Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 15
David


Notas iniciais do capítulo

Oooie, pessoal! Voltei! ♥
Estou tão feliz que nem consigo me conter! A fic já passou de 3000 visualizações, está com 30 leitores e 9 favoritações! Não me esqueci de vocês, amorzinhos, e agradeço aqui agora, de coração! Sério, MUITO OBRIGADA MESMO!
Quanto ao capítulo, eu sei que ele está curtinho, mas a importância dele é crucial.
Enjoy e não se esqueçam de ler as notas finais!



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Aconteceu tudo tão rápido que, se eu não fosse vampira, dificilmente teria acompanhado o desenrolar da catástrofe. Junto aos meus pés, Seth explodiu no imenso lobo cor de areia, sendo seguido pelos irmãos que um a um foram irrompendo de dentro das roupas. Os garotos próximos aos Anciãos e às moças na roda se arrastaram pelos cotovelos para se transformar e, em uma batida de coração, eu estava rodeada de dezesseis horripilantes lobisomens do tamanho de cavalos. Tive tempo apenas de trocar um único olhar com David, um olhar límpido e indecifrável, antes que ele disparasse feito um falcão para o interior da floresta com os lobos em seu encalço, que preencheram a noite com rosnados.

Naquela atordoante situação estupefata, demorei a entender que eu devia ir atrás deles, impedir a qualquer custo o combate iminente – e não era pelo meu outrora irmão adotivo que eu temia; David não era benevolente como eu e não hesitaria um instante em matar a todos. Com o desespero se espalhando pelos músculos, minhas pernas se moveram devagar, quase mecânicas ao que eu mergulhava na escuridão entre as árvores com a sensação de que o solo estava ruindo sob a sola dos meus tênis. Alcei voo, testando meus limites de velocidade à medida que a mente procurava se conectar com as matilhas.

Parem!, gritei na cabeça de todos e fui respondida com palavrões e mais rosnados. Seth e Leah reduziram a corrida até que eu os alcançasse, mas também não pararam; o poder de alfa de Jacob estava atiçado ao estado máximo com o calor do perigo e era imperativo que eles o seguissem. Tentei focalizar os dois enquanto desviava das árvores, para que eles vissem a urgência em meu rosto e tomassem isso como um pedido de desculpas para o que eu estava por fazer.

Estendi meus braços para frente, impondo a gravidade a tocar os lobos e os que estavam mais perto de mim foram abruptamente interrompidos, suas patas suspensas no ar ainda tentando recobrar o ritmo da perseguição. Esforcei-me a fazer o mesmo com os que estavam mais adiante, entretanto além de eles serem muitos, os veteranos encabeçados por Sam e Jacob estavam longe demais da minha abrangência. E estavam próximos demais de encurralar David. E a única vez em que vi Dave fugir da raia, era porque nós dois sabíamos das consequências se fôssemos derrotados – ele seria o objeto da barganha que os Volturi usariam para me coagir a me tornar membro da Guarda.

Sem ver qualquer outra alternativa para evitar um massacre, lancei mão de um de meus dons proibidos, um dos dons que eu havia jurado jamais usar – o dom de Jane. O olhar da dor saltou de mim como um projétil e de súbito duas coisas – pelas quais eu não esperava – ocorreram simultaneamente. A primeira foi que não foi somente Sam que desabou em agonia; todos que estavam em contato telepático comigo foram afetados, inclusive Seth e Leah. A segunda foi que, feito a abelha que morre após da ferroada, o ataque ricocheteou para mim com intensidade expandida.

Meu grito agudo foi abafado pelo uivo dos dezesseis lobos torturados e eu caí cavando um sulco pelo solo, encolhida ao que as mãos apertavam a cabeça. Fechei os olhos na tentativa afoita de me livrar do sofrimento, concluindo em algum lugar distante da mente que aquilo era resultado do poder empata que herdei de Jasper – de sentir o que os outros sentem. Que merda. E foi sentindo o que os lobisomens estavam sentindo, a raiva que emanava deles, que abri os olhos. Seth e Leah mal conseguiam se interpor entre eu e Sam, Jared e Paul, que avançavam com os focinhos recuando sobre os dentes.

O que pensa que está fazendo, bruxa?!, grunhiu Sam, furioso. Defendendo o invasor?!

