Give Me Love – Novatos escrita por Giulia Bap


Capítulo 12
Capítulo 11 – Traficante de golfinhos – AGORA


Notas iniciais do capítulo

Apenas avisando que hoje eu estava um pouco, como dizer... Dorgas. Então quando escrevi eu não tinha a cabeça muito no lugar e saiu isso. o/

E muito, mas muito obrigada mesmo pelos comentários. Porque eu nem ligo mais para ter muitos leitores, mas é que os poucos que eu tenho são atenciosos o suficiente para que eu me sinta motivada a escrever. :3



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Eu abro a porta e lá está ela, sentada na beirada da cama de casal que ocupa metade do espaço do flat. Os mesmos olhos castanhos, a mesma pele pálida, os mesmos óculos tentando saltar da ponta do nariz. Passaram-se dois dias completamente normais desde que eu salvei Mr. Lois Lane. Eu devia ter desconfiado. “Gaia, olha, eu posso explicar. É uma vida humana, eu estava lá e fui atrás dele porque meio que me senti na obrigação. Sou um anjo, protejo mortais.” Disparo a falar, tudo o que ela faz é levantar uma sobrancelha. Difícil demais convencê-la. “Eu nem vou dizer o que você fez, Harriet. Porque nós duas sabemos que ele é mais que uma vida humana.” Esperando um berro – o que seria bastante razoável devidas as circunstâncias –, surpreendo-me com a voz doce e o sorriso sereno que Gaia me oferece. A baixinha bate duas vezes ao seu lado na cama e eu me sento. “Sabe o que vai acontecer se você insistir?” Continua. O sorriso desaparece, mas a voz doce… De repente me sinto culpada por toda a raiva que senti dela no primeiro dia, quando, “acidentalmente”, eu esbarrei minhas asas na sua cara. Tão sutil. Balanço a cabeça positivamente, mas ela diz mesmo assim. “Sua espécie vai morrer. Quem você ama vai morrer. Com um pouco de sorte, você vai morrer.” Eu sei o que ela quer dizer. Um cupido é bastante útil, vivo. Trabalhando para humanos. Caos. “Não faça isso Harriet. Eu sei que você pode assumir o controle da situação porque você já fez isso antes. Por Laura.” Ela segura minhas mãos, como minha mãe faria, e beija minha testa. “E o que eu já fiz?” Ainda não entendo como o Conselheiro não veio aqui quebrar minha cara pelo incidente com Henry. “Eu dei um jeito. Mas não vou ter a mesma sorte duas vezes.” “Henry não vai tentar duas vezes.” “E você, vai?”

Gaia some, eu nem sabia que ela pode fazer isso.

Não tenho visto Henry desde aquele momento. Adormecemos ali, deitados no terraço do prédio, minhas asas rebatendo o vento, até eu acordar. Ele já havia sumido. Ouço, vez ou outra, as discussões com Abigail. Ele já a amou, eu tenho certeza. Não mais. Mas isso me dá uma esperança proibida e que eu escondo de mim mesma cada vez que me pego pensando no que poderia ser; eu e ele. Como um pote de biscoitos que a mãe coloca na estante mais alta e a criança teimosa insiste em escalar pia, fogão e geladeira para pegar. E acaba se machucando.

Há uma espécie de esquema que eu criei para evitar o ruivo. Ele sempre sai de casa batendo a porta. Chama o elevador – que faz um tremendo e desnecessário barulho quando chega no andar – e vai para a coffee shop natalina inacessível para qualquer pessoa de classe média-alta e turistas. Eu saio logo depois. E sigo uma direção diferente. Meu olhar, porém, procura por ele de um jeito carente de dar dó. Nesse tempo eu pude concentrar-me no que eu vim fazer aqui de verdade. E eu não vim apaixonar-me, são ossos do ofício.

FLASHBACK – dia anterior

Meu corpo todo treme. Apesar de estar completamente coberta de roupas quentes e peludas, sinto-me completamente vulnerável ao frio de dezembro. Gosto da história do natal, mas não aguento mais todo esse vermelho-e-verde. Sei que não devo, é completamente ridículo, mas entro num beco escuro, longe da iluminação artificial. Troco as cores natalinas pelo laranja do fogo que queima dentro de um latão. Estou aquecida ali, e não me sinto assim tão desconfortável. Não antes de olhar para o lado e ver que há mais alguém me observando. É um cara esquisito. A luz das chamas ilumina seu olhar desvairado e cria um aspecto assustador do que seria só mais um drogado no meio da calçada. Quando para de me fitar, posso sentir-me mais segura. “Você vê os dois lados de um cubo?” Pergunta, do nada. Não me dou ao trabalho de responder, mas está óbvio que um cubo tem mais de dois lados. “Você vê?!” Fala mais alto. Então sinto que devo responder, ele não brinca. “Eu vejo os seis lados.” Ironizo. “Eu vejo só um.” Conclui. “Pensei que visse dois.”

Cá estou eu, conversando com um cara doido num beco mal iluminado de Nova York. Conversando sobre cubos. “Só vejo um porque não há ninguém que eu ame para me ajudar a ver o outro lado.” Responde. Não estamos mais falando sobre geometria, ao que parece. “E os outros quatro lados?” Indago. “Não ligo pra eles. Você liga?”

É, eu ligo. Poeta morador de rua, sábias palavras, mas não sabe o que está em jogo aqui.

Levanto-me. Não sei bem o que estou fazendo andando pela rua. Eu quero uma pista do assassino de Laura, mas algo me diz que não é aqui que eu vou encontrar.

