Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 14
A fogueira


Notas iniciais do capítulo

Oie! ♥
Antes de mais nada, juro que tô tentando pagar minhas promessas, mas a Anna não tem colaborado! Emme, minha lindeza, espero que me perdoe pela pegada darkness desse capítulo! Não era o planejado, mas foi necessário. Enfim, até os melhores micos eu tive que guardar na manga para os próximos capítulos. Bad.



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Testemunhar os restos de Joseph sendo lambidos pelas chamas arrancou o que havia de mais hediondo em mim. Gritei o mais alto que podia, a dor crescente servindo de combustível para o ódio indomável que regia meus poderes; a terra tremeu sob a campina e só o que consegui enxergar foram os pescoços daqueles dois desgraçados – os assassinos da Guarda Volturi – tingidos pelo carmim que tomou meus olhos.

Lancei-me para eles em um salto, mas fui interceptada pela névoa branca e doentia de Alec. Ela espiralou pelos meus calcanhares, obrigando os sentidos aos poucos a me escapar, contudo nem o torpor foi o bastante para me deter – arrastei Alec pelo pescoço até onde eu estava e o envolvi com meus braços flácidos, as mãos tateando sua pele marmórea até duplicar seu dom. De súbito, estávamos os dois ajoelhados na relva molhada, nos encarando furiosamente enquanto em torno de nós névoa digladiava contra névoa, poder contra poder.

Eu estava a ponto de derrotá-lo quando fui brutalmente puxada pelos cabelos para longe de Alec; David me firmou de pé e não precisou de mais que um olhar para me instruir. Corra, disseram o ouro maciço de seus olhos. E eu obedeci sem pestanejar. Corri e não parei até o cair da noite e da tempestade de neve. Encolhi-me sob os galhos um pinheiro e solucei. Doía. Doía mais do que eu imaginava ser possível. Doía mais do que eu podia suportar.

David lidou com a dor de uma forma diferente – nele, o luto despertou selvageria. Certamente os sons dos seus golpes nas árvores podiam ser ouvidos além da floresta. Entretanto, quando a ferocidade se aquietou, algo mais sombrio assumiu o controle. Algo que fez com que um calafrio subisse em dedos gélidos por minha coluna e meu senso de autoproteção se armasse em defesa.

— Anna, olhe para mim – exigiu.

Ergui os olhos para ele, confusa. Anna, não Anne. Joseph e David me tratavam por Anne desde a noite em que nos conhecemos em Moscou e eu não me lembrava de uma única vez que tenha sido diferente. Aquela pequena alteração era o primeiro indício que tive de que algo havia mudado – e de forma irrevogável.

—Eles queriam você— sussurrou em voz baixa e magoada, porém o golpe fez sua voz suave soar como um grito estridente. – Vieram até nós por você. Mataram Joseph por você.

O ar fugiu de mim. Ofeguei e, por mais improvável que fosse, comecei a sufocar. Eram palavras ríspidas, incisivas feito o corte de uma espada... mas verdadeiras. Aro Volturi era um colecionador, eu era uma peça rara a ser conquistada e Joseph não passava de um obstáculo nesse caminho. Um empecilho a ser descartado – e de fato foi.

— Desculpe – supliquei, pois sabia que não havia mais nada a se fazer.

Foi o estopim. Antes que eu pudesse pensar, David se aproximou em um borrão fantasmagórico e me suspendeu no ar com os dedos cravados no meu pescoço, os olhos em pedra tão frios como a própria neve que caía, a boca retorcida de repúdio. Nunca o tinha visto assim antes. Aquele era um completo estranho, alguém que me apavorava.

— Suas desculpas não o trarão de volta! – berrou. – Perdi meu pai por sua causa!

Joe era meu pai também, eu quis argumentar. Mas não o fiz. Não lutei, não reagi. A razão estava com ele – se quisesse me destruir, teria todo o direito. Fechei os olhos e aguardei pela morte ao que seus dedos comprimiam com mais determinação e por um segundo, pude ouvir o ruído da minha pele trincando, o pó se desprendendo dela.

