Sua mente estava conturbada, suas pernas trêmulas e suas forças esgotadas. Então permaneceu na cama, por mais que já fosse oito da manhã e o sol estivesse entrando pela janela arreganhada do quarto e tocando sua pele. Pela primeira vez em toda sua vida, não se incomodou com isso. Afinal, ela não era uma vampira legítima e não ia se queimar no sol como os outros. Pra que se importar?

Com muito esforço, levantou-se da cama e trocou o pijama por um vestido azul de mangas compridas que batia acima do joelho de Grace, que serviam perfeitamente em Kathleen. Ela desceu as escadas e encontrou Grace sentada no sofá da sala, encarando a lareira escura.

- Aconteceu algo? – Kathleen perguntou, juntando-se a Grace no sofá.

- Sim – Ela deu um longo suspiro. – Eu liguei para a casa do meu amigo e a mãe dele disse que ele foi pego pelos Sanguinários, assim como as amigas que estavam com ele.

- Grace... – Kathleen colocou a mão no ombro da prima. – Mas porque eles o pegaram?

- Bom, ele fez um serviço para os Sanguinários quando era criança, e esse serviço era um assassinato. Então eles prometeram não se meter com ele nem com a menina que estava envolvida. – Kathleen arregalou os olhos ela sabia de quem Grace estava falando. – Mas ele voltou a se envolver com a garota. Então foi pego junto com as amigas da garota. A tal garota fugiu. É só isso que sei.

- Qual o nome do seu amigo?

-Jack.

Kathleen se levantou, ainda em choque com o que acabara de ser revelado, e passou a fitar o quadro abstrato que ficava acima da lareira.

- Eles o pegaram.

- Kathleen? – Grace se levantou quando percebeu o estado de Kathleen. - Está bem?

- Eles mentiram para mim. – Seus olhos ficaram marejados e suas mãos trêmulas. – Eles as pegaram.

Grace olhava a prima, que estava encarando o chão e passando as mãos trêmulas no cabelo cacheado. O que deu naquela garota?

- Grace - Kathleen começou um pouco mais calma. – Esse seu amigo é o garoto de quem te falei. Aquele por quem sou apaixonada. E essas garotas são minhas amigas. E eu sou a garota.

- Kathleen, fica calma!

- Eu preciso ir para lá! Tenho que acabar com aqueles crápulas nojentos! Eles mataram meus pais e mataram muita gente da nossa família – Kathleen deixou uma lágrima percorrer sua bochecha humanamente rosada. – Eu sou filha da garota problema dos Van Gould, a única que pode botar um fim nisso. E eu vou fazer isso.

- Precisa de um plano! Não pode simplesmente invadir o palácio e exigir que eles parem. Não seja insana, Kathleen.

- Não sou insana. Quero justiça. E para isso eles têm que morrer. Todos eles.

- São da nossa família.

- São traidores. Assassinos. Não são nossos familiares.

- Kathleen, você precisa pensar um pouco.

- Eu sei exatamente o que quero. E vou conseguir.

Kathleen estava alterada, o sangue rebelde de Donna corria em suas veias e ela estava sedenta por vingança e espírito insano da mesma tomava seu corpo a cada revelação. Ela estava mais decidida do que nunca a por um fim nisso. Afinal, ela era Kathleen Van Gould. A filha da vampira mais rebelde e insana que já houve na face da Terra. Vem da linhagem de vampiros mais poderosa que o mundo já conheceu.

Ela podia fazer isso.

E ela faria.

-♥-

O corredor da torre estava escuro e o cheiro de mofo predominava o local. A iluminação era baixa e amarelada, devido às velas de má qualidade colocadas de qualquer jeito nas paredes de pedra. A luz do sol vinha pelas celas, por isso o corredor era tão escuro, mas mesmo assim era uma luz fraca. O céu estava nublado, e as nuvens escuras indicavam que iria chover. O dia não estava lá muito agradável.

Sarah caminhava pela torre com sua suntuosa capa roxa se arrastando pelo chão sujo do corredor sem se importar com isso. Parou em frente a uma cela e deu um sorriso cínico.

- Está vivo? – Perguntou, ainda com o sorriso malvado estampado na cara.

- Infelizmente... – Uma voz rouca e cansada disse dentro da sala. – Não acham melhor me matar logo de uma vez e acabar com esse showzinho?

- Isso seria ótimo. Mas Octavio quer que ela veja você morrer.

- Por quê? Deixem-na em paz!

