Estrela da Tarde escrita por Ametista


Capítulo 13
A praia


Notas iniciais do capítulo

Oie ♥
Esperei até chegar à 2000 visualizações pra fazer uma reclamação...
POR QUE TEM DUAS MIL FODENDO VISUALIZAÇÕES E VOCÊS ESTÃO COMENTANDO TÃO POUCO??
Galera, eu tenho uma matraca na garganta. Sou a favor das vias de mão dupla. Quero muito o retorno de vocês para saber me direcionar! Aos que estão comentando, AMO VOCÊS DE PAIXÃO! Esses comentários de vocês me emocionam pra caramba (canceriana), juro! E sobre o capítulo, nesse ia também a parte da fogueira, mas como já estava dando mais de 6500 palavras, eu resolvi dividir (foi mal, Emme!). Enfim... aproveitem e me perdoem pelo que lerão!



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Descobri cedo que homens são seres extremamente manipuláveis – ou, no mínimo, influenciáveis. Aprendi mais ou menos no fim da infância, assistindo as técnicas espertas que minha mãe usava quando queria extorquir algo de meu pai nas raras temporadas que ele estava em casa. Uma garrafa de vinho, um tom de voz agradável em uma conversa espirituosa, um olhar mais penetrante e cheio de mistérios... Detalhes que resultavam em risos – e outros sons – atrás de uma porta passada à chave e no olhar enfeitiçado do meu pai pela manhã, o que sempre era acompanhado de joias, vestidos, perfumes ou o que quer que Elizabeth desejasse. Claro que na época eu pouco sabia o que significava tudo isso. Quando compreendi mais do mundo do que os livros conseguem ensinar, fiquei surpresa de não ter tido mais irmãos.

Foi empregando esse conhecimento perigoso que consegui distrair Seth, que teve dificuldade de tirar os olhos de mim para cumprimentar o amigo que nos alcançou. Exatamente como eu planejava, minhas palavras – o quase consentimento sobre... nós— o abalaram o suficiente para que ele nem percebesse meus dedos sorrateiros se enlaçando nos dele, minha pele se recostando mais a sua. Perfeito, ainda que fosse evidente que ele estava usando muito do seu autocontrole para não me tomar nos braços e me beijar ali mesmo. Mordi o lábio para segurar um sorriso malicioso, e lancei mão de minha melhor expressão calorosa para o tal colega de classe, um garoto alto com as mesmas feições quileutes que eu já me habituara – pele castanho-avermelhada, cabelos pretos e lisos na altura dos ombros. Os olhos, porém, eram cinzentos como o céu de inverno. Vestia jeans escuro, botas e jaqueta de snowboard, na qual ele não parava de afundar os punhos nos bolsos e retorcer os dedos.

— Ei, Seth. – O sorriso diabólico que eu estava prendendo se estendia entre as bochechas dele ao ver nossas mãos unidas. – Que surpresa encontrá-lo aqui. – Seus olhos desceram até meus tênis em uma exploração crítica, indicando que a surpresa na verdade era eu.

Seth teve uma reação estranha para seus padrões de gentileza. Deu um passo adiante para me posicionar quase atrás de seu ombro, procurando me encobrir da curiosidade daquele garoto. Ergui a sobrancelha, confusa e não tardei a encontrar a causa daquele comportamento – ao que tudo indicava, Seth queria me manter afastada de mais mexericos em La Push.

— Kurt – murmurou, um tanto tenso. – Não sabia que você ia vir a praia hoje.

— Nem eu. – Deu de ombros. – A galera combinou de sair de última hora. Ligamos na sua casa, sabe, para chamar você, só que Sue disse que tinha saído e que ia demorar para voltar. – E agora entendi o porquê, pensou, fazendo uma pausa para me estudar outra vez e então me apontou o queixo. – Quem é a belezinha?

Seth revirou os olhos e suspirou alto, relaxando os ombros ao se render:

— Anna, esse idiota é Kurt Green, o meu melhor amigo retardado...

— O certo não seria dizer que sou o retardado do seu melhor amigo?

— ... e, Kurt – continuou, ignorando-o –, essa é Anna Masen.

— A namorada dele – completei com um sorriso sacana e dois pares de olhos se cravaram no meu rosto. – Muito prazer, Kurt. Já soube de muitas histórias sobre você. – Não era mentira; a mente de Seth era repleta de inúmeras recordações com Kurt.

