Olhos De Aquarela escrita por Star


Capítulo 3
A Ajuda da Vizinha Cor-de-rosa




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– Espera, espera. Diga de novo. Você quer que eu faça O QUE?

– Acerte a minha perna com o bastão, com a maior força que puder. Umas duas vezes deve bastar.

A vizinha encarou Nina por mais alguns instantes, até não conseguir mais se segurar e explodir em risadas, rolando de um lado pro outro do sofá e segurando a barriga.

– Meu Deus, e pra quê você quer isso?!

– Eu preciso de uma desculpa pra poder ir ao hospital.

– Jura que nem passou pela sua cabeça um “Ai meu deus, estou cega”?

– Isso não dá, Daniela! Ele já sabe!

– Ooooh, então temos um “ele” na história, não é? – Perguntou, bastante maliciosa mas ainda assim divertida.

– Provavelmente não é isso que você está pensando, Dani... – Nina franziu o cenho, não tinha nenhum sentimento pelo garoto que tinha conhecido (e quase a matado) há um mísero dia atrás, apenas precisava ficar perto dele novamente para comprovar a sua teoria bizarra sobre milagres e a cura da cegueira e essas coisas normais de pessoas normais. – Vai ou não poder me ajudar? Porque se não, eu mesma procuro alguma outra coisa para-...

– Não, não. Eu farei. Tenho medo de que você tenha alguma outra ideia mais bizarra do que essa em mente. Mas se você contar pra Eva, eu vou treinar rebatidas no seu bumbum.

A vizinha cor-de-rosa se levantou, foi até outro cômodo e voltou batendo algo rígido na mão. Nina esticou a perna.

– Você tem mesmo certeza disso?

– Uhum.

Fechou os olhos com força, e se preparou para a dor.

Não acredito que estou fazendo isso só por um...

– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA--...


xXx

Depois de chegar ao hospital com a ajuda de Daniela, que se sentiu culpada mesmo com os hematomas sendo um “favor” prestado, Nina foi deixada na sala de espera, ansiosa, com informações para manter a perna esticada e esperar até que a mocinha de borrão verde chamasse o seu nome.

Não era como se ela estivesse esperando exatamente um médico, mas permaneceu ali. Pelo menos os dois estavam no mesmo prédio agora.

– Você de novo?

Ela virou a cabeça na direção da voz conhecida. As sensações voltaram. Dessa vez veio-lhe uma dor que parecia puxar suas córneas por dentro e a pressão alucinante sobre as têmporas. A luz surgiu, as cores se encaixaram, seus olhos se abriram para o mundo e viram o mesmo garoto de antes, de cabelos claros e cara de assustado.

– O que aconteceu? – Ele olhava para a sua perna parecendo quase com medo.

Nina olhou também e realmente se assustou com os hematomas em cores que variavam de roxo pra verde, com veias vermelhas saltando em 3D da sua canela.

– Parece que um alienígena vai sair daí de dentro.

– É... – Parecia mesmo que a sua perna estava prestes a parir vida alienígena. Suspirou, satisfeita. Ela estava certa, era ele. E estar ali, perto dele, a fazia se sentir extremamente bem (tirando a dor lancinante da sua perna e do seu traseiro que ainda não estava completamente recuperado pelo choque do dia anterior).

Somente porque conseguia - de algum jeito bem divino - enxergar, é claro. Impossível a existência de quaisquer outros sentimentos envolvidos. Claro. A situação já era estranha o suficiente para amor a primeira vista entrar em cota.

– O que é que foi? – Ele resmungou, e ela viu seus olhos azuis irritados entre os cílios dourados extremamente longos. – Vai dizer que isso foi culpa minha também?

Ela concordou.

– Completamente. Você me azarou. Esse tipo de coisa não acontecia comigo até te conhecer.

– E isso foi ontem.

– Exatamente.

O loiro suspirou, se dando por derrotado. Endireitou-se e ofereceu a mão para ela.

– Vem comigo, eu mesmo cuido dos seus machucados. Vamos passar uma pomada pra queimaduras nisso.

