Nerikia - Arco I escrita por Rauker


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores.
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Boa leitura.



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Delimite um espaço

Abstraia a força

Excite o desespero

Eis um prisioneiro.

Os olhos azuis de Rebeca Greime pescavam minuciosamente os detalhes da face pueril. Averiguava a altura da testa, a curvatura das sobrancelhas, a posição e a grossura das madeixas que cobriam a parte direita da fronte, o formato arrebitado do nariz, os lábios pequenos esboçados em linha reta…

— O que houve com o sorriso de antes, Joana? — perguntou a Maga, recaindo o olhar para suas mãos emparelhadas, recobertas por um manto de energia lilás, pairadas a centímetros de um pequeno objeto barrento, esguio, e dotado de curvas e sulcos.

Tratava-se de uma escultura de sua principal cliente: uma criança de oito anos que adorava colecionar estatuetas de si mesma ou então as oferecia para os amigos como lembrança. A Maga era dona de uma loja no Centro Comercial e produzia, sozinha, estatuetas de barro das pessoas que posavam em seu ateliê. A argila manipulada nesse artesanato era um tipo especial que moldava-se conforme a Aura em contato. Essa Aura, por sua vez, impregnada de fragmentos imaginários oriundos da mente do artista, irrompia das mãos, constituindo um canal de comunicação entre o concreto e o abstrato. Dessa forma, Rebeca transpunha os detalhes do rosto de Joana para a escultura apoiada na mesinha à sua frente.

— Posso perguntar uma coisa pra senhora? — manifestou-se Joana.

— Claro, querida. O que é? — Rebeca era experiente o bastante para dividir a atenção entre o trabalho e um diálogo corriqueiro. Na maioria das vezes, permitia-se conversar com as pessoas para que elas não ficassem entediadas durante os trinta minutos em que geralmente conseguia finalizar a escultura.

— Por que os olhos das mulheres mudam depois que a gente se casa?

Apesar da experiência, a Maga não conseguiu manter a canalização da Aura e o manto de energia deixou de lhe cobrir as mãos. Essa interrupção no fluxo aurático gerou uma trinca no nariz da Joana de barro. Mas, aturdida com a pergunta, Rebeca nem percebeu o incidente e voltou sua atenção totalmente na garota, que continuou interpelando:

— Minha mãe falou que é por causa de um “ritual” depois da cerimônia de casamento. Mas ela não quis me contar o que era esse “ritual”.

— Hm, bem… — Rebeca não sabia como expor um assunto tão delicado a uma criança. Como dizer que os olhos de uma mulher adquiriam permanentemente a cor da Aura do amante após uma relação sexual?

— Seus olhos são azuis porque essa é a cor da Aura do seu marido, né? — continuou a garota.

— Sim.

— Mas como as mulheres recebem esses olhos? E por que nada acontece com os homens? Se sua Aura lilás, a cor dos olhos do seu marido também não deviam ser dessa cor?

Não era a primeira vez que Rebeca era bombardeada por essas questões derivadas das mentes infantis. Conseguia ludibriá-las contando alguma mentira criada especialmente para enganá-las. Mas esse artifício não teria efeito em Joana. A garota, por exemplo, não era do tipo que acreditava no Mago 42, uma suposta existência que aparecia no Dia dos Desejos para presentear as 42 crianças mais bem comportadas de Nerikia com um embrulho que continha algo capaz de ajudá-las a conseguir aquilo que almejassem. Se a mãe dela não adiantasse a menção desse “ritual”, Rebeca teria um leque maior de opções.

— Sabe o que é, Joana. É que numa certa idade acontece algo e… Olha, é meio difícil de explicar — procurou se esquivar. — Você ainda não tem cabeça pra entender.

— Minha mãe disse a mesma coisa — A garota fez bico, mas depois uma ideia fez seu rosto assumir um tom animado. — Por que você não faz uma escultura com um casal fazendo esse tal “ritual” e me mostra?

— QUÊ?! NEM PENSAR! — A Maga até chegou a imaginar a estátua.

Joana preparou novos reclames, mas Rebeca virou-se para trás ao ouvir a porta do ateliê sendo aberta por sua assistente, Bianca, uma Nômaga alguns anos mais velha que Mirella, cabelos castanhos, semi-longos e encaracolados. A Maga notou uma expressão levemente apreensiva quando Bianca entregou-lhe o telefone.

