Alvo Potter E O Mensageiro De Boráth escrita por Amanda Rocha


Capítulo 16
A tragédia


Notas iniciais do capítulo

Vou nem comentar sobre o título desse capítulo, deixo vocês tirarem suas conclusões sozinhos, mas, nas notas finais, já vou estar preparada caso venha uma cambada saindo no Avada atrás de mim.
Enfim, sobre esse capítulo, eu juntaria com o próximo, mas ia ficar muito grande, então dividi em dois.
Agora, sem mais delongas, aproveitem a véspera de Natal dos Weasley!



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Seria realmente maravilhoso se, sempre que uma catástrofe acontecesse em nossa vida, alguém viesse nos avisar para que pudéssemos evitar. Ou pelo menos que tivéssemos uma pista do que ia acontecer. Mas coisas assim não acontecem. Ou pelo menos não percebemos. É como quando sua mãe te avisa que vai chover e você, mesmo assim, não leva guarda-chuva. Por quê? Porque coisas assim costumam acontecer quando você está passando por uma temporada de coisas boas em sua vida. Aí fica difícil imaginar que coisas ruins possam te acontecer. Mas elas acontecem. E, à menos que o mundo sofra uma lavagem cerebral, continuarão a acontecer. Porque essa é a vida, cada vez mais estranha, cada vez mais normal cada vez mais difícil, cada vez mais fácil, depende de quem a interpreta...

Após Tiago ter passado praticamente a noite inteira chamando Natalie Dursley de cunhada, Alvo estava mais que disposto à envergonha-lo na frente de Daniella, só não sabia ainda o que seria, mas Carlos e Lilí estavam cooperando bastante dando suas ideias, por mais loucas que estas fossem. Lilí até sugeriu que eles revelassem à garota a marca de nascença em forma de flor que Tiago tinha no lado esquerdo da cintura, mas Alvo logo cortou essa ideia. Primeiro porque seria suicídio, Tiago certamente mataria os dois. E também porque este fizera os irmãos jurarem que jamais contariam, e Alvo já tinha experiência demais com promessas quebradas.

A manhã da véspera de Natal trouxe uma pequena tempestade de neve, com um sol fraquinho por entre as nuvens que mal era visto. Tudo apontava que seria um dia perfeito. Férias perfeitas. Quem ia dizer que aconteceria uma tragédia daquelas?

Tio Rony e tia Hermione, junto com os filhos, foram os primeiros a chegar.

– Francamente, Harry – disse o ruivo, tirando a neve do casaco de viagem que vestia -, é a última vez que venho de carro aqui em pleno inverno!

– Deixe de drama, Ronald – cortou tia Hermione, que não parecia de muito bom humor. Ela sequer ajudou o marido com o casaco que estava apinhado de neve, entrou direto para cumprimentar Harry e Gina.

O olhar indagador de Harry para tio Rony foi o mesmo que Alvo lançou para Rosa, e esta, exatamente como o pai, apenas balançou a cabeça, ao que tanto Alvo quanto Harry entenderam que os dois estavam brigando novamente o que, é claro, não era nenhuma novidade para eles.

Tia Hermione e Gina foram para a cozinha, cochichando alguma coisa e lançando olhares furtivos e irritados a tio Rony.

– O que foi dessa vez? – perguntou Harry, estendendo uma cerveja amanteigada para o amigo.

Tio Rony aceitou a garrafa, agradecido e, após um bom gole, deu um suspiro e respondeu:

– Pelo visto eu insinuei que o fato dela não ser uma das pessoas mais populares nos Ministério é porque ela é tão mandona.

– O que é verdade – defendeu Hugo.

– Exatamente – concordou tio Rony. – Quando ela está preocupada com uma regrinha ela fica um pesadelo! É por isso que ela não tem amigos...

– É, você já me disse isso uma vez – respondeu Harry, coçando a cabeça, pensativo -, ou talvez vinte...