 O garoto me fitou como se tivesse saído uma serpente da minha boca.

— Seth não tem namorada – disse estupefato.

— Seth tem namorada. Eu. – Franzi o cenho, dando a impressão de que isso era um fato concreto que já deveria ser de noção pública. Quando obviamente não obtive resposta, voltei-me para Seth, tentando soar magoada. – Não contou de mim ao seu melhor amigo?

Em vez de se deixar sugestionar, Kurt lidou com minha tentativa de semear a discórdia de uma maneira que eu não esperava:

— Ah, seu safado! – Ele bateu de brincadeira no braço de Seth, aos risos. – Escondendo jogo, não é? Sabia que essa pose de escoteiro não ia durar! Esse é o cara! – Levantou a mão para cumprimentá-lo, no entanto do nada ele arregalou os olhos para mim. – Só um minuto... Gata, ruiva, sotaque estrangeiro, conhecida dos Clearwater... Não pode ser! Você é a garota que deixou Stu Bennett de quatro!

Trinquei os dentes. Ok. Por essa eu também não esperava. Fiz nota mental de começar a exercitar mais minhas visões para evitar ser pega desprevenida.

— Prove – retruquei.

Uma gargalhada curvou seu corpo para trás:

— É mesmo você! Eu podia jurar que era mais velha! Meu Deus, sinto como se estivesse diante de uma celebridade! – Kurt virou-se para Seth e se esforçou para parecer sério, embora não tenha sido convincente. – Está bem, agora eu entendi porque você escondeu ela de mim. Dessa vez eu deixo passar, seu traidor. Venham, está todo mundo logo ali. Vão adorar lhe conhecer, Anna! – E correu na frente, mostrando o caminho.

Seth ficou tão estático desde a menção da palavra namorada que pensei que estivesse tendo um aneurisma. Quando abri um sorriso cínico para puxá-lo na direção da roda de adolescentes, ele aguardou que Kurt ganhasse uma boa distância de nós antes de protestar:

— Ah, droga, Anna... – gemeu. – Não devia ter feito isso.

— Não seja bobo, eu nem comecei ainda. – Ri, toda faceira. – De qualquer forma, já valeu a pena só por essa sua cara de susto.

— Pensei que não gostasse de rótulos.

— E não gosto. Mas não quer dizer que eu não sei me aproveitar deles.

Seth balançou a cabeça, frustrado.

— Não vê que eu estou tentando poupar você das fofocas? – rezingou. – Vão ficar na sua cola até conseguirem tirar todas as informações que puderem. Kurt, por exemplo, ficou me infernizando a semana toda para descobrir quem era a garota que saiu com a Leah.

— Sendo assim, sinto-me no dever de avisar que vou dar mais motivos para eles fofocarem. – Agitei a mão livre no ar, a que tinha pulseira quileute pendurada. – Ou melhor, nós vamos.

Ele estreitou os olhos e me encarou com um sorriso de canto de boca.

— Sabe que “namorados” implica em uma situação de certa intimidade, não é? – alfinetou, julgando que me faria recuar.

— E como sei. – Acariciei as costas de sua mão suavemente, abaixando a voz para um tom aveludado, íntimo. – Pode apostar que saberei como me aproveitar disso também.

Ele grunhiu, um som rouco que ressoava do fundo de seu peito.

— Quer parar de me provocar? – suplicou baixinho.

— Não.

Seth parou de súbito e puxou a mão entrelaçada à minha em um movimento forte e preciso. Desequilibrei-me no andar e fui de encontro a ele, sentindo seu braço envolver minha cintura com intensidade e ao mesmo tempo com muita delicadeza, um gesto desesperado de quem se apodera de algo já pedindo perdão pelo atrevimento. Repentinamente, vi-me de costas arqueadas e com o rosto tão perto do dele que seu hálito invadiu minha boca entreaberta, tocando a ponta de minha língua com o sabor de hortelã. Uma sede, uma que eu nunca tinha sentido antes, me fez engolir em seco.

— Você confia demais na minha compostura, Anna – sussurrou com a voz rouca e entrecortada, apertando-me com mais impaciência. – Já não passou pela sua cabeça que não é sempre que sou tão... sensato?