Arfei repetidas vezes, sem fôlego para me justificar. Já Seth, tremeu e se eriçou inteiro. Mais respeito com a minha Anna, Sam, alertou, ainda que Sam não pudesse escutá-lo. Fiquei de pé entre a terra molhada com dificuldade, os joelhos moles ameaçando ceder, e afastei Seth com um olhar advertente e um toque no flanco. Interpus-me toda maltrapilha defronte para Sam, ficando cara a cara com ele e precisando erguer um pouco o queixo para olhá-lo nos olhos.

— Não, eu estou protegendo vocês— corrigi em voz alta, uma vez em que não estava em condições de me comunicar por pensamentos. Engoli em seco. – Sam, não podem enfrentar aquele vampiro. Ele é David Dalaker, meu irmão de criação.

E que diferença isso faz?!, Sam rebateu praticamente ombro a ombro com Jacob, ambos se colocando em tamanha sincronia que as matilhas pareciam uma só novamente. Não importa quem seja, ele invadiu nossas terras! Nosso acordo com os Cullen é bem específico!

Importa sim! – contestei com um fervor incontido, as mãos em punho do lado do corpo suscitando outro campo de força que os impeliu a se afastar. O que estava havendo com meus poderes? – Eu o conheço o suficiente para saber do risco que ele representa! – Estiquei o dedo para a direção em que Dave sumira. – Abra os olhos e veja, seu paspalho idiota, ele está voando! Minha telecinese foi copiada dele! E vocês sabem muito bem a dimensão que esse poder tem. David vai torcer seus pescoços sem nem precisar tocá-los!

Você tem essa desgraça de poder e nós a derrotamos na campina!, Paul salientou, tentando investir contra mim com uma mordida e Leah lhe meteu com os dentes na clavícula. Eles rolaram pela terra até que Jared e Embry os separassem com latidos estridentes.

— Isso porque eu não queria matá-los! – berrei a plenos pulmões. – E lhe garanto que David não terá a mesma misericórdia! Quase não a teve comigo... – Voltei-me para onde pensamentos me chamavam e gemi. – Ah, inferno, David parou de correr também. Está escutando minha voz. Quer que eu vá até ele... – encarei Seth pelo rabo do olho – ...sozinha.

Bastou essa simples palavra para que toda a concentração de Seth se dissolvesse em puro pavor. Seus olhos de carvão, antes estreitos e cravados em Sam, se viraram para os meus arregalados. Não, decretou ele, determinado. Não vou deixar você ir até lá sozinha, Anna.

— Seth, ele está aqui por minha causa – suspirei. – Tem me rondado há dias e veio até a reserva rastreando meu cheiro. É um problema meu que somente eu tenho que resolver. – Alisei seu dorso gentilmente. – Não se preocupe, ele apenas quer conversar em particular.

De jeito nenhum. O focinho tocou o alto da minha testa, como se deixasse um beijo ali. Você tem medo dele, meu anjo. E se tem, é por uma boa razão.

Bufei, sarcástica.

— Não tenho medo de David. – Vendo claramente que nenhum deles se convencera, estreitei os olhos e trinquei os dentes, consciente de que não havia mais como fugir da verdade. – Só... não gosto do que vem depois, porque já conheço o conteúdo desta conversa. E seria um eufemismo meu dizer que esse “depois” não é nada agradável.

Não, teimou Seth sem se afastar, agora apoiado pela irmã e – para a minha surpresa – pelo restante da matilha de Jacob. Eles chegaram à conclusão de que, dado a postura defensiva que eu estava erguendo feito uma barricada, o caso era mais grave do que transparecia.

— Dave? – chamei para lhe prender a atenção. – Levarei um deles comigo, está bem? Encare como uma oferta de paz, eles querem garantir que eu esteja segura.

O retorno de David sobre a proposta me tirou uma careta.

— Ele concordou que eu leve Leah. – Qualquer um, menos o garoto, foi o que ele respondeu, na verdade, e eu sabia a quem ele estava se referindo. Achei melhor não mencionar este fragmento.

Decidida a não dar brechas para Seth objetar, Leah começou a trotar rumo a área descampada onde David nos aguardava, separada do restante da floresta por uma cortina de samambaias que pendiam de abetos. Logo me ajustei com seus passos apressados, trocando um olhar cúmplice com ela que não teria sido mais autoexplicativo se eu tivesse verbalizado. Tente controlar seu irmão, Leah, pedi, sentindo os olhos de Seth nas minhas costas. Ele não vai gostar do que vai ver. Ela assentiu e eu respirei fundo para então atravessar o véu de plantas.