— É da Academia. O Mago Zailon está na linha e disse que é urgente.

Rebeca agradeceu e colou o alto-falante à orelha, enquanto Bianca voltava para a recepção da loja.

Joana interrompeu suas reclamações, por educação. Em tempo ocioso, varreu os olhos a esmo pelo ateliê e parou em um porta-retrato de quase trinta centímetros de altura. A foto apresentava uma filha adolescente entre o pai e a mãe, sorrindo para a câmera. Notou que a aparência da filha era muito mais delicada que a da mãe, dona de traços mais firmes e de um cabelo “tigela” escuro e mais curto que os do marido. Joana percebia que Rebeca, apesar da gentileza, poderia ostentar uma fisionomia bem dura se quisesse. Como aprendera na escola, o filho de um casal herdava a cor da Aura mais forte. Portanto, a jovem daquela imagem havia adquirido a cor lilás da Aura materna, embora Rebeca, por estar casada, tivesse os olhos azuis como os do marido.

Quando a Maga terminasse de falar ao telefone, ela não perguntaria mais nada sobre os olhos das mulheres e apenas aguardaria a finalização da sua escultura. Procuraria sanar sua dúvida em outras fontes.

Foi quando Rebeca alteou o tom na conversa que Joana divisou o rosto severo que ela poderia mostrar.

* * * * *

Aron Rauker? Não. Tinha apenas os olhos iguais aos dele. Mesmo na penumbra, Mirella conseguiria identificá-lo se o fosse.

Como havia deduzido, tratava-se de um nerikiano de Aura vermelha. Só imaginava que, tendo derrotado facilmente aquelas criaturas, ele fosse uma pessoa mais velha, com a idade mínima de 20 anos, talvez um Mago formado ou muito próximo de sê-lo. Apesar do grande contingente de alunos em Merovinch, como veterana do penúltimo Ciclo, Mirella Greime já assimilara os rostos da maioria, principalmente daqueles que estão nos últimos Ciclos. Aquele garoto, porém, não parecia ser um calouro, pois aparentava ter a mesma idade dela. Será um aluno transferido? Não era comum, mas alguns estudantes, por motivos particulares, pediam transferências para outras Academias.

— Quem é você?

A boca do rapaz alargou-se em um meio sorriso. Ele deu um passo adiante, chegando à margem da caixa d’água, e apresentou-se com aparente alegria.

— Eu me chamo Sullivan Bilzack. É um prazer conhecê-la pessoalmente.

Sullivan Bilzack? Mirella vasculhou a memória à procura do nome, mas não achou qualquer informação. Aparentava ser realmente um estudante transferido de outra Academia. Sua outra dúvida residia no fato dele dizer que não a conhecia pessoalmente, ou seja, alguém, por alguma razão, havia mencionando seu nome para ele. De qualquer forma, ele parecia ter a reposta para uma pergunta essencial:

— O que está acontecendo aqui? — O rapaz nada falou, e seu silêncio estimulou novas indagações — Onde estão todas as pessoas? O que eram aqueles monstros que me atacaram?

— Mirella… — Sullivan a encarou demoradamente com um semblante sobrecarregado.

Ele saltou para o chão. Os pés saturados com uma boa dosagem de Aura realizaram um pouso suave. Diante da ação, Mirella recuou dois ou três passos, ainda desconfiada. O rapaz tinha os cabelos semi-longos e escuros, nariz pequeno e olhos que muito lembravam o do “leitor sob a árvore”. Ele esboçou uma feição mais leve ao dirigir-se novamente à garota.

— Não há mais ninguém aqui… além de nós.

— Como assim?

— Vá até a grade e dê uma boa olhada no campus.

Mirella relutou inicialmente, temerosa em dar as costas a alguém que considerava suspeito. Por isso, fez todo esse trecho caminhando para trás, os olhos fincados em Sullivan, e apenas quando se aproximou da grade de proteção, virou-se para contemplar o pátio e os prédios circundantes. À primeira vista, não notou nada de incomum, mas o cenário exalava um aspecto taciturno e maçante. Ao sentir a brisa de fim de tarde acariciar-lhe a pele, percebeu que alguns detalhes não se curvavam à presença do vento. As plantas pareciam imagens estáticas; até uma enorme árvore na parte norte do jardim não movia suas ramagens. A ilustração mais inacreditável era a de um pássaro com as asas desfraldadas, mas congelado no céu poente. Era como se ela estivesse olhando para um quadro, mas pincelado tão perfeitamente de modo que se confundia com a própria realidade.