A única coisa que nos mantinha relativamente afastados era minha mão, pousada sobre seu peito. Sua pulsação acelerada era mero eco de meu próprio coração, que parecia ter criado asas.

— Não confio na sua compostura – rebati. – Talvez eu confie mais em minha capacidade de detê-lo, caso tente alguma coisa. Ou talvez... – prendi os dedos ao redor do colarinho da camisa, conduzindo-o para mais perto –... eu não queira que você se controle.

Ainda que a muito custo, Seth me impediu, restringindo meu pulso.

— Pare. Já entendi qual é a da vingança. – Seu polegar deslizou pela superfície intrincada da pulseira e ele fechou os olhos, encostando nossas testas. – Brinquei com o lance da provocação no carro e você decidiu me mostrar o que é provocação de verdade. Lição aprendida, Srta. Masen.

— Que bom – murmurei, fechando meus olhos também. Já não conseguia pensar direito. O calor de seu toque estava evocando uma coisa antiga dentro de mim... Parecia música. Uma melodia vivaz e cadenciada, senão um tanto pura...

— Ei, seus sem-vergonhas! – o grito distante de Kurt calou a melodia e no ato eu me afastei de Seth, constrangida com a plateia. – Chega de showzinho e já para cá!

— Kurt, eu odeio você... – praguejou Seth à meia-voz.

Respirei pela boca, desprendendo o ar sem pressa no esforço de tranquilizar as sensações ferrenhas que percorriam meu corpo. Já Seth precisou se apoiar nos joelhos, fuzilando o amigo com os olhos de ônix em fendas, mas então dispararam para os meus como se atraídos por ímãs. Por um segundo, não foi preciso palavras. Eu soube com exatidão o caminho que estávamos trilhando, a que rumo estávamos seguindo... e percebi que já não me incomodava nem um pouco. Na verdade, de repente me parecia uma escolha perfeita, senão muito óbvia, algo que deveria ter sido previsto há eras, lido há tempos nas estrelas. O significado de Destino de súbito se mostrou muito mais real, muito mais palpável.

A convicção deste pensamento fez a melodia retornar com mais clareza. Abri um sorriso tímido para Seth e voltei a andar, memorizando as notas para desenvolvê-las quando estivesse em casa, junto ao conforto de meus instrumentos musicais – já conseguia escutá-la ao som do piano, embora houvesse furos na linha de base. Seth não se preocupou em acompanhar meus passos e demorou para se mover, todavia no que parei diante de seus amigos, senti suas mãos se apertando protetoramente em meus ombros. Enquanto que dele emanava um certo nervosismo, a névoa que rodeava aqueles adolescentes se apresentava em uma paleta de cores escuras e doentias – o preto da curiosidade, o marrom da dúvida, o verde da inveja.

Contando com Kurt eles estavam em sete, três meninos e quatro meninas, e sentados nos troncos embranquecidos posicionados em semicírculo. Os garotos morenos eram evidentemente irmãos, gêmeos tão idênticos quanto o reflexo de um espelho – altos e magros, com olhos muito pequenos para equilibrar com os narizes pronunciados, e os cabelos negros caindo sobre as testas. Das garotas, uma era jovem o bastante para ainda ser considerada uma criança e mal levantou os olhos dos quadrinhos para nos fazer o símbolo de paz e amor. A morena mais alta com traços delicados tinha uma expressão esperta e pragmática por detrás dos óculos quadrados, que logo de início me deu a impressão de ser a responsável por manter os outros longe de problemas. A mais baixa, encolhida no abraço de um dos gêmeos, parecia introvertida e não tinha tantas características quileutes como os demais; a pele era pálida e o cabelo liso tinha um tênue tom de avelã. Entretanto a que mais atraiu a minha atenção foi a de cachos loiro-dourados, porque além de ser a portadora da inveja, era a mesma garota do desenho de Seth.

— Pessoal – começou Kurt de pé no meio do grupo, amistoso e prestativo –, essa aqui é a Anna. Esses dois tapados são Flynn e Griffin, a nerd é a Penélope – apontou a de óculos –, aquela esquisita antissocial ali é a minha irmã, Brenda – gesticulou para a menininha dos quadrinhos, que lhe mostrou a língua –, a namorada do Flynn é a Jasmine, e a loira é a Lívia.