— Não. – O aperto afrouxou. – Não vou matá-la. Isso seria muito fácil, e a morte lhe seria um alívio. – Ele me atirou contra o pinheiro feito um saco de lixo fétido; a árvore se sacudiu violentamente antes de derrubar uma pilha de neve e em seguida tombar. – Quero-a viva para lidar com a responsabilidade. Quero ver o remorso por anos a fio nos seus olhos. Quero vê-la perecer.

Apoiei-me debilmente sobre os braços, toda suja de musgo e enterrada na neve.

— Pare – implorei. Culpar-me era uma coisa. Torturar-me com a culpa era cruel.

David se agachou e agarrou meu queixo.

— Sim, você perecerá... mas longe de mim. – E me largou de modo severo, ficando de pé. – A culpa é sua, Anna. Viva sozinha com essa dor.

 

Precisei balançar a cabeça veementemente para me livrar do sofrimento e do terror da lembrança. Meus pés, por consequência, se apressaram sobre a grama e eu estava tão distraída em minhas especulações que quase atropelei Brady, trombando com ele e fazendo os cachorros-quentes em seu prato saltar no ar, descrevendo um arco até cair na cabeça de Rachel.

Uma entrada triunfal. Rachel se levantou por reflexo e um dos cachorros-quentes tombou sobre as calças de Paul com um sonoro ploft. Todos se voltaram para mim no ato.

O terreno estava abarrotado de pessoas. Igualmente como na praia, havia um círculo formado por bancos, mas a qualidade da madeira trabalhada era infinitamente superior. No centro, uma fogueira alta lançava pequenas labaredas ao sopro do vento, onde os garotos mais novos da matilha de Sam esticavam marshmallows espetados em gravetos. Estavam todos presentes; Billy, Sue e o Velho Quil nos lugares de honra do Conselho, Sam e Emily com Claire dormindo em seu colo, Jared e Kim dividindo beijos e biscoitos, Embry e Collin conversando sobre times de basquete, Jacob e Quil devorando uma porção absurda de comida, Leah estirada em um dos bancos afastados, fitando a floresta com uma expressão contemplativa, sendo que foi a única que não se virou para me encarar.

Nas minhas costas, escutei os passos leves e ligeiramente descoordenados de Seth ficando mais próximos até ele parar do meu lado, apreendendo o excesso de atenção com mais desconforto que eu. A presença dele me fez reparar que Renesmee era o único objeto de imprinting que não estava na reunião.

— Se não é nossa pé-de-valsa favorita! – cumprimentou Quil de boca cheia. – Já chegou em ritmo de baderna!

— Vá se ferrar, Quil. – Dei um passo até Rachel, escarlate até as orelhas. – Perdão, estou um pouco desorientada hoje.

Ela empinou o queixo e me atirou um olhar fulminante para então se voltar para a casa de madeira com Paul em seu encalço. Respirei fundo; se ao menos tivesse sido com Kim, eu não teria ficado tão encabulada.

— Não peça perdão – Jacob resfolegou quando Rachel sumiu de vista, nas mãos carregando um pacote extragrande de fritas já em seus últimos suspiros. – Ficou muito melhor do que esse trambolho que ela fez no cabelo hoje. Nem acredito que vocês, mulheres, pagam quarenta pratas por isso.

— Jacob, não fale assim do cabelo da sua irmã – Billy censurou baixinho.

Outra visão invadiu meus olhos, agora acompanhada por uma vertiginosa pontada na cabeça. Apertei a ponte do nariz e me retraí ao que a floresta se estendia adiante, sendo cortada através da corrida e se tornando sombras na noite, indicando que David decidira partir novamente e eu perdi minha chance de vê-lo. Grunhi, a frustração paralisando meus músculos. Vendo minha reação, Seth tocou meu ombro, os olhos pequenos determinados. Só me diga se está tudo bem, pediu, quase suplicante. E não vou incomodá-la mais.

Inferno. Ele estava se culpando de novo pelas minhas atitudes. Isso pesou com tamanha força em meu peito que precisei desviar o olhar para somente então assentir. Seth analisou meu rosto e acabou desistindo, fazendo menção em apanhar meus dedos, no entanto eu me retesei. Havia uma grande diferença entre andarmos de mãos dadas na praia e entrelaçarmos as mãos ali, diante do Conselho e das matilhas – tanto que de uma hora para outra a pulseira quileute em meu braço pareceu irradiar luz e me vi na necessidade boba de cobri-la com a manga do blusão. Essas conotações eram completamente invisíveis para Seth, pois ele se mostrou confuso e, sobretudo, ferido com minha repentina rejeição. Amaldiçoei-me por dentro. Será que eu conseguia respirar sem machucá-lo?

