica Maximilian, adentrando até o ponto mais escuro da viela. – Foi a melhor forma de retirá-lo do público sem levantar suspeitas estranhas. Ser discreto leva tempo. Pelo pouco que me disse antes de apagar, ele é um visitante e está sozinho em Volterra, então, ninguém sentirá falta dele tão cedo.

Jane o segue com interesse, sentindo naquele rapaz o cheiro agradável de alguém que certamente ela teria escolhido em um banquete. Sua garganta queima ao se lembrar de quando caçara pela última vez e seus olhos cintilam de ansiedade, esperando apenas que Alec se colocasse de guarda na entrada da viela, para que ela enfiasse os dentes na pele macia de sua vítima, mesmo que Maximilian ainda o estivesse segurando.

Quando os caninos perfuraram a pela humana, Maximilian sentiu um arrepio de prazer percorrer o seu corpo, vendo, de uma posição privilegiada, como Jane parecia sensual quando caçava. Suas mãos pequenas seguravam os cabelos e o ombro de sua presa com firmeza, como se ele pudesse fugir de sua posse a qualquer momento, e, quando a primeira onda de sangue fresco inundou a garganta da vampira, trazendo alívio para a sua queimação, ela gemeu em contentamento, reação esta que não passou despercebida pelo camaleão, que desejou ardentemente por um beijo daqueles lábios que agora estavam sujos de vermelho.

Notte Rossa era a festa da noite vermelha, e, diante de tal cena, aquele nome fez total sentido para ele.

Depois de algum tempo, quando aquele corpo mortal não tinha mais nada a lhe oferecer, Jane o soltou, passando a ponta de seu nariz sobre o pescoço de sua presa para sentir o seu cheiro uma última vez, mas, estranhamente, sentindo o aroma embriagante de la tua cantante. Seus olhos se voltam para Maximilian instantaneamente, encontrando muito mais intensidade ali do que via rotineiramente dentro do castelo.

Lentamente, como se cada parte de seu movimento fosse minimamente calculado, o camaleão deposita o corpo sem vida no chão, voltando sua atenção para a vampira que ainda parecia enfeitiçada demais com o prazer da alimentação. Ele se aproxima sorrateiramente, segurando o rosto de Jane com ambas as mãos e enxergando a confusão em seus olhos agora avermelhados, provocado unicamente pela fragrância de sua camuflagem.

Maximilian a amava tanto e também estava se contendo tanto… Era difícil estar ao lado dela sem conseguir uma aproximação real de seu coração, difícil olhar para o seu rosto sem poder tocá-lo livremente ou olhar para os seus lábios sem poder beijá-lo. Tudo o que ele queria era que ela sentisse o que ele sentia, que ela pudesse ouvir os gritos desesperados de seu coração, que chamavam por ela dia e noite.

— Se voltar para o castelo com o rosto sujo, vão descobrir que fomos nós a quebrarmos as regras nesta noite – sussurra ele, aproximando-se do rosto feminino e lambendo levemente a lateral de sua boca, para retirar os vestígios de sangue que haviam escorrido de seus lábios.

Ele repete o gesto do outro lado, sentindo o momento em que Jane tocou os seus braços, hesitante entre afastá-lo ou deixá-lo onde estava. Jane sentia o êxtase da alimentação se misturando ao torpor que aquele cheiro humano lhe proporcionava, e tal mistura só servia para deixá-la ainda mais confusa entre o “querer” e o “não querer”. E quando Maximilian estava prestes a beijá-la, prestes a tomar aqueles lábios como seus e mostrar a ela o quanto a amava, ambos ouviram a voz de Felix ao longe, chamando por Alec.

Com um salto Jane se afasta, empurrando-o para o sentido contrário e limpando o rosto para que se certificar que nenhum rastro de sangue a ligaria ao corpo do humano. Em seguida, como se estivesse dando-lhe tempo para se recompor, o camaleão saiu da viela e se juntou a Alec, abordando Felix com a desculpa de que um forasteiro havia deixado um corpo para trás.

Alec foi o único a perceber que Jane não estava mais ali, que havia saído pelo outro lado da viela para tornar a mentira mais convincente. E a sintonia dos gêmeos era perfeita, pois, quando Jane se aproximou do grupo, vindo de outra direção e com a mente já alerta, seu irmão virou-se casualmente para recebê-la, como se tivessem se separado há vários minutos:

— Encontrou algo daquele lado? Nós encontramos algo aqui…

— Nada – responde somente, como era de seu costume.

— Felix, pode limpar essa sujeira? Vamos nos separar pela praça a procura de mais “vestígios”, temos que pegar o responsável antes que ele saia de Volterra... – lança Maximilian, recebendo um aceno positivo como resposta e rumando em direção ao centro da praça, sendo seguido de perto pelos gêmeos.

Com um leve movimento de mãos, Maximilian sugere uma separação, e os irmãos aceitam a sugestão prontamente, indo cada um para um lado da praça para cumprir a missão que lhe foi confiada, mas não antes de Jane segurar a mão de Alec e a apertar levemente, um carinho que ela não gostava de dar, mas que julgava que ele merecia. “Você é um ótimo mentiroso” foi a mensagem transmitida através daquele aperto, e foi justamente o que ele captou, esboçando um sorriso maroto como resposta antes de seguir seu caminho de vigilância.

Porém, para Maximilian ela nada expressou. Seus olhos vermelhos apenas o observaram se afastar, sabendo que mais uma pendência se formava ali, mas que, diferente da última vez, ela não sentia raiva daquilo. Jane desvia o olhar e foca em sua missão, deixando que o silêncio os afastasse novamente e esfriasse o que quer que tivesse acontecido naquela viela escura.


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