Nerikia - Arco I escrita por Rauker


Capítulo 1
Prólogo - Inércia Funesta


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Nerus amou nossa raça. Seu amor materializou-se na forma de uma mão divina, e Seu amor nos tocou por quatro segundos. Assim foi criado o novo paraíso no mundo. Assim foi criado o país de Nerikia.

Livro da Gênese, Capítulo 1

 

Momentos de sabor vitalício; os mais abertos se enfartam no banquete, os mais reservados têm o apetite moderado, e os mais tímidos fazem roncar o coração vazio.

Ali, no Salão Oval, a vida era servida em instantes produzidos e degustados simultaneamente: na animada conversa entre jovens dispostos a interação, na troca de olhares entre duas pessoas cujas declarações de amor aguardam a coragem para serem proferidas, nos movimentos espontâneos de uma dança capaz de liberar o corpo e o espírito, ou, simplesmente, num metódico cumprimento de boas vindas.

— Boa noite, senhor. Tenha uma ótima festa.

O homem deu um sorriso acanhado ao receber a saudação do porteiro e adentrou no recinto fervilhante de vivacidade: uma festa anual que reunia todos os estudantes da Academia. Para lá e para cá, via adolescentes de 13 a 19 anos, e também professores, em trajes a rigor. Em algum lugar do Salão, uma orquestra emanava uma melodia calma e contagiante como se procurasse estimular um equilíbrio natural e purificador entre as relações desenroladas no ambiente. Os diversos lustres realçavam a predominância do tom creme nas paredes, nas colunas e no piso encerado.

Como uma presença solitária em meio a tanto regozijo circundante, o homem aguardou uma segunda discordância.

A harmonia imperiosa no salão foi gradualmente chacoalhada por uma energia sinistra que não demorou a ser sentida no íntimo de cada um. Contudo, aquelas pessoas se encontravam tão embriagadas de júbilo que acharam ser um mero devaneio. Acreditaram que essa coceira repentina dentro delas se encerraria em poucos segundos, mas estes foram traiçoeiros, pois a comichão se intensificou a ponto de seus rostos exibirem um esgar incômodo.      

A anomalia ganhou expressão concreta no desafino dos músicos. As notas musicais passaram a refletir toda a confusão interior dos convidados. A iluminação dos lustres, oriunda substancialmente de magia, também foi afetada e começou a oscilar até finalmente se apagar. Então, os músicos pararam de tocar, e as pessoas pararam de falar.

Escuridão e silêncio.

Dentre todas as expressões de confusão e receio, apenas um rosto sorriu. E, instantes depois… uma voz sibilante, saturada de maldade, atingiu a todos como braços longos e mórbidos envolvendo-lhes o corpo, atravessando-o e espremendo a alma.

— Viver… não vale a pena.

Em seguida, uma ordem estridente e atemorizante, tão contundente que se desviou do caminho da mente e desceu direto ao coração:

— Renunciem suas vidas!

A energia maligna — uma fumaça etérea da cor do ébano — explodiu no centro do salão e abalou de vez a combinação das vidas ali presentes. O mal penetrou no âmago de cada convidado e reavivou todas as angústias empíricas, usou-as para infectar a alma e escurecer eras de felicidade. Máculas de sofrimento desdobraram-se até os limites da existência e entorpeceram o desejo de viver. Era como um buraco negro dentro do princípio da vida, sugando parte do passado e todo o futuro.

Muito pior ao momento em que a tristeza conduz as pessoas a se jogarem em cantos solitários para remoerem a penosa vida que possuem, adolescentes com todo o resplendor de um futuro pela frente desabaram no chão, desalentados. Seus rostos personificavam um desgosto máximo: a renúncia de viver.

— Sim, abandonem o sofrimento. Entreguem-se à escuridão — proferiu a entidade, saboreando a energia maligna que fluía daquela renegação vital, e, assim, se fortificando cada vez mais.

Aparentemente, para aquelas pessoas, nenhuma lembrança feliz, nenhum vislumbre do passado ou do futuro parecia ser forte o bastante para resistir às trevas dominantes. A morte era apenas uma questão de tempo e de desistência…

Exceto para um deles.


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Notas finais do capítulo

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