Antes que acontecesse outra vez e ciente de que ele compreenderia a mensagem, girei os calcanhares e caminhei na direção de Leah. Perguntei-me onde se escondeu toda aquela certeza, toda aquela confiança que tive sobre meus sentimentos por Seth na praia. Se cavasse fundo, sabia que as encontraria ali... debaixo de fardos e mais fardos de pequenas inseguranças. Era tolice ficar constrangida, eu sabia. De certa forma, todos ali esperavam que meu relacionamento com Seth progredisse, até mesmo Sue, e cheguei à conclusão de que era isso o que me incomodava – a inevitabilidade, como se eu não tivesse qualquer controle sobre a minha vida. Os rótulos.

Leah não disse absolutamente nada quando me acomodei no espaço vago do banco, mas a mão se ergueu no ar para bater na minha. Eu costumava ver Leah e eu como dois lados da mesma moeda. Ambas arredias, ambas temperamentais, ambas calejadas pela amargura. Ter facilidade em entender o lado uma da outra era o que tornava nossa amizade uma estrutura firme; não precisávamos de muito para nos comunicar e vivíamos muito bem dessa maneira. Leah queria silêncio e eu respeitei sua vontade porque desejava o mesmo. Permaneci quieta, remoendo minhas preocupações internas, até sentir alguns pensamentos serem direcionados para mim com uma certa frequência, por mais que o dono os tentasse ocultar.

Billy Black.

Suspirei alto, enfadada. Sabia que não era apenas paranoia, que não se tratava de meras teorias conspiratórias, que estava certa em desconfiar da hospitalidade instantânea do Conselho. Para eles, eu não passava de uma defesa. Uma apólice de seguros com pernas. Lembrei-me de minha conversa com Seth no carro e sorri por comprovar sua inexperiência com certas políticas sujas; à sua maneira, o Conselho enxergava em mim o mesmo potencial que os Volturi. Estabilidade. Proteção. Que se eu viesse a me importar com a tribo e os tivesse com igual estima que nutria pela minha família, provavelmente eu me tornaria uma guardiã dos quileutes assim como os lobisomens.

Ponderei em revelar tudo o que extraí para Seth, que foi para junto da mãe e abraçou pelas costas para beijá-la na têmpora, porém os pensamentos de Sue me impediram. Ela foi a única a votar contra. E nada tinha a ver com o fato de ela me desaprovar; Sue simplesmente não julgou como íntegro me fazer de escudo. Abrace-a mais forte, indiquei para Seth. Ela merece. Ele encontrou o meu olhar, intrigado com meu tom cortês, entretanto atendeu o pedido sem questionar.

Você está furiosa, Leah observou a troca de olhares. O que meu irmão fez desta vez?

Furiosa. Antes fosse. Aquele aperto horrível que descia minha garganta era muito pior. Não é nada com ele, sendo sincera. Seth apenas foi... prestativo demais. Um perfeito cavalheiro.

O nariz dela se franziu discretamente. Como assim?

Pensei em contar para ela, porém me detive no último instante. Não faria bem algum Leah saber que havia um vampiro estranho potencialmente hostil se esgueirando pelas redondezas. Não posso explicar. A propósito, tenho péssimas notícias. Nada de Vegas amanhã.

Sua cabeça girou tão depressa que o pescoço estralou. O quê? Por quê?!

Fiz uma leve careta. Sair de Forks estava fora de cogitação. Também não posso explicar. O motivo é o mesmo. Apenas não posso me ausentar da cidade por ora.

É sobre o louro metido a Backstreet Boy que interrompeu a pegação de vocês na lama? Quando arregalei os olhos para ela, atônita, Leah somente deu de ombros para banalizar a situação. Que foi? Seth pode ser santinho, mas até ele tem suas fantasias. Sorte sua que só eu e ele estávamos de vigia ontem, quando ele deixou escapar esse lapso. Jacob e os outros não iriam lhe encobrir, se soubessem.