– Pomada pra queimaduras? Você acha que isso vai adiantar? – Perguntou, enquanto aceitava a ajuda e se levantava com um gemido baixinho de dor.

– Não, só estou a fim de untar a sua perna com pomada até ficar igual às coxas de um peru de natal.

– Você não me chamou de gorda, chamou?

– Na verdade, eu acabei de comparar você a um peru de natal. Existem muitas formas de se interpretar isso.



Nina olhava o loiro ajoelhado na sua frente, envolvendo-lhe a perna com gaze grudenta depois de massagear dolorosamente os hematomas propositais com um creme fedido. Seria como mais uma Cinderela, se não fosse pelo resto da frase que segue depois da vírgula.

– Qual é o seu nome? - perguntou.

Ele a olhou, estranhando, sem parar de enrolar o rolinho de gaze.

– Não acha que está tentando ser íntima demais de um mero idiota voluntário de hospital?

– Não. E olha só a melequeira que você fez na minha perna. Isso já conta como intimidade o suficiente.

O loiro abaixou a cabeça, voltando a atenção ao seu trabalho e suprimiu um riso, apertando os lábios.

– Meu nome é Alex.

– Alex?

– Alex.

Nina ficou em silêncio, sem saber mais o que falar. O curativo já estava sendo finalizado, e ela não sabia como falar tudo o que havia preparado mentalmente quando ainda estava a caminho do hospital. Queria poder ficar perto dele pelo resto da vida, mas como dizer isso sem soar como uma ameça psicopata ou um pedido de casamento? Malditos sejam esses seres humanos e suas mentes maldosas incapazes de inventar uma desculpa decente ou olhos que funcionassem sem precisar de acompanhante.

– Pronto, pode colocar o pé no chão.

Ela quase já sentia a dor da próxima rebatida que precisaria levar na outra perna para poder voltar ali. Talvez uma queimadura mais simples resolvesse o caso. O que Eva iria pensar quando voltasse de viagem e visse sua filha aos pedaços?

– Mais alguma coisa? Não andou batendo a cabeça por aí? – O garoto perguntou, risonho, enquanto guardava o material medicinal restante.

– Não, eu acho. Ei, ficou bom. – Ela comentou, quase alegre, girando a perna no calcanhar.

– Claro que ficou, eu sou ótimo no que faço. Se é só isso, acho que já posso ir. Seria legal te ver de novo por aí. Não que eu espere que você se machuque, ou fique doente, ou coisa assim, já que aqui é um hospital, sabe. Talvez eu não tenha colocado a minha frase direito. – Analisou, com um sorriso semiconstrangido. – Até.

Assim foi mais uma despedida. Nina ficou sentada na cama dura, vendo-o ir embora.

O mundo fechava os olhos para ela, enquanto os seus permaneciam insistentemente abertos.

xXx

A garota rolava de um lado pro outro na cama. Os lençóis pareciam pegar fogo, calor que o singelo ventilador de teto não era capaz de combater. Mais uma noite de insônia.

Agora ela já sabia a verdade, era realmente ele. Por algum milagre divino, ele a fazia enxergar. A única coisa que faltava era descobrir um jeito de nunca mais sair de perto dele. Não é como se isso fosse a tarefa mais fácil do mundo.

Nina apanhou o telefone da escrivaninha posicionada do lado da cama, e discou o número que foi obrigada a decorar duas semanas antes da viagem da sua mãe de assinatura. Parecia uma ideia absurda mas as suas únicas outras opções eram a vizinha, que ela não queria perturbar de novo às duas da manhã pedindo pra lhe amputar a perna porque doía mais que o inferno, e o porteiro.

– Alô? ...Eva?

– Sim, quem é?

– Eva, aqui é a Ni-...

– Nina? Meu anjo, aconteceu alguma coisa? Por que está me ligando a essas horas? A casa não está pegando fogo, está? Vou voltar imediatamente!

Pelo visto, ela continuava a mesma.

– Não, a casa está bem, não tem problema nenhum. Sim, eu tranquei a porta. É, passei o trinco também. É claro que não falei com estranhos. Se eu usei o sabonete líqu-... Mãe! Eu só queria um conselho seu.