— Não se movem. Como é possível?

— Agora experimente estender sua mão entre as barras de ferro — disse o garoto, sem respondê-la.

Encostada na grade, Mirella esticou a mão para frente. Seus olhos se arregalaram ao tocar uma superfície dura. O quê? Uma parede invisível?

Dimenki replis — A voz de Sullivan enunciada bem de perto fez Mirella se virar com brusquidão. O jovem vencera furtivamente a distância entre eles, e agora jazia a cinco metros de distância ao seu lado.

Nomenclatura de magias nunca foi o forte de Mirella. Gostaria de ter os mesmos conhecimentos teóricos de Anna, pois a amiga com certeza saberia os efeitos de tal sortilégio. No entanto, o nome lhe era vagamente familiar.

O próprio Sullivan tratou de elucidar:

— Essa magia consiste em duplicar um cenário no mesmo local de origem. Cria-se um novo nível de realidade. Dessa forma, o Bloco A onde estamos agora não passa de uma réplica do verdadeiro.

Lembrou-se! Mirella conhecia essa magia através de um romance policial lido há alguns anos. Na história, a dimenki replis era usada por um Herege para fins de assassinato. Ele sequestrava as pessoas, levava-as para um simulacro, e regressava à realidade despejando o corpo em locais fechados ou pouco avistados como nos interiores de armários, nos telhados e nas árvores.

Isso não é nada bom.

Na pior das hipóteses, ela podia estar sendo vítima de um crime iminente. Seus sentimentos foram acariciados pelo medo e a descrença. Sentia-se como uma menina ingênua que adorava ouvir o som das trovoadas enquanto protegia-se no conforto de sua casa, mas que subitamente abriu a porta errada e foi parar no exterior de seu lar, à mercê de uma poderosa tormenta. No entanto, arriscou abrir um guarda-chuva quebrado nessa tempestade. Fez como a única personagem sobrevivente daquele romance. Diante de seu assassino, reuniu toda a coragem que possuía para não se deixar cair em aflição.

— Quero que me responda duas perguntas. Como eu vim parar aqui? E o que você quer de mim?

Sullivan não parecia impressionado com sua atitude.

— Havia um portal mágico na entrada do clube de Teatro, impossível de ser notado ou sentido por alguém, a não ser que a pessoa possua extrema sensibilidade para notar brechas dimensionais, o que é praticamente impossível mesmo para os Professores e o Diretor da Academia. Além do mais, o portal foi conjurado exclusivamente para que você o atravessasse e se desfizesse ao fazê-lo. Quando você colocou os pés naquela sala, já não estava mais pisando no chão do verdadeiro clube de Teatro.

Mirella recordou-se de ter parado no limiar do recinto. Será que aquela vela fora um artifício para obrigá-la a entrar na sala? Não apenas essa, como muitas outras dúvidas ainda precisavam ser esclarecidas.

— Eu recebi o recado de um amigo dizendo que deveria encontrá-lo no clube. Mas a mensagem certamente era falsa, apenas uma desculpa para que eu atravessasse o portal, não é?

— Fui eu quem enviou aquele recadeiro.

O rosto da adolescente inundou-se de seriedade. Afastou-se temerosamente de Sullivan como quem se depara com uma cobra (só não sabia se ela era ou não venenosa). Quando soubera do simulacro, Mirella havia considerado uma pequena chance de o garoto ser tão vítima quanto ela. Agora sabia que estar enganada.

— Então, foi você quem me trouxe até aqui — acusou Mirella.

— Sim e não. A execução de uma dimenki replis está muito acima do nível de um estudante de magia. Ela foi preparada por alguém que não posso dizer. Mas a verdade é que esse lugar foi arranjado para mim, ou melhor, para nós.

— O que quer dizer? — Mirella gostaria de perguntar quem foi o Mago que arquitetou o simulacro, mas as intenções de Sullivan aparentavam ser preocupantes. E ainda queria sondar o que mais o rapaz havia feito. — Você escreveu aquele recado para me trazer até aqui. Não sei se também atiçou aquelas criaturas contra mim, mas com certeza aquelas esferas auráticas partiram das suas mãos. Sem contar o encantamento soporífero.