Apertei os lábios. É, eu sei. Como eu disse, seu irmão é um cavalheiro.

E você está caidinha por ele, debochou com um sorriso convencido, embora qualquer vestígio dele tenha sumido no que ela cruzou os braços. Aquele é o seu irmão adotivo, não é? David. O garoto das suas memórias.

Não consegui sustentar seu olhar; lágrimas queimaram meus olhos no que seus pensamentos salientaram o rosto colérico de David em meio a condenação de Joseph, comparando-o com o vulto indistinto da lembrança de Seth. Por um momento, fiquei surpresa por Seth não ter feito a mesma ligação que ela, até entender que, assim como todos os outros, ele tomava David por morto.

Olhe, antes que você comece com o apedrejamento, eu sei que não tenho o direito de me meter na sua vida, rondou quase gentil, o que se tratando de Leah era um feito surpreendente. Não imagino o que pode ter acontecido entre vocês no passado, mas suponho que tenha sido grave, porque irmãos de verdade não se separariam sem mais nem menos após a morte de um ente querido, que dirá um pai. Lembrando que falo com a propriedade de quem já passou por essa merda.

Foi impossível esconder o tremor de raiva que se apossou de meu corpo e me desestabilizou o suficiente para que a gravidade agitasse as labaredas da fogueira, obrigando as crianças a recuarem. Leah estava certa e ficava difícil dizer o contrário agora que eu estava mentalmente sã para reconhecer. Um irmão de verdade não teria me culpado, como ele fez. Um irmão de verdade não teria me abandonado no momento em que mais precisei de apoio. Um irmão de verdade não teria me agredido daquela maneira, com aquelas palavras... Cocei meu rosto, onde a bofetada do nosso último encontro ainda parecia arder e a vontade de cuspir algumas verdades para David subiu meu esôfago, como se eu estivesse a ponto de vomitar todo o veneno que ele me fizera ingerir durante quinze anos.

E dado a sua expressão agora, continuou com um tom sarcástico, sei que vai fazer algo bem estúpido. Leah bufou sem humor. Não importa, seja lá o que for, fique viva. O bem-estar do meu irmãozinho idiota depende disso. Ela hesitou, estudando os casais imprinted com os dedos contraídos. Seth já ama você, Anna. E com uma intensidade que me assusta.

Todas aquelas palavras amargas que preencheram minha cabeça foram sopradas com a mesma rapidez que surgiram, feito a poeira varrida pelo vento. Por instinto, meus olhos se voltaram para Seth ao que um arrepio incomum se espalhou por meu corpo, levando consigo uma sensação de calor que em vez de queimar, acalentava e fortalecia. Seth já me amava? Parecia bobo que eu ainda rebatesse isso, quando a resposta estivera distendida ao alcance da mão – e da mente – o tempo todo... Em minha eterna índole egoísta, passei tanto tempo obtusa e me questionando acerca de meus sentimentos, que em nenhum momento parei para considerar os dele. E, no entanto, ali estava; bastou que os olhos de obsidiana encontrassem os meus para que eu soubesse, tão incontestável como a vida e a morte.

Seth me amava. E eu não merecia ser amada.

Santo Deus, gemi, a mão formigando por um copo de tequila. Eu preciso beber.

Leah arqueou a sobrancelha com ceticismo. Não trouxe suas bebidas?

Não. Suspirei dramaticamente, um tanto amuada. E nem os cigarros, o que está se mostrando minha maior burrice. Ambos estão fazendo uma falta maldita agora.

Cacete. Sua língua se estalou repetidas vezes. Pelo visto, precisamos de uma distração.

Sobressaltei-me. “Precisamos”? No plural?

Ela engoliu em seco, os olhos negros tristonhos se voltando para a floresta na tentativa de disfarçar as lágrimas. Emily está grávida.

Tive o cuidado de manter a expressão neutra, apesar da dor que vinha com aquelas palavras me atingirem com o impacto de uma flechada. Leah detestava qualquer manifestação de pena. Que tipo de distração?, sondei por fim.

Escolha um alvo. Ela mirou com o queixo para a roda. E eu digo como acertá-lo.

