Por um momento tudo que eu conseguia ouvir era a respiração das pessoas que estavam ao meu redor, não conseguia enxergar muita coisa e quando finalmente tudo pareceu se iluminar, o clarão me cegou por alguns minutos.

Uma melodia suave começou a tocar, era parecida com alguma canção de ninar antiga sendo ecoada pelas vozes de muitas crianças, belo e inocente. No meio de um palco improvisado, um balanço de cordas cheias de flores murchas estava se mexendo levemente, como se sendo empurrado por algum fantasma invisível.  Então como se em um passe de mágica, as vozes foram aumentando junto com furiosos violinos e Penélope estava ali, se balançando com um ar funesto a sua volta.

Ela começou a cantarolar baixo, parecendo com alguma princesa de vidro olhando para seus pés, enquanto seu vestido branco voava ao seu redor. Ela ergueu sua cabeça, sorriu fechando os olhos e parecendo flutuar, enquanto os instrumentos faziam uma melodia raivosa e ao mesmo tempo delicada ao sua volta.

Quando sua voz melodiosa chegou até nossos ouvidos, juro que senti meus braços assim como todo meu corpo se arrepiar. Sua voz transmitia emoções  tristes e felizes ao mesmo tempo, enquanto cantava seus olhos pareciam estar em outro lugar, tal hora escuros, tais horas claros e serenos. Então ela se balançava, fazendo seus cabelos uma cortina a sua volta, parecia voar sobre nós.

Coração inocente

Caindo nas graças de um mal encantador

Benevolente, eles o colocaram pra dormir

Em sua eterno sono gélido

Para sempre ouvindo sua canção de ninar

Ela recitava com a voz suave, mesmo assim escondendo um grito que parecia querer sair do fundo de sua garganta. Quando por fim novamente o silêncio caiu sobre nós, ela apenas abaixou a cabeça e a multidão explodiu em palmas.

Eu estava hipnotizada com tamanha beleza.

- Senhoras e senhores, das trevas ou não! Acabamos de apreciar a belíssima perfomanse de Srta. Penélope que nos encanta com a graça mórbida de sua voz -tentei novamente na escuridão que se seguiu localizar a voz, então em meio a um feixe de luz azulado estava um homem alto e magro, usando uma capa e uma cartola. Ele trazia consigo nada mais que uma bengala e andava pelo palco, como se falando com si mesmo, então bateu palmas nos encarando com os olhos loucos -A noite está apenas começando, vamos sonhar um pouco mais, nesse trapézio de loucura!

 Tudo o que eu vi me fascinou de tal maneira que acho que me sentei de boca aberta o espetáculo inteiro. Havia tanta coisa macabra e interessante, eles se contorciam no ar e enfiavam estacas um nos outros, enquanto uma música que parecia do inicio do século flutuava até nós. Havia crianças usando roupas brancas, sorrindo e cantando enquanto deslizavam por flocos de neve brilhantes e jovens trajando elegantes vestidos escuros fazendo cenas dramática, enquanto os “vilões” lhe cortava ao meio com uma espada. O mágico que conseguia de alguma forma arrancar sua cabeça. Bruxas soltando risadas cavernosas, enquanto dançavam em círculos cantando em êxtase....então novamente o coral e uma voz de homem, alta e que surgia do nada, como se vinda de nossos pesadelos.

“ Senhoras e senhores, preparados para entrarem em seus piores pesadelos. Almas dançando sobre seus túmulos, trapezistas caindo na corda bamba, zumbis sedentos por vivos a lhe perseguir, contorcionistas e ilusionistas para acabarem com sua noite! “ então gargalhava. Consegui pegar um vislumbre de Zora e Edin suspenso por apenas uma fina corda reluzente, eu sentia minha respiração falhar a cada hora que eles se jogavam para o chão, então subiam magicamente até o topo novamente.  Até mesmo Penélope serviu de modelo, entrando em um caixão de vidro e sendo cobertas por varias flores de pétalas fluorescente.

As radioativas.

Era tudo criação de louco! Uma mistura de circo e teatro, que deu muito certo.

As velas acima de nossas cabeças pareceram se acender com um leve sopro, então tudo estava iluminado e todos que participaram do espetáculo dessa noite, estavam reunidos no palco, enquanto o homem de cartola se caminhou para perto.

- Como sempre fazemos nos nossos fins de apresentações, iremos novamente cantar para nossa querida Felícia que se encontra muito longe de nós -ao dizer isso alguns que estavam no palco abaixaram os olhos e pude notar que Penélope chorava em silêncio-Onde que ela esteja, posso sentir que ela nos escuta.

O sol está dormindo em silêncio

Era uma vez um século

Melancólicos oceanos calmos e vermelhos

Carícias ardentes ao dormir

Por meus sonhos eu continuo minha vida

Por desejos eu contemplo a minha noite

A verdade no fim do tempo

Perder a fé se torna um crime

Eu desejo que esta noite

Dure por uma vida

As trevas em volta de mim

Margens de um oceano solar

Oh, como eu desejo me por com o sol

Dormindo

Chorando

Com você

Seguiu-se um funesto silêncio, todos cantavam a canção com as vozes distantes, parecendo estar muito longe para ser ouvida. Senti algo dentro do meu peito tremer e se contorcer, querendo se lembrar , implorando para viver.

Mas estava enterrado, já esquecido...impossível de ser alcançado.

Quando novamente a explosão de palmas se erguerão, todos pareciam seguir para fora. Mas Julian e eu fomos ao encontro de Penélope.

- Quem é Felícia? -perguntei a ele, enquanto passávamos pelo palco de piso quadriculado e seguíamos por um corredor com velas vermelhas e rosas brancas, que exalavam um perfume adocicado.

- Ela fazia parte da trupe, mas alguma coisa aconteceu...magia negra eu acho ou foi pega pelos ceifadores -disse ele estremecendo, eu fiz o mesmo.

Mas não estava completamente saciada, o nome Felícia rodava em minha cabeça como se me chamando, eu sabia que era alguém que eu deveria me lembrar.

Mas quem?