— Não fui o responsável pelos monstros, mas fui eu quem a salvou deles e também quem a fez dormir por algum tempo.

— Pra que tudo isso? O que você quer de mim?

Sucederam-se alguns instantes de silêncio. Então, gradualmente, no rosto de Sullivan floresceram feições de contentamento.

— Sabe, fiquei um pouco receoso. Não tinha certeza se meu recado havia sido convincente, mesmo usando um falso remetente. Mas… é o nosso destino! Claro que daria tudo certo no final.

— Do que está falando? — A névoa em torno do objetivo de Sullivan começava a se dissipar.

— Mirella, este é o nosso encontro — respondeu o garoto como quem dava um presente a uma pessoa e esperava um sorriso em retribuição. — Não é assim uma boa forma de começar um relacionamento, ainda mais quando o casal está em um local tão reservado quanto este.

— Encontro? Relacionamento? — Mirella tentou encaixar essas duas peças no quebra-cabeça. Mas, embora elas encaixassem perfeitamente nos espaços, não pareciam formar uma imagem coerente. — Acho que não entendi. Tudo isso aqui… apenas para ficarmos a sós?

— Não acha perfeito? Um pedacinho do mundo só para nós dois.

Mirella quis dizer algo, mas a torrente de palavras pareceu entrar em conflito e somente proferiu alguns sons desconexos. Sucederam-se alguns segundos até ela protestar:

— Você está louco?! Me fez passar por todas aquelas coisas… A chama da vela, a perseguição dos monstros, o encantamento do sono. Só por causa de um encontro? — Era uma situação inconcebível para ela.

— Peço desculpas pelas complicações, mas foram essenciais pra esse momento. Por que não deixamos isso um pouco de lado e conversamos sobre nós dois? — Sullivan não considerava seu feito como algo anormal. Parecia bastante tranqüilo. Ele andou até a grade de proteção e sentou-se no chão. Suas próximas palavras soaram terrivelmente familiares à Mirella. — Como é mesmo aquela frase? “Aproxime-se, minha amada, e compartilhe os sais e os açucares de sua vida.”

A adolescente tomou um susto quando a imagem de Melvin sobrepôs a de Sullivan por ínfimos instantes. Era a frase predileta do namorado quando ambos se reviam após um tempo afastados um do outro, na maioria das vezes, ditas naquele mesmo local. Seu corpo tremeu e ela mais uma vez afastou-se do garoto, que, notando o súbito pavor da jovem, erigiu-se e perguntou inocentemente:

— O que foi?

— Você… — Ex-namorado. Morte. Promessa. Encontro. Um turbilhão de pensamentos sacolejou a mente de Mirella, que meneou a cabeça e gemeu agoniada. Depois, direcionou um olhar rígido para Sullivan e cerrou os punhos. Relembrar Melvin a deixava sempre melancólica, mas essa emoção foi sobrepujada pela raiva que sentia por Sullivan, cuja intenção libertina do rapaz feria seus sentimentos. — Não sei de onde você veio e como me conhece, mas não pense que entrarei nesse seu joguinho de encontro.

Mirella ergueu o braço na direção do garoto e lançou uma esfera aurática. Porém, o que irrompeu de sua mão não foi uma orbe compacta, mas fragmentos arroxeados, iguais a papéis picados jogados ao ar e impulsionados por uma brisa. Alguns desses pedaços flutuantes de energia apenas tocaram o corpo de Sullivan, inofensivos e patéticos, outros se desvaneceram antes mesmo de atingi-lo.

— O que aconteceu? — A jovem, ainda com o braço esticado, olhou estupefata para a irrealização do ataque.

— Ainda não tive tempo de contar — disse Sullivan. — Mas sua Aura foi selada enquanto esteve dormindo, para evitar… problemas como esse. Em outras palavras, você não será capaz de usar qualquer magia por algum tempo.

Selada? Não acredito.

Mirella, porém, não deixou o impacto dessa notícia arrefecer sua coragem e investiu fisicamente contra o garoto. Se o corpo a corpo era única forma de lutar, ela tinha que tentar. Fechou a mão e mirou um soco no rosto do oponente, que permaneceu estático e sorridente, aguardando o ataque propositalmente. Quando houve o choque, Mirella acreditou que poderia controlar a situação, que ainda tinha recursos para resistir aos caprichos de Sullivan, mas os instantes seguintes foram traiçoeiros. Percebeu, então, a completa ineficácia de seu soco. A cabeça de Sullivan quase não se movera, provavelmente porque havia impregnado a região do rosto com Aura, amortecendo a pancada.