Ter os olhos de David sobre mim fez com que eu me sentisse de novo a frágil e ingênua garota que ele encontrou dançando ballet na Rússia dos anos 20. Balancei a cabeça para afastar essa sensação; minha personalidade podia não ter mudado, mas eu já não era aquela garota. Tinha vivido demais, sofrido demais, aprendido demais para continuar sendo a mesma pessoa.

Algo parecido mostrava ter modificado David, e a mudança acontecera de forma física. Os olhos negros estavam mais fundos que o normal, algo evidenciado pelas olheiras da sede; o cabelo castanho-claro, em regra comprido, cheio e impecavelmente penteado para o lado, estava mais curto acima das orelhas e a franja descuidada. Até as roupas estavam diferentes; devido à época em que nasceu – na Inglaterra do fim do século XVII, tendo sido o mais aplicado dos aprendizes de Sir. Isaac Newton –, David jamais usara qualquer vestimenta que pudesse ser considerada informal, sempre apelando para elegantes ternos, smokings e suspensórios, porém pelo que eu me lembrava havia cores dando vida às essas peças. Ali não; o terno risca de giz era inteiramente preto, assim como todo o resto, maculando sua beleza de um lorde inglês até restar a aparência de um taciturno coveiro. Tremi com esta constatação e por um segundo desejei que fosse dia – que os raios de Sol ultrapassassem as árvores e trouxessem a luz dourada aos seus cabelos e calor à sua expressão gélida.

Fiz um sinal para que Leah permanecesse no lugar e não parei de andar até estar defronte ao seu corpo de estátua. David era um tanto mais alto e fisicamente mais velho do que eu, mas não muito; ele tinha dezoito anos quando foi transformado, no entanto os traços finos o faziam parecer mais juvenil. Contive um calafrio; era essa beleza que eu julgava como adorável e era o que agora fazia dele alguém mais assustador.

Fiquei quieta, aguardando por uma iniciativa por parte dele – o tabefe que me desferiu foi previsível, algo pelo qual eu já esperava como cumprimento. Recuei um passo e toquei onde minha bochecha latejou ao mesmo tempo em que gesticulei para Leah comportar seus rosnados; um aviso também para Seth, a quem foi necessário ser imobilizado pelos irmãos entre a vegetação.

Como você ousa?! – cuspiu David em russo, o que me doeu mais do que o tapa. Russo era a língua com que nos comunicávamos como uma espécie de piada interna, pois foi na Rússia que nos tornamos “irmãos”. Já naquele momento, o uso do russo só servia para impedir que os lobisomens soubessem do que estávamos falando.

— Como ouso o quê? – retruquei em inglês, irredutível em dificultar as coisas para ele. – Ser feliz?

Sim, seus pensamentos confusos e embaralhados revidaram. Era esse o meu crime. Ter encontrado uma nova família para amar quando eu deveria estar definhando, de luto pela morte de Joseph – que no seu ponto de vista, era total e incontestavelmente minha culpa. David calou essa farpa, contudo. Seus olhos negros desceram por minha silhueta três vezes, o cenho unido.

Você está mudada— avaliou com surpresa, mas também com um certo prazer.

Engoli um riso irônico e cético. Ele andara se vendo em algum espelho?

O que esperava encontrar?— zombei, cedendo ao russo. De fato, havia detalhes que eu não queria que os lobos soubessem, especialmente Seth. – Uma pira incandescente comigo pronta para se jogar nela, que nem da última vez?

David arqueou a sobrancelha ao escutar o idioma – porque ele entendeu que nossos motivos eram iguais – e em seguida estremeceu com a alusão. Nenhum de nós dois se simpatizava com essa lembrança. Foi há mais ou menos quatro anos, no período em que já me tornara híbrida e minha depressão chegou ao limiar do insuportável, então decidi dar um fim àquele calvário. Construí uma grandiosa fogueira naquela campina onde os Volturi assassinaram Joseph e estava à beira de me atirar nela quando David, quase que por intervenção divina, apareceu do nada. Você enlouqueceu, Anna?!, gritara, prendendo-me debaixo dele e me esbofeteando. Você ficará viva, custe o que custar! Está ouvindo?! Viverá a qualquer custo! Desde esse dia, meu propósito de vida passou de procurá-lo e implorar seu perdão para de evitá-lo ao máximo possível, escondendo-me de suas incriminações afiadas do melhor jeito que conseguia.

Ele ignorou a própria reação para esticar um sorriso diabólico ao enfiar com as mãos nos bolsos. Seus pés se moveram para lá e para cá, substituindo o aspecto estático por uma casualidade suspeita.