– Sério, vocês deviam parar de brigar! – exclamou Rosa, irritada. Conhecendo os tios como Alvo conhecia, o garoto apostava que a prima tivera que aguentar os pais a viagem toda até Godric’s Hollow em uma de suas tão conhecidas discussões.

– Ah, é mesmo? – surpreendeu-se tio Rony. - Sua mãe e eu dizemos o mesmo sobre você e seu irmão.

Rosa pensou por um tempo, depois se rendeu.

– É, bom argumento – admitiu ela.

O dia vinte e quatro, apesar de as crianças já esperarem, foi realmente cansativo. Não era a primeira vez que Gina recebia todos os Weasley em sua casa, mas, contando o aborrecimento e os chiliques da noite passada e mais a pressão de ser a anfitriã que, mesmo depois de tantos Natais, ainda havia, a ruiva estava uma pilha de nervos. Não que ninguém já não estivesse acostumado com Gina Potter desse jeito...

– Ela está cada vez mais parecida com a vovó – comentou Alvo, o mais baixo que pôde, enquanto a mãe os mandava ir desgnomizar o jardim.

– Diga isso na frente dela – disse Tiago -, se quiser ir visitar Dumbledore e Snape pessoalmente...

Enquanto Alvo fazia o maior esforço para arrancar um gnomo relutante que lhe dava chutinhos de um pequeno arbusto e, ao mesmo tempo, tentava se livrar de outro que parecia determinado a arrancar fora o seu pé – e, isso tudo, tendo todo o cuidado e máxima cautela para que aquelas estranhas criaturinhas chatas não fossem vistas pelos vizinhos trouxas -, o garoto podia ouvir uma feia (embora divertida) discussão entre Carlos e Rosa que, pelo jeito, decidiram retomar o mesmo assunto da última vez (e, para ser sincera, o assunto de sempre).

– Sabe-tudo!

– Ignorante!

– Cabeça de cenoura!

– Cabelo bagunçado!

– Não mais que o seu!

– Só que o meu é cacheado!

– E o meu é... Desleixado!

– Exatamente!

– Exa... Pera, você roubou!

Rosa apenas sacudiu a cabeça e voltou a se concentrar nos gnomos. Lilí, que, assim como Hugo, estava fazendo um enorme esforço para os dois não perceberem as risadas que estavam tentando segurar, veio, o mais discretamente que pôde (o que, para Lílian Luna Potter não era lá grandes coisas), e, fingindo estar pedindo ajuda com um gnomo, murmurou:

– Você já sabe quem serão os futuros Rony e Hermione, não sabe? – ela fez um sinal para os dois que trocavam olhares furiosos e depois para a janela da casa, onde era possível ouvir as vozes alteradas dos tios recomeçando uma briga.

– Ah, bom, pense pelo lado positivo – disse Alvo, encarando os amigos e depois os tios. – Pelos menos, quando estiverem no sétimo ano, vão assumir que se amam e um dia terão dois filhos ruivos.

Lilí concordou e saiu dando risinhos para os dois que, bravos do jeito que estavam, não entenderam nada.

Mas, se aguentar o clima tenso entre Carlos e Rosa foi ruim, aguentar o ar de quem vai matar o próximo que havia entre tio Rony e tia Hermione foi ainda pior. Após desgnomizar o jardim, Gina deu mais algumas tarefas aos filhos. Tiago, para o azar de Alvo, conseguiu dar todas as suas tarefas à Ketwch e, quando o garoto tentou fazer o mesmo, o irmão riu e disse que ficaria muito óbvio o que estava acontecendo se todos os filhos terminassem suas tarefas em menos de cinco minutos, então ele teve que se conformar em pegar um esfregão e ir passando pelo chão da sala. O único problema era que lá estavam tio Rony e tia Hermione...

– Vem, Al... – disse Lilí, que estava o ajudando. Ela deu um olhar apreensivo para os tios (que estavam sentados um de cada lado da mesa, cada um olhando o outro com o pior olhar que alguém pode dar) depois arrastou o balde mais