A voz pertence a uma mulher, mas não posso vê-la. Eu olho para todos os lados, checo ambos os corredores, e ainda assim ela está longe do meu campo de visão. “Caroline? Caroline! Gaia me mandou aqui, preciso falar com você.” Grito enquanto Igor vasculha os cômodos da casa. Rapidamente a morena se apresenta à minha frente, com a expressão confusa meio recoberta pela franja negra. Sinto que estou beirando um AVC quando reconheço o rosto. “Gaia não mandaria duas pessoas ao mesmo tempo.” Retruca. Está vestindo um casaco verde oliva elegante, quase não se nota o ômega um tom mais escuro bordado cuidadosamente na manga. Mas eu percebi antes mesmo de conseguir recuperar meu fôlego. Então por um instinto guardo a chave discretamente na barra do suéter. “Henry está aqui?” Pergunto baixinho. Igor precisa segurar meus ombros para que eu não comece a pular desvairadamente pela sala. “Esteve.” Conforme a mulher fala, não sei no que devo pensar. Minha mente está, atualmente, dividida em três seções. A que roga pragas em Laura sem intervalos, a que está desesperadamente feliz por Henry aparentemente não ter morrido e, por último, a que está tentando entender o que diabos é Caroline. Lembro-me muito bem de seu corpo delgado estirado na maca de metal ao lado de Laura. Laura.

“Leve-me até ele.” Era para soar como uma ordem, mas acabei por suplicar. Caroline ri. “Não sei onde o garoto está, mas se soubesse não diria a você.” Murmura, um tanto cruel, e eu dou um passo para trás com a surpresa. Talvez eu esperasse encontrar uma senhora simpática que assa biscoitos e coleciona bichinhos de porcelana. “Por quê?” Igor corta o que ia dizer com uma pergunta bem mais simples. “Porque essa garota aprendeu com a pior espécie. Nenhum humano merece passar pelas mãos de desgraçados como ela.” Rosna. Há tanta mágoa e raiva em sua voz que não sei se devo estar ofendida ou ficar com pena. Na dúvida, zelo por mim e encaro-a com descrença. “O que está dizendo?” Resmungo, num tom duas vezes mais alto que o dela. O loiro atrás de mim aperta meus ombros, talvez lembrando-me de que devo manter a calma. “Se não concorda com minhas palavras, veja com os próprios olhos o que você fez com New York. Você é ridiculamente desequilibrada, cupido.”

A raiva confunde-se com ironia e serpenteia pela voz seca da mulher. O breu de seus olhos é tão intenso que chega a brilhar, e estou encarando-o na mesma ferocidade com que ela tenta sustentar minha angústia. Saio batendo a porta atrás de mim, por sorte Igor se adiantou a ficar ao meu lado. “Não vai insistir? Henry pode estar com ela.” Parece receoso de entrar no elevador novamente. “Ele não está lá.” Digo, rude demais. “Você sentiria.” Conclui. “Não só eu, como também minha irmã.” Sibilo, despejando as palavras com amargura que nem eu mesma sabia ter. Abro uma nova ala no meu cérebro que tenta entender quem me trouxe de volta para essa cidade. Estou correndo, agindo como uma louca, exatamente como Igor disse que eu faria. Preciso parar e pensar. “Sua irmã? Você tem uma irmã?” Levanta só uma sobrancelha. Posso ver o reflexo de seu rosto nas paredes espelhadas. “Sim. Acho. E, ao que parece, estive em um triângulo amoroso com ela.” A situação é cômica demais até para ser dita em voz alta.

“Quer saber? Eu não te entendo.” A expressão do garoto é séria, sem máscaras que amenizem a severidade de sua voz. Suas mãos estão apertando meus braços com força. Eu poderia fugir de sua grade de músculos com facilidade, mas não vale a pena. “Se quiser minha ajuda daqui para frente, tem que me contar tudo. Não vou segurar seus cabelos se você vomitar mais alguma surpresinha.”