Houve vários cumprimentos hesitantes e acenos se sobrepondo, no entanto Lívia permaneceu quieta e com o queixo duro, faltando pouco para me incinerar com os olhos. Um sentimento possessivo me consumiu e não tive escrúpulos em esquadrinhar sua mente à procura do que me despertou esse instinto; bastou que a história toda se abrisse feito um leque para que eu apertasse a mão de Seth acima de meu ombro, reprimindo o impulso de dar àquela cretina um sorriso presunçoso. Lívia gostava de Seth. Cozinhou-o durante anos na chaleira da amizade para se interessar por ele somente depois que a puberdade o lapidou, sendo que à essa altura ele já havia a superado. Ela até andara se empenhando em reconquistá-lo, aos poucos percebendo que suas táticas estavam se sobressaindo cada vez mais improfícuas e naquele instante ela compreendeu que a razão disso era um terceiro elemento.

— Estão mesmo juntos? – Griffin indagou com desconfiança.

— É isso aí – Seth afirmou, contornando o braço na minha cintura, sendo audacioso o suficiente para deixar um beijo bem na pele sensível atrás da minha orelha. Arregalei os olhos com o choque. O papel de namorado o estava agradando até demais. – Fui abatido, soldados.

— E como se conheceram? – Penélope pendeu o dedo indicador de um para o outro.

— A irmã dele, a Leah – respondi, tomando a palavra. Quis mostrar a Seth que naquela guerra, eu tinha as melhores armas. – Somos amigas e ela nos apresentou. Foi amor à primeira-vista.

Seth teve um acesso de tosse ao escutar a piada interna.

— Amiga da Leah? – repetiu Penélope, descrente.

— Desde quando Leah Clearwater tem amigos? – sibilou Jasmine para Flynn.

Griffin arfou, encaixando as pistas.

— Fala sério, mano! – empolgou-se, levantando-se de um salto. – É a ruiva do bar! A que derrotou de lavada uma penca de marmanjos no pôquer! – Cutucou Kurt com o cotovelo. – Dizem nas docas que um pescador foi até parar no pronto-socorro depois do levantamento de copo.

Kurt assentiu uma vez, demonstrando estar a par dos boatos.

— Solta a verdade, garota, quantos anos você tem? Não é possível que tenham lhe dado a Fada Verde sem alguma identificação.

Até parece que eu podia soltar a verdade.

— Dezessete. – Pelo menos era o que estava na minha atual carteira de motorista. Minha idade pública foi um assunto de difícil discussão com Edward. Ele queria manter nossa diferença de pouco mais de um ano intacta, mas não queria que eu fosse legalmente independente, acredito eu que para conservar a sensação de que tinha algum controle sobre mim. Portanto, ao passo em que ele empunhava aquele deslavado dezenove anos, dezessete foi meu único consenso.  – E identidades falsas existem para serem usadas. Isso, sem mencionar as gordas gorjetas que usei como suborno.

— Dezessete? – Lívia redarguiu ao se levantar do tronco. – Namorando um cara do segundo ano? Encontrar alguém da sua idade é um desafio grande demais para você?

Estreitei os olhos ao que Kurt deixou escapar um assobio e Penélope pigarreou, tentando cobrir o riso. Até Brenda tirou o nariz da revista. Tal como as fofocas eram de domínio popular em La Push, as intenções de Lívia com Seth era questão antiga naquele grupo e ficou explícito para todos que ela decidiu disputá-lo comigo ali, na cara dura. O pior foi vê-la caçando defeitos, nos comparando, examinando-me à busca de pormenores que pudessem me tornar menos interessante aos olhos de Seth e, antes que eu pudesse me deter, me vi fazendo o mesmo. Lívia, já sem o aparelho do desenho, era ligeiramente mais baixa e muito mais curvilínea que eu, a pele de um bronzeado natural. Os olhos eram de um castanho lamacento, o arredondamento do rosto era suavizado pela curva do queixo e, no geral, possuía traços suaves. Era uma garota bonita, mas eu era realista o suficiente para reconhecer que minha beleza era única.

— E qual é o problema? – Cruzei os braços, na defensiva. – Idades são relativas considerando as qualidades de alguém como Seth. E já tive o desprazer de conhecer homens mais velhos que não tinham a metade da maturidade que ele tem.