Tenho uma ideia melhor. Eu faço um movimento e você adivinha qual é o alvo.

Ela ponderou a proposta. Fechado. Dez pratas por acerto.

Vamos estrear com algo simples. Vistoriei o círculo, agora imerso em um sossego quase sobrenatural. Billy narrava as histórias dos quileutes em sua voz imponente de trovão e, por mais que todos já as tivessem gravadas na memória, cada lenda parecia fresca, renovada com tantos herdeiros de seu legado na plateia. Não fiquei particularmente surpresa por ninguém se incomodar em chamar Leah e eu – sabiam que não daríamos atenção. Entre os garotos mais novos, de olhares absortos e impressionados, havia um garoto mastigando uma fatia de pizza de calabresa com azeitonas. Movi o dedo indicador e uma das azeitonas saltou para sua traqueia; o garoto se ergueu em um salto e começou a bater no peito com violência. Fitei Leah pelo rabo do olho. Quem é o alvo?, indaguei.

Ela assistiu, confusa e incrédula, enquanto Sam agarrou o garoto pelas costelas e tentou fazê-lo cuspir a azeitona. Caleb?, chutou.

Errado. Na última compressão de Sam no estômago do garoto, a azeitona desembestou da garganta diretamente para o olho de Billy Black, faltando pouco derrubá-lo da cadeira de rodas. No desespero de ajudá-lo, Sue deixou cair um copo de cerveja na fogueira que suscitou uma nuvem de fumaça em formato de cogumelo e acabou com toda a magia das lendas.

Billy?!. Leah deixou escapar um riso de choque. Jacob vai ficar puto se descobrir.

Se possuir alguma vergonha, Jacob vai ficar puto é com o pai dele. Mostrei a ela os pensamentos dos Anciãos. Veja o que ele quer de mim. O que o Conselho quer.

Sua cabeça meneou negativamente. Quanta baixaria... Sinto muito que tenha que escutar... Espera aí, minha mãe não concordou?

Sue é uma grande mulher. Estreitei os olhos, tencionando dar mais ênfase à ameaça. E nunca diga a ela que me ouviu reconhecer isso.

Vou usar como moeda de troca um dia, me aguarde, brincou. Próximo alvo. Será mais fácil, já que captei sua jogada.

Ah, mas essa eu quero ver. Contraí os dedos e Jacob pulou no banco como se tivesse levado um tapa na nádega. Quem é agora?

Quil. Revirou os olhos. Ele está do lado esquerdo de Jacob e você bolinou o direito.

Sorri largo. Bem pensado, mas... Apertei outra vez e com mais ímpeto. Jacob se virou para socar Quil, porém no que ele preparou a investida, Quil se abaixou para pegar a lata de refrigerante perto dos pés e o punho acertou Embry. Foi difícil ver o que aconteceu depois, porque os três se engalfinharam, derrubando o banco e rolando pela grama.

Leah e eu sentimos nossos olhos encherem d’água de tanto segurar o riso.

Está bem, cedeu. Você é muito boa.

Aprendi esse princípio lendo sobre a Guerra de Tróia. A maioria acha que o que provocou foi o rapto de Helena por Páris, mas na verdade foi com Éris escondendo o Pomo da Discórdia entre os presentes no casamento de Peleu e Tétis. Pequenas ações... grandes consequências.

Mais uma?, sugeriu com um sorriso maquiavélico.

Claro, só que essa você não vai conseguir acompanhar. Aproveitei que Seth correu para apartar a briga – afinal, ele era o pacifista da matilha – e puxei seu pé, simulando um tropeço. Ele se agarrou à primeira coisa que apareceu na sua frente, que por azar foi o vestido de Kim. As alças do vestido se romperam, deixando a garota só de casaco e roupa íntima diante de todos.

Desta vez, não conseguimos impedir as gargalhadas; elas explodiram de nós e ecoaram floresta adentro, por mais que tivéssemos tapado a boca. E foram precisamente nossas gargalhadas que nos delataram. Logo que a situação se regularizou – Billy arranjou um saco de gelo e Kim vestiu roupas de Rachel –, Quil, Jacob e Embry caminharam até onde estávamos isoladas e se esparramaram à nossa volta. Os garotos eram espertos; sabiam que não agíamos daquele jeito se não estivéssemos aprontando – o episódio do bar, infelizmente, atestava contra nós. Os olhos de Leah brilharam, maliciosos, no que me viu fazer uma carranca, chateada com a interrupção. Privar-me de meu único entretimento trouxe de volta a enxurrada de tudo o que eu estava tentando esquecer.