— É impressão minha – começou com os olhos na floresta, se demorando nas sílabas – ou você não quer que seu brinquedinho saiba da sua tentativa de suicídio, da qual por acaso eu lhe salvei?

Meu rosto virou pedra com a provocação. Reprimi o impulso de olhar sobre o ombro, onde um silêncio mortal se instalou entre os lobisomens e bloqueei suas mentes. Não queria saber o que eles pensavam acerca de minha fraqueza.

— Primeiro, morda a sua língua, porque Seth não é um brinquedo. Segundo, eu não teria tentado um suicídio se você não tivesse me abandonado.

David se retesou como se tivesse levado um soco no peito. Seu semblante sem emoção desmoronou em uma angústia tão lancinante que imaginei que somente alguém que teria visto o Inferno poderia expressá-la. Meus olhos se encheram de lágrimas, pois a dor dele era um espelho da minha.

— É esta a razão que me trouxe até aqui, Anne. – O modo adocicado como ele pronunciou meu nome me desarmou e senti a respiração se trancar na garganta quando ele se ajoelhou lentamente, sem hesitar. – Vim de longe para me humilhar a seus pés... E suplicar que me perdoe por todo o mal que lhe causei. – Sua mão buscou a minha, os lábios frios tocando meus dedos com intensidade. – Eu estava ferido... Procurando alguém para responsabilizar pelo meu luto e acabei descontando em você, minha adorada. Não estou tentando fundamentar minha selvageria e nem peço que me entenda... – Os olhos subiram até se unir aos meus, tão verdadeiros, tão sinceros. – Apenas me agracie com um pouco da bondade que você sempre teve e tire este peso da minha consciência.

Solucei à medida em que as lágrimas desciam copiosamente por meu rosto corado. Acaso eu estava sonhando? David estava me pedindo desculpas? Tudo o que eu almejei no decorrer de quinze cruéis anos estava me sendo oferecido de bandeja. O que poderia eu fazer, senão aceitar? Ajoelhei-me com ele e o apertei entre meus braços trêmulos de felicidade com toda a força física que eu conseguia exprimir.

Não há nada a perdoar, meu irmão— murmurei, novamente em russo. – O que passou, ficou no passado.

Senti um sorriso tocar meu cabelo, junto com um beijo. Sorri também, após um suspiro de alívio. David Dalaker, meu irmão de criação. Mal ele sabia que não era o peso na consciência dele que eu tirei, e sim o que curvava minhas costas.

Vamos para casa, Anne.— Ele se afastou e limpou afavelmente minhas lágrimas com os polegares. – Pegue suas coisas com os Cullen e vamos voltar para voltar Bergen. Você mesma disse, deixaremos o passado no passado, apagaremos esta nódoa de nossa história...— uma carícia percorreu meu maxilar – ...e voltaremos a ser felizes, como sempre fomos.

Sobressaltei-me, chocada. Voltar para Bergen, quando eu havia acabado de me estabelecer em Forks com Edward, meu irmão biológico? Não, aquela não era uma opção. Sem mencionar que não restara nada para nós em Bergen, apenas uma casa vazia e memórias ruins... Eu estava para sugerir que ele ficasse conosco, oferecer um lugar entre os Cullen quando seus pensamentos, até então todos avulsos, se encaixaram e eu me dei conta do que David estava se empenhando em omitir. Levantei-me no ato e me distanciei dele com as costas rígidas.

O objetivo que lhe trouxe até aqui... não era para se desculpar— compreendi.

Era sim— insistiu, cauteloso conforme se colocava de pé.

Não. – Ofeguei, procurando meus pulmões. – Não é, não. O que você quer não é nem me afastar dos Cullen, do meu irmão de sangue, o que você quer é me afastar dele. É por isso que esperou os Cullen sair em viagem de caça, porque sabia que seria mais fácil me manipular se me encontrasse sozinha!

Ele deu um passo na minha direção com as mãos espalmadas, tentando me acalmar:

Eu não...

Não minta para mim, David!— esbravejei, tão possessa que minha vista ficou embaçada. Um campo gravitacional se expandiu para além de mim com um rompante e metais começaram a brotar feito cogumelos da terra. Leah soltou um gemido alarmado e em torno da campina, as alcateias se aproximavam sorrateiramente. – Posso ler seus pensamentos agora! Foi um dos motivos que lhe fizeram se afastar, você sabia que não teria meios de esconder a verdade de mim, como fez durante todos esses anos!

De repente, sua atitude se alterou completamente. De cuidadoso, ele assumiu um porte relaxado e feições sombrias. Pude ver a máscara caindo, a fachada trincando.