Homens? – Um sorriso arrogante armou-se em afronta. – Como Stu Bennett?

— E como todos os outros – ultimei, não me abalando. – Não posso fazer nada se tenho opções à inteira disposição... e você não.

— Caramba. – Griffin fez uma careta. – Essa doeu em mim.

Seth se interpôs entre nós, roxo de vergonha.

— Meu anjo, que tal terminarmos nosso passeio? – propôs e pegou meu rosto entre as mãos grandes. – Posso lhe mostrar as piscinas de maré baixa. – O pensamento, contudo, foi outro. Pelo amor de Deus, Anna, vamos dar o fora, antes que você acabe esganando ela.

Lívia simplesmente agiu como se ele não tivesse se manifestado:

— Está correndo à solta nas docas também que a tal garota do bar é uma Cullen— rosnou, pronunciando o nome feito um xingamento.

O silêncio veio em um único golpe. Senti os olhares analíticos pesaram sobre mim e suspirei, afastando Seth para o lado. Por mais que eu quisesse sapatear no rosto daquela desgraçada com toda a classe, eu tinha consciência de que agora pertencia ao clã dos Cullen, e o peso dessa posição exigia uma tarefa a ser desempenhada – uma biografia a ser difundida.

— Meu sobrenome é Masen... mas, de fato, atualmente estou sob a tutela dos Cullen – cedi de má vontade. – Mudei para Forks junto com minha sobrinha há algumas semanas, depois que meu irmão mais velho sofreu um acidente de carro. Como ainda não tenho idade para assumir todas as responsabilidades legais, o governo da Noruega procurou meu outro irmão, Edward, que foi separado de nós quando ficamos órfãos.

Eles piscaram, aturdidos, como se tentando se livrar da névoa pesada de um sonho enfadonho e, igualmente como aconteceu no bar, vi-me submetida à cata de sinais de vampirismo.

— Mas os Cullen... – ... não são humanos, pensou Flynn.

— ... vieram do Alaska – inteirou Penélope.

Apertei os lábios, observando Flynn. Era raro que alguém de fora das ramificações do Conselho levasse as lendas a sério.

Viveram no Alaska por muitos anos – salientei. – Não significa que todos sejam de lá.

Griffin tombou com a cabeça, sendo obrigado a concordar.

— Edward é o que casou com a garota Swan por esses tempos, não é? A filha do Charlie?

Fiz que sim, retraindo-me para denotar tristeza. Presumi que se eu parecesse ferida em expor minha família e a morte do meu suposto irmão, eles parariam de fazer perguntas. Seth até tentou me dar algum apoio:

— Muito bem – disse para dar um fim àquela conversa –, já que está tudo esclarecido e vocês já se conheceram, nós vamos...

— Não se incomode – cortou-o Lívia. – Sei admitir quando está na minha hora de ir embora. – E saiu batendo os pés, indo o mais rápido o possível na direção dos quiosques.

Seth me advertiu com os olhos, pressentindo que eu estava a ponto de derrubá-la com a mente e enterrá-la na areia. Em contrapartida, os outros do grupo esperaram que ela estivesse longe para rir.

— Pedimos desculpas pela Lívia – articulou Penélope com pesar. – Ela não está acostumada a perder.

— Não precisam se desculpar. Estou acostumada a lidar com animais selvagens.

— Notamos. – Kurt gargalhou. – Você marcou a fera a ferro quente.

A risada de Kurt se espalhou pela roda, no entanto Seth permaneceu sério, os braços me acolhendo ao que a expressão rígida o condenava:

— Você não vale nada, Kurt. Sabia que daria nesse espinheiro quando nos trouxe para cá.

— E você acha que eu ia pedir licença para ver confusão? Rá! Nem parece que dividimos o berço no maternal.

Seth moveu a cabeça em repreensão, mas eu senti o vestígio de um sorriso malvado curvar meus lábios. Assim como eu, os motivos de Kurt para aprontar aquele circo eram completamente outros – ele desejava acordar Lívia daquela paixonite.

— Ora, vejam.... – Coloquei a mão sob o queixo. – Gosta dela, não é?

Os olhos cinzentos inflaram feito balões e um coro alto de vozes exclamando se elevou.