— O que estão fazendo aí, escondidas nesse canto? – interrogou Jacob.

— Respirando. Produzindo gás carbônico.

Minha antipatia pouco o surpreendeu, entretanto não foi o suficiente para fazê-los voltar para a roda com o rabo entre as pernas.

— Por que tão melancólica, Anneliese? – Quil apontou para Seth. – Discutiu com a namorada de novo?

— Que pena – Jacob suspirou quando fiquei calada. – Pensamos que o visual anos 50 fosse dar uma ajudinha.

— Pelo jeito, erramos feio – notou Embry.

— Pessoal, posso lhes mostrar meu novo poder? – Brandi a mão, sem paciência naquele estado de espírito bipolar. – Eu o batizei de Quebra-Nozes.

— Não era O Lago dos Cisnes? – redarguiu Quil com falsa ingenuidade. – Por falar nesse assunto, adorei aquela sua dança. Muito sensual.

Bufei.

— Tenho medo do dia em que eu dançar algo realmente ousado na frente de vocês.

— E o que definiria como “ousado”? – Embry interpelou, fazendo as aspas com os dedos.

— Salsa, um flamenco, talvez... – Dei de ombros. – Tango, cheerleading...

Embry estremeceu.

— Tango até vai, mas não dá para imaginar você, Mortícia, vestida de cheerleader e segurando pompons.

Fiz uma promessa solene de nunca mostrar a eles a foto do Halloween de 1993.

— Nem sabia que tinha cheerleaders na Transilvânia – emendou Jacob.

— Ah, mas tem – zombou Quil. – O time deles se chama Sugadores de Almas.

Os risos testaram as barreiras da curta tolerância que eu ainda tinha. Percebi que os olhos de Seth lampejavam para a minha súbita expressão agressiva a cada dez segundos.

— Vou contar até três – anunciei –, e se tiver sobrado alguma coisa aqui além de rastros de poeira, vou apresentar a esses seus lindos maxilares a dança dos punhos felizes.

— “Dança dos punhos felizes” – repetiu Jacob, saboreando as palavras. – Muito másculo. Mas uma demonstração de salsa parece mais agradável. 

— Quem sabe – consenti na esperança de espantá-los. – Se Pietro tiver a capacidade de sair de Paris e chegar a me visitar em Forks. Ele é o melhor parceiro de dança que já tive.

— Está ouvindo, Seth? – Quil espichou o pescoço. – Você tem um rival e nem sabia.

— De fato – concordei, sardônica –, seria uma relação perfeita se não me faltasse algo que Pietro aprecia muito.

— O quê? – perguntaram em uníssono.

— Um pênis. Necessidade que à essa altura Pierre já supriu várias e várias vezes.

Leah foi a única a rir, e rir alto.

— Segurem essa, seus idiotas! Agora, caiam fora. Não vou socorrê-los se ela quiser arrancar esses polegares que vocês têm entre as pernas. – Ela estudou meu olhar feroz. – E eu diria que isso está muito próximo de acontecer.

— Anna não seria capaz – Embry contrariou. – Ela é puritana demais para ver homens sem calças.

Meu limite se rompeu como vidro se espatifando. Levantei-me devagar, ciente de que meu aspecto era mortalmente calmo. Na superfície.

— O que foi que disse?

Embry precisou de apenas quarenta e seis avos de segundo para encontrar em meu rosto algo que o deixou em pânico.

— Nada. – Ele recuou um passo automaticamente e girou a cabeça para os amigos. – Vocês ouviram alguma coisa?

Óbvio que negaram.

— Ah, mas eu ouvi – Leah incitou de maneira dura, sem mexer um músculo no banco. – Ele chamou você de incapaz, Anna. Se fosse comigo, não deixaria barato.