Não vou ficar sentado observando e tolerando que você...

Que eu o quê?— cortei-o. – Que eu tenha por Seth todos os sentimentos que eu jamais consegui ter por você?! Que eu esteja apaixonada por ele?! Que eu o ame?!

David comprimiu os lábios em uma linha fina, enojado. Em contrapartida, eu nem tive tempo de processar o que havia acabado de admitir. Simplesmente apoiei a mão em garra sobre o peito, sentindo um novo tipo de dor rastejando até meu coração e até ali, eu acreditava que já conhecia todas as formas inimagináveis de dores. Eu estava errada. Essa se apresentou, destruidora e implacável, deixando para trás seu rastro amargo e me fazendo duvidar de todas as coisas que eu tomava por certeza. David não me amava como eu o amava... então os planetas não giravam em torno do Sol? Não havia vida após a morte? O vento não existia? Vampiros e lobisomens não passavam de lendas e contos da carochinha? Meu mundo despedaçou.

— Meu Deus... – minha voz vacilou do russo, embargada, mas eu não desisti. Cedo ou tarde, eu teria que saber. – Em algum momento da sua vida você me amou de verdade?

Minha evidente desordem mental o comoveu. David abriu os braços, como se rendesse e quisesse me abraçar ao mesmo tempo.

— Eu sempre lhe amei, Anne – confessou, de pupilas dilatadas e olhos brilhantes. – Desde o primeiro instante em que a vi em Moscou. Tão linda, tão perfeita dançando como o mais delicado dos flocos de neve... A primeira vez que falou comigo, no que escutei sua voz, juro por Deus que pude sentir meu coração, há tanto morto, bater novamente... E eu soube que estava perdidamente apaixonado e que jamais conseguiria arrancar esse sentimento de mim!

Mentira!— vociferei com raiva redobrada, usando o russo com o intuito de quebrar definitivamente esse elo. Nem percebi que estava levitando. As pedras metálicas orbitavam ao meu redor sem qualquer controle. – O que você chama de amor não passa de uma doentia obsessão! Você me destruiu a ponto de frangalhos pensando que quando assoviasse me teria de volta do jeito que queria, nas condições que desejava! E eu acreditando que...!— Agitei negativamente a cabeça, quase cega pelas lágrimas e pelo ódio. – Para você, estava tudo bem que eu não lhe amasse como homem, desde que eu não amasse outro! Tem a menor ideia do quanto isso é mesquinho?!

David ascendeu no ar também; a gravidade às suas rédeas obrigando as árvores a se inclinar para ele, faltando pouco para que seus troncos se dividissem ao meio.

— Ele não a merece!— bradou, libertando todo o ódio que havia trancafiado.

E você merece?! — retorqui. – Seth estaria disposto a sacrificar tudo por mim, enquanto que você estava disposto a sacrificar tudo o que eu sou!— Fiz um ríspido movimento com o braço para baixo e David foi brutalmente prensado contra a terra. O som do impacto ecoou pela floresta e uma nuvem alta de poeira subiu, sendo lavada logo em seguida pelo chuvisco que desabou do céu acima de nós, agora roxo. David nem ao menos tentou lutar; sempre esteve ciente de que eu era mais poderosa. – Vá embora e não volte nunca mais! – mandei em inglês para que os lobisomens também assimilassem. – Se voltar a pôr os pés aqui, lhe darei de ração aos lobos!

David sequer pensou duas vezes antes de bater a poeira do terno e desaparecer na noite. Esperei até garantir que ele estivesse distante o bastante para tombar sobre a terra em posição fetal, chorando desesperadamente com os dedos cravados sobre o peito, tentando tirar à força aquela dor. Os metais desgovernados desabaram junto com a chuva e não tardei a sentir um focinho tristonho tocando minha testa; abracei Seth pelo pescoço e chorei mais e mais. Uma mínima parte de mim – a parte boba – estava satisfeita que ele não captara a parcela importante da conversa devido ao idioma, entretanto a maior parte não queria que ele me visse naquele estado lamentável e muito menos o ataque de fúria que o sucedia. Portanto, para poupar Seth de testemunhar o que havia de pior em mim, fugi voando feito um míssil rumo ao litoral e desvaneci entre as ondas do mar.

 


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Notas finais do capítulo

Ok, ok, eu sei que esse pegou pesado. Mas pra compensar, vou deixar um spoiler amigo: próximo capítulo é sobre o aniversário do Seth e eu guardei algumas surpresinhas (muahahahaha).



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