- Quando ela ver você morto, vai se entregar e nosso reinado tirano irá se prolongar para sempre. – Sarah se virou, ficando de costas para a cela. - E pense bem, Jack. Se você viver, não é imortal e não poderão viver juntos para sempre. Você irá morrer e logo ela irá te substituir por algum vampirinho besta. Essa é a vida de um amor entre um humano e um vampiro. Não siga o exemplo de Donna e Evan, veja o que eles fizeram.

Então caminhou para fora dali.

-♥-

- A luz do sol faz com que eles queimem. Vamos usar isso a nosso favor, já que eu não queimo e vocês usam aquele creme doido.

Grace e Kathleen estavam esparramadas pelo carpete da sala tentando bolar um plano para por um fim no regime Sanguinário e salvar Carrie, Sam, Ella, Amy e Jack. Qualquer deslize poderia resultar na morte de um dos cinco jovens, e Kathleen não conseguiria conviver com isso.

Já fazia três dias desde que Kathleen tinha chegado ali, mas mesmo assim parecia que foi ontem que ela havia deixado Jack na floresta e seguiu com os Sanguinários, e então fugiu. Por sorte reencontrou Grace e Emma, ela não via as duas há anos e ficou feliz em reencontrá-las. Mas essa felicidade acabou quando, há dois dias, ficou sabendo que Jack e as meninas foram pegos pelos Sanguinários.

E agora ela queria vingança.

- E os lobisomens?

- Eles vão enfraquecer e desistir. Grace, eu tenho tudo planejado para isso. Agora só precisamos ir para lá.

- Não acha que é arriscado?

- Sim, é. Muito. Mas eu não vou deixar que Jack e minhas amigas morram nas mãos daqueles idiotas.

- Se é assim, partiremos hoje à noite.

- Certo. – Sorriu.

Kathleen e Grace passaram o resto do dia arrumando as coisas para partir de volta para Hillwood. Elas não iam levar muita coisa, Grace ia levar apenas sua cesta com alguns objetos importantes e Kathleen também levaria uma cesta, mas esta com mantimentos e duas facas. Emma havia ajudado as duas ensinando-as como arremessar facas perfeitamente, para se defenderem, e como serem mais discretas, para não chamar muito a atenção.

Grace não precisava muito das facas, ela era uma vampira com poderes. Pele mente, podia fazer qualquer um sentir uma dor insuportável e desmaiar, mas não matar. Apenas Kathleen precisava das facas, e era um talento natural com elas.

Quando já estava anoitecendo, Kathleen sentou-se na beira da cama de Grace e começou a pensar. A saudade que sentia de Jack estava a matando cada vez mais, ela sentia uma falta inexplicável de sua presença, de seus carinhos, de seus abraços, de seus beijos e de como ele a fazia sentir segura. E suas amigas também não ficavam atrás. Kathleen estava morrendo de saudades das amigas e de como a presença delas fazia falta. Por sua culpa elas podiam estar mortas agora. Por sua culpa o único garoto que conseguia fazer com que ela se sentisse especial podia estar morto. Por sua culpa mais da metade de sua família estava morta.

Mas agora ela não podia desistir. Ela não iria desistir. Tinha o sangue rebelde e determinado de sua mãe e o espírito aventureiro e apaixonado de seu pai. Ela ia conseguir.

Seus devaneios foram interrompidos quando ouviu a voz de Grace a chamando para ir. Pegou a cesta que estava na outra cama e desceu para a sala. Sua prima estava lhe esperando no sofá da sala com a capa vermelha e a cesta nas mãos.

- Vamos? – Grace perguntou, se levantando.

- Vamos. – Respondeu e as duas caminharam para fora da casa.

A noite estava incrivelmente estrelada, a lua pairava intensamente sobre o céu e as árvores mortas exalavam um cheiro de morte inigualável, criando um ar fantasmagórico no local.

Grace e Kathleen corriam pela floresta como dois vultos sombrios. Grace parecia uma espécie de chapeuzinho vermelho dos tempos modernos, sempre com a capa vermelha e a cesta na mão. Kathleen se movimentava como uma sombra, se movimentando com destreza pelos galhos tortos e espinhentos e nem fazia barulho.

Quando já deviam ser meia-noite, as duas pararam um pouco para descansar. Kathleen sentou-se em baixou de uma árvore, tirou uma maça de dentro da cesta e comeu. Grace usou as facas para subir em uma árvore e ver a distância que elas estavam de Hillwood. Por sorte, não estavam muito longe e pela manhã elas já estariam lá. Desceu da árvore e juntou-se a prima.

- Se voltarmos a caminhar agora, chegaremos lá pela manhã.

- Ótimo. Podemos voltar? – Perguntou, se levantando para voltar a caminhar.

- Sim. – Grace se levantou. - Porque tanta ansiedade? Tem ódio deles?

- Muito. E agora mais do que nunca tenho sede por vingança.