— Que papo é esse, Kurt? – Griffin se escorou nele, debochado.

— Meu maninho caidinho pela Cachinhos Dourados? – riu Brenda, participando do diálogo pela primeira vez. – Vai ser divertido contar isso à mamãe.

— A Lívia? – Bufou, embora as mãos estivessem trêmulas de ansiedade. – Ah, tenham dó! Ela é um furúnculo de herpes no traseiro. Eu preferiria ter um a gostar dela.

Desconsiderei suas negativas. Homens são tão previsíveis.

— Se está dizendo – ronronei –, quem sou eu para dizer o contrário?

Kurt fechou a cara para o sarcasmo velado.

— Venham – convidou Penélope, gesticulando para os troncos. – Sentem-se com a gente.

A tarde passou rápida como um raio. Seth tinha razão quanto ao excesso de perguntas, que vinham em um jorro ininterrupto, mas eu me diverti; foi interessante falar sobre as impressões que colhi sobre o chuvoso estado de Washington, a experiência que era lidar com uma nova família e como era estudar em casa – ou, pelo menos, foi isso que os fiz acreditar que fazia, uma vez que me recusei terminantemente a frequentar o colégio local de Forks com todos aqueles figurantes de As Patricinhas de Bervely Hills. Quando dei por mim, estava descrevendo as paisagens na Noruega; as montanhas escarpadas cobertas de neve; os lagos translúcidos; as casinhas coloridas e amontoadas umas nas outras; as cores vibrantes de uma aurora boreal; a beleza de um sol da meia-noite.

Óbvio que dei um jeito de manejar a conversa para que o foco não parasse só em mim. Depois que juntamos dinheiro para comprar salgadinhos e guloseimas nos quiosques, deixei escapar que tocava guitarra e foi como atirar um fósforo aceso na pólvora, visto que eu os espionei o suficiente para saber da banda. Tive a prova de ter conquistado a confiança do grupo quando me convidaram para a festa que estavam organizando para o outro sábado, em comemoração ao aniversário de Seth; os Wildwolf— nome inspirado nas próprias lendas quileutes e sugerido por Flynn – iriam tocar e Kurt me desafiou para uma batalha de solos de guitarra no palco. Foi então que percebi que a noite já se pronunciava alta no céu. Seth e eu estávamos atrasados para a reunião do Conselho.

Entre as despedidas brincalhonas, ele pegou minha mão e me conduziu pela praia escurecida pela noite sem Lua. O frio começava a suscitar do mar uma fina garoa e nuvens arroxeadas estavam à espreita no horizonte, mal dando para enxergar as estrelas. Apesar disso, parecia uma noite linda.

— O que diabos foi aquilo de “meu anjo”? – inquiri no que pisamos na calçada.

Ele banalizou com um dar de ombros.

— Casais têm apelidos.

Analisei-o pelo rabo do olho.

— Por que nunca me falou da Lívia, Seth? – disparei de supetão.

— Porque ela não é importante. Nem sabia que ela estava tão afim assim.

Ri.

— Não me surpreende, a gnose feminina não é o seu forte. A primeira coisa que precisa saber é que somos ardilosas.

— É, isso eu já estava começando a reparar. – Um sorriso teimava em sua boca. – Aliás, é difícil deduzir exatamente o que você sabe. Pode ser que não goste de invadir mentes... mas sei que faz isso com frequência.

Touché.

— Então vocês não... tinham um relacionamento mais sólido antes do imprinting? – Mordi o lábio, insegura por exteriorizar minha maior preocupação. Odiava sequer pensar que eu arrancara alguma parte de sua vida como quem rasga a página de um livro. Não queria ser igual a Emily e deixar alguém como Leah sofrendo com feridas abertas para o tempo suturar.

— Claro que não – garantiu, mostrando-se ofendido. Nem notei que havíamos parado. Ele se inclinou defronte a mim, os olhos de carvão magnéticos, penetrantes. – Imagino que você tenha tirado a coisa toda a limpo...? – Largou a pergunta no ar e eu aquiescei, confirmando. – Ela me fez de marionete. E eu tenho o meu orgulho. Eu... – hesitou em prosseguir – ... estava esperando por alguém. Eu estava esperando por você, Anna. Mesmo sem perceber.