Incapaz. É o que veremos. – Com um movimento conciso, os pés dos três foram arrastados no ar, deixando-os dependurados que nem frangos no abate. Eles gritaram em surpresa, os braços se agitando ao que me voltei para o círculo quileute, o sangue pulsando feito tambores nos ouvidos. – Ei, vocês! Tapem os olhos das crianças! Não respondo por possíveis traumas!

De início, todos eles pensaram que era algum tipo de piada. Exceto Seth – ele arfou e se pôs de pé no mesmo instante. Sem desviar os olhos dele, girei a mão e deixei os garotos na vertical. Um pequeno aviso, um prelúdio do que eu estava por aprontar. Fiz um brusco gesto para baixo; as camisetas de Quil e Jacob e o moletom de Embry rasgaram ao meio, caindo em farrapos sobre a grama. Foi a deixa para eles compreenderem que a fúria no meu semblante era real.

Jacob tentou manter a tranquilidade, parando de se debater.

— Pare com isso, Anna...

— Seja razoável, pelo amor de Deus! – aconselhou Embry, alarmado.

— Por quê? – objetei. Os zíperes de seus jeans se abriram lentamente, servindo bem no propósito de tornar o suspense doloroso. – Você falou que sou puritana demais para ver um homem sem calça. Isso dá a entender que quer ser um voluntário.

— Você tem a droga de um voluntário bem ali! – Quil brandiu o dedo em riste para Seth. – Agora, nos deixe descer!

— O quê?! – rosnei. Facetas de ferro foram cuspidas do solo e se aglomeraram a minha volta como um enxame impetuoso de vespas, assumindo o contorno de farpas afiadíssimas. Até Leah já não estava levando na chacota. Sam e Paul tentaram me cercar de modo sorrateiro, o que serviu somente para me enraivecer mais. – Afastem-se!

Em um rompante inconsciente, um campo de força se formou e se arrebentou para além de mim, derrubando todos contra a grama. A fogueira se apagou, coagindo a noite a se estender sobre nós junto ao choro agudo de criança. Claire despertou desesperada com o susto, tirando qualquer indignação das feições de Quil. De repente, assim como os outros, ele só suplicava para que eu parasse. Por algum motivo que não entendi, tudo me pareceu terrivelmente familiar.

Seth não se atentou ao meu alerta. Com as mãos espalmadas no alto ele deu passo ante passo, interpondo-se entre eu e seus irmãos. Se fosse necessário escolher, o imprinting faria de mim sua prioridade, mas – não imagino de que maneira – Seth sabia que eu não iria feri-lo, que essa era minha verdadeira incapacidade – machucar alguém que me amava. E foi se aproveitando desse momento de hesitação que ele usou o único argumento que poderia me dissuadir. Por favor, Anna. Por favor. Não brinque com marionetes. Não seja como ela. Não seja como a Lívia.

Estaquei no lugar. Como ele podia me repreender por jogar sujo quando ele também apelava para golpes baixos? Não era justo.

— Está certo – me rendi de cara fechada e as farpas de ferro se fragmentaram no percurso de volta à terra. – Você venceu.

Fiz um aceno para os três patetas, esperando vê-los se escavacar, contudo eles continuaram levitando. Franzi o cenho para as minhas mãos, perplexa enquanto as estudava. O que havia de errado com meus poderes? Jamais em oitenta anos eles falharam. Tentei novamente, até me dar conta da verdade.

Arregalei os olhos para Seth.

— Não sou eu – murmurei, boquiaberta e desconcertada.

Essas palavras desencadearam o apocalipse. Jacob, Quil e Embry foram arremessados nas paredes vermelhas da casa e os quileutes foram prensados no chão. Somente eu estava de pé quando ele planou diante de mim.

David surgiu da copa das árvores feito um espectro, silencioso e temível. O cabelo castanho-claro tremulava na testa e seu maxilar estava tenso, as mãos fechadas com os nós dos dedos brancos do lado do terno risca de giz. Os olhos escuros, nos quais eu me habituara a detectar indiferença, inflamavam com um ódio obscuro, mas não eram em mim que eles estavam. Quando Dave me saudou, sua atenção se concentrava toda em Seth.

— Olá, Anne.

Engoli em seco. Fui tola de não ter previsto antes.

Não fui atrás de David.

Então ele viera atrás de mim.


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Notas finais do capítulo

Não me odeiem!



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