FIM DO FLASHBACK

Depois de um longo tempo de falso sossego, vigiando da janela os humanos e flechando-os sempre que um casal parece dar certo, uma sirene apita dentro de mim. Eles poderiam ter pego qualquer, qualquer anjo mesmo para fazer isso. Porque é simples distinguir o certo do errado. A combinação que pode ou não resultar em tragédia. Escolheram Laura – ou a mim, eu não sei mais quem fez o quê nessa história – não apenas para enfiar flechas de amor em traseiros mortais – isso soou esquisito.

Atordoada com tudo, bêbada de incertezas, esqueço-me de que estou evitando Henry. Bato a porta atrás de mim e estou esperando o elevador quando o vejo encostado na parede, fitando minhas costas. Nem preciso pensar muito para perceber que ele está pensando em minhas asas e se perguntando sobre o quão chapado estava dois dias atrás. Eu devo a ele uma explicação, mas não sei o quanto é saudável contar. Porque as palavras de Gaia quebram meu coração em zilhares de partes idênticas. “Quem você ama vai morrer.” Não dá para ser mais clara. Ela se refere a Henry com todas as letras. Mesmo assim eu sei que Lois Lane – gosto de chamá-lo assim, mesmo que não em voz alta, só soa como se fôssemos íntimos (preciso me tratar, é, eu sei) – não é mais um bebê e merece saber. Decido que não vou falar nada. Ele provavelmente pensa que usou drogas demais. Provavelmente.

E nesse tempo todo eu mal parei pra pensar na insanidade da situação. A garota que supostamente lê cartas de tarô pulou de um prédio atrás dele, abriu suas lindas asas e o salvou de um iminente suicídio. Depois confessou seu amor. Definitivamente, não sei como conquistar um garoto. Uma imbecil alada. O elevador chega e eu decido não entrar no mesmo que ele, mas antes que eu possa escolher, Lois Lane me puxa pelo braço. “Eu estava dopado?” Pergunta. Eu cerro os olhos. “Quando?” “Quando você disse que me amava.”

Sem palavras para descrever meu estado de algazarra mental no momento. Juro. Mal posso processar as palavras, então me sento no carpete que cobre o elevador e começo a rir. Insanamente. Como uma retardada. Enquanto ele me encara, é claro. Eu me jogo de uma droga de um edifício atrás dele e é disso que a criatura se lembra? “Olha, se você não disse, tudo bem. Eu não estava insinuando nada.” Ele ergue as duas mãos, como quem se rende. “Não, não. Quer saber? Eu disse.” Falo, cessando a risada mal-humorada que eu havia deixado escapar. “Disse?” Estende a mão para mim e eu me levanto. O elevador chega ao térreo. Caminhamos em silêncio até a coffee shop usual e ele resolve falar quando nos sentamos. “O que aconteceu antes de você dizer isso?” “Você tentou suicídio, Lois Lane.” Respondo, forçando a memória dele. Não me crucifiquem, eu sei, deveria estar protegendo ele de qualquer lembrança comprometedora, mas eu sou insensata. I-n-s-e-n-s-a-t-a no sentido mais denotativo o possível da palavra. “Asas…?” Ele pergunta, chegando um pouco para trás. Meio que se preparando para fugir do lugar. “Aham. Asas, super poderes, a coisa toda.” Permito-me um sorriso e ele não para de me encarar. Enfia o rosto nas mãos. “Eu me envolvi com uma garota doida.” “Se envolveu, é?” Pergunto, talvez me sugestionando um pouco. Saudades vergonha na cara.

“O que aconteceu, de verdade?” Pergunta. “Você estava chapadão.” “Sério?” “Não.” Ele fica um pouco impaciente. “Quais partes do que eu lembro são verdade?” “Do que você se lembra?” Respondo-o com outra pergunta. “Eu fui para o terraço e fiquei um tempo me perguntando se deveria pular. E aí você chegou e tentou fazer com que eu ficasse. Eu pulei. Daí, não ria, você literalmente voou atrás de mim. Foi muito rápido. Nós voltamos para o prédio e, cara, suas asas eram tipo gigantes. Serviram de cobertores por um bom tempo. Não sei quanto. Você disse que me amava e a gente se beijou.” A gente? Se beijou? Parei de escutar no a gente. Talvez, mesmo que lá no fundo, ele alimente algum sentimento por mim. Porque não disse "você me beijou". Ele retribuiu o beijo. Imaginário. Inexistente. Mais fake que mulher de padre. Mas continua sendo um beijo.

“EPA, EPA, EPA!” Começo a rir de novo. “Você disse que não ia rir.” Ele revira os olhos. Não, eu não disse. “A gente não se beijou não, vai com calma!” Entre uma gargalhada e outra, alcanço voz para dizer. Ele fica ali, me encarando, incrédulo, como quem diz eu dito uma história cheia de contos-de-fadas e o que você corrige é um beijo? Bem como eu me senti dentro do elevador. Ele não parece decepcionado com a correção, apenas instigado. Mas a falta de decepção em seu olhar me decepciona, sim.

“Então você voa?” “Aham.” “E me ama?” Hesito ao ouvir a pergunta, mas é tão injusto mentir… “Aham.” “Sem beijo?” “Sem beijo.” “Não acredito em uma palavra do que você está falando.” Ele fala, sério, mas com um sorriso provocante demais até para mim. “Eu não vou tentar provar nada pra um solitário traficante de golfinhos.” Afirmo. “Tá me devendo uma.” Retruca. “Eu te salvei, é você quem me deve!” “Mas eu, definitivamente, não queria ser salvo.”


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Notas finais do capítulo

BREAKEVEN - THE SCRIPT
https://www.youtube.com/watch?v=MzCLLHscMOw

Preciso comentar que conheci Breakeven hoje e não podia ser mais perfeita e com a letra tão, sei lá, compatível com a história. Mesmo que não tenha interesse em ficar ouvindo a trilha da fic, acho que vale muito a pena ouvir essa música.