— Seus ataques físicos não terão feito algum sobre mim, já que eu posso fortalecer meu corpo com Aura. — Sullivan agarrou delicadamente o pulso de uma garota espantada e o abaixou. — E também posso fazer o que você não conseguiu agora há pouco. — Usando a outra mão, ele lançou uma esfera aurática avermelhada acima da grade de proteção. A colisão contra a parede invisível revelou sua existência translúcida, gerando nela uma onda circular igual àquela vista numa poça d’água durante um tremor.

Presa e impotente, Mirella concluiu em desgosto.

— Presumi que resistiria ao nosso encontro, então eu tomei providências. — disse Sullivan — Depois de ser acometida pelo sono sualis, injetei em suas veias uma poção de aura selada. Mas não se preocupe, irá tê-la de volta dentro de algumas horas.

— Você é realmente louco! — Mirella procurou não demonstrar o medo pela sua impotência transitória.

— Ah, Mirella. Ainda não sabe a importância deste momento? Nós dois aqui, a sós — falou Sullivan, delicadamente. Ele se aproximou e tentou acariciar-lhe as maças do rosto. — Só eu e você. — A mão foi rapidamente afastada por Mirella, que recuou alguns passos e o encarou num misto de asco e aflição.

— Por que essa cara? Mirella, por favor. Não pense que lhe farei mal. Muito pelo contrário. Eu desejo apenas o seu bem, e isso pode ser alcançado se você experimentar da mesma paixão que sinto por você.

A adolescente continuou na defensiva. Cada nova frase daquele adolescente incutia nela uma dose maior de repulsa. Não conseguia compreender como sua própria imagem se transformara em um objeto de culto amoroso. Tal adoração era visível no semblante fanático do garoto.

Sullivan, que aguardava Mirella dizer alguma coisa, chegou ao limite da espera e resolveu iniciar um assunto trivial para amenizar o clima desconfortável entre eles.

— Não acha peculiar a manifestação da Aura em nossa raça? Cada um de nós carrega uma das sete cores de Aura existentes, e para descobrirmos qual delas corresponde a nossa basta que vislumbremos uma determinada parte do corpo. — Ele fitou atentamente o rosto de Mirella. — Seus olhos dizem que sua Aura é lilás, enquanto os meus indicam que a minha é vermelha. A coloração da íris é usada para identificar a Aura, mas, nas mulheres, há uma segunda maneira de descobri-la. Só é preciso olhar para a cor de suas unhas, pois corresponderá exatamente ao tom de seus olhos. — Ele pareceu encará-la de forma vidrada. — E sabe o que isso me lembrou? Uma característica única dos nerikianos, sutil na maioria das vezes, mas definitivamente presente: a inflamação de nossa Aura através dos olhos, que parecem ganhar maior vivacidade quando uma pessoa está apaixonada e esse amor é retribuído. — Sullivan deu um passo a frente. — Olhe pra mim, Mirella. Meus olhos estão brilhando? O vermelho em minha íris está inflamando? — A pergunta parecia mais uma reprimenda.

Mirella não respondeu. Considerava o silêncio a melhor solução enquanto Sullivan estivesse no comando da conversa. Apenas aguardava uma brecha para forçá-lo a contar mais sobre ele e a pessoa com quem estava mancomunado. No entanto, vendo seus olhos mais de perto, eles realmente se pareciam com os desbotados de Aron Rauker, por algum motivo.

— Eu não preciso que você me diga a resposta. — disse ele, dando mais dois passos e aproximando-se da jovem enquanto falava. — Mas deve saber qual é a única forma dos meus olhos se avivarem, não sabe?

A adolescente permaneceu calada, mas sabia a resposta. E essa resposta a assustou tanto que ela empurrou o rapaz e pôs-se a correr de volta à porta que dava para o terceiro andar. Sullivan perdeu o equilíbrio e caiu no chão, mas não se reergueu de imediato. Apenas observou-a fugindo e sorriu. Então, esclareceu ele mesmo sua pergunta.

— Mirella, eu quero ver o vermelho de minha Aura em seus olhos!


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