Um suspiro visivelmente aliviado soprou do outro lado da linha.

– Claro, meu anjo. Sobre o que?

– Bem, é que tem um garoto-...

– Um garoto? Nina, você está se interessando por garotos? Oh, eu estou perdendo os últimos momentos da infância da minha pequena! Espere, onde você conheceu esse garoto? É de boa família? O Cícero não te deixou sair, deixou? O que você anda fazendo sozinha pelas ruas, Nina? Jesus, vocês usaram camisinha? ARRUME AS MINHAS MALAS, MAMÃE, EU VOU VOLTAR PRA CASA! MINHA BEBÊ PRECISA DE MIM!

– Não, mãe... Eva... Não precisa, Eva... Aaah, eu ligo depois. Te amo, tchau.

– O quê? Nem se atreva a desligar o telefone na minha cara, mocinh-...

O telefone bateu no gancho.

– Que complicado... – A garota suspirou, e deitou a cabeça sobre as mãos, pensando sobre a quem mais poderia pedir ajuda.

XxX

– E então? – Dani perguntou, depois de um gole no seu suco gelado. – Como foi? Conseguiu o que queria? E o que você queria, afinal de contas?

Estavam as duas sentadas nos pufs da sala de estar da vizinha cor-de-rosa, com copos de suco gelado de laranja nas mãos. Nina sabia que a vizinha gostava de fazê-los ela mesma e o seu estava tão doce que poderia ser diagnosticado com diabetes.

– Eu precisava falar com um garoto, e sim, consegui. – Nina respondeu, animada.

– Ah, então tinha mesmo um garoto.

– Não é isso, Dani, já disse.

– O que é, então?

– Não posso dizer, você provavelmente acharia que eu perdi toda a minha sanidade se eu te contasse.

– Nina, minha flor, eu já acho isso.

As duas riram.

– Vou voltar no hospital, ainda não consegui exatamente tudo o que queria.

– Vai precisar que eu quebre a sua outra perna?

– Não, obrigada – Remexeu-se no puf, ainda desconfortável pela perna dolorida e toda coberta por gazes. - Dessa vez eu me viro sozinha. Vai ser mais fácil, agora que já tenho o nome dele. – E deu um gole no seu copo de suco.

– E qual é o nome do pedaço de mal caminho em questão?

– Alex.

– Nome de gente fresca – Dani falou, torcendo o nariz em um careta desgostosa. As duas riram outra vez. Apesar de sentir-se muito feliz por ter tido a boa ideia de pedir a ajuda da vizinha cor-de-rosa, Nina ainda era capaz de perceber as oscilações nos tons de rosa que a outra causava e perguntou, disfarçadamente, enquanto bebericava um pouco do seu suco muito grosso:

– Como vão as coisas com o seu namorado?

– Ele não apareceu desde ontem – A vizinha respondeu, parecendo desconfortável. Acrescentou, depois de alguns instantes - Mas eu estou um pouco preocupada.

– Por que?

– Geralmente quando dá esses sumiços ele volta bastante agressivo...

Um silêncio constrangedor caiu sobre o cômodo. Nina girou o copo suado nas mãos e tentou aliviar, um pouco sem graça:

– Analisando o estrago que você fez na minha perna, aposto que consegue se defender muito bem.

A vizinha forçou uma risada que acabou soando deveras melancólica.

O borrão cor-de-rosa perdeu brilho e até tornar-se uma cor fosca e desesperançosa.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem mais um capítulo da vida da Nina, a garota cega! Com esse eu fecho o cerco do elenco principal. O que acharam do Alex? Fiz ele pensando no primeiro menino de quem eu gostei, é verdade, acho que dá pra perceber até *usando uma camiseta de "Alex gostoso me pegue sensualmente" e segurando uma caneca de "Alex personagem ficticio #1"*Acompanhem na próxima edição: A próxima (péssima) ideia para o plano de Nina de se-juntar-eternamente-com-um-estranho-de-uma-forma--em-que-isso-não-pareça-assustador-ou-com-segundas-intenções, e sorvete de flocos! (talvez a parte do sorvete de flocos seja mentira. Talvez não. HUE SOU MÁ.)