Derreti-me por dentro. Seth estendeu a mão carinhosamente para afagar minha bochecha e eu o aceitei, tombando a cabeça sobre sua palma. O toque desceu, a ponta dos dedos deslizando pela clavícula, por meu braço e terminou na cintura, onde ele a exigiu para si.

— Vamos nos atrasar – alertei-o, ofegante.

— Eu não ligo.

Fechei os olhos, a ponta do nariz roçando na linha de seu maxilar. Ele tremeu e subiu uma das mãos para a minha nuca, os dedos se refestelando entre meus cabelos, causando-me um arrepio agradável na espinha.

A visão caiu como a lâmina de uma guilhotina. Sufoquei à medida que a mansão dos Cullen surgia diante de meus olhos. A porta de entrada se abriu com o suspiro de uma brisa indolente e David aterrissou no meio da sala, os olhos escuros vasculhando o ambiente de maneira incisiva. Com um impulso despreocupado, quase como se seu corpo não possuísse substância, ele planou pelas escadas até meu quarto, o que pareceu aplacar a fúria em sua musculatura. As mãos ávidas percorreram os lençóis de seda negra desarrumados, o nariz cheirou meu travesseiro. A visão se desfez quando ele fixou o olhar acima da cama, no quadro pintado à tinta a óleo.

— Oh, maldição... – grasnei, estarrecida e só então me dei conta do quão descontrolada eu estava. A gravidade havia se distendido em um campo à nossa volta, balançando os cabos da rede de energia e fazendo com que as luzes dos postes piscassem desvairadamente. Grãos de areia levitavam e os carros estacionados a alguns metros rangiam, o ferro neles reagindo ao meu comando inconsciente. Dei graças por não ter qualquer pessoa por perto que pudesse presenciar meu deslize.

— O que viu? – Seth me sacudiu pelos ombros. – O que é?

— Preciso voltar para casa. – Afastei-me dele, recobrando o controle com os punhos cerrados. A areia desabou feito chuva e as luzes se normalizaram. – Agora.

Ele assentiu, a testa enrugada de concentração.

— Certo, vou com você.

— Não! – gritei em pânico antes de me retificar. – Err... Quer dizer, você não pode. Precisa ir à fogueira e explicar aos Anciãos que tive um imprevisto.

— Sem desculpas, Anna. Você vai, eu vou. – O dedo pressionou meus lábios quando viu que eu ia contestar. – E não tente me impedir. Me transformo e vou atrás de você se for necessário.

Quis bater em alguma coisa. Seth podia ser fácil de seduzir, mas também era um guerreiro obstinado. Não compactuou com Sam quando ele quis atacar os Cullen pela retaguarda, escolhendo Jacob como alfa e líder, e não cedeu quando Jacob tentou se livrar dele. Eu devia ter presumido que também não cederia à minha tentativa de dobrá-lo ao menor sinal de problemas. E, se fosse para encontrar David, tinha que ser sozinha.

— Pois bem – disse entredentes, dando-lhe as costas. – Nenhum de nós dois vai.

— Mas... Espere!

— Deixe-me em paz.

Marchei rumo à fogueira, naquela noite acontecendo nos fundos da propriedade dos Black, não muito longe dali. De novo, me senti culpada por ser tão injusta com Seth, principalmente porque não havia meios de ele ser compreensivo comigo nessas condições, pelo menos não sem eu ter que abrir o bico e revelar detalhes de minha conturbada relação com David. Retraí-me ao pensar em meu irmão, meu corpo assumindo o piloto automático conforme eu andava e a mente alçando voo. Por que Dave estava invadindo a casa em que eu morava se no dia em que nos vimos ele fugiu de mim feito o diabo fugindo da cruz? E como ele soube da ausência dos Cullen? Certamente devia saber; nenhum vampiro, por mais estúpido que fosse, invadiria uma casa que tinha Emmett como morador – não sem ter certeza de que era seguro. Se bem que... Bom, para Dave era seguro. Ele tinha tantos meios de se defender quanto eu.

O que ele foi fazer lá?

E o que ele ainda poderia querer de mim?

Será que já não havia sofrido o bastante, tal como ele tencionava?

A culpa é sua, Anna, acusara ele. Viva sozinha com essa dor.


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Notas finais do capítulo

E...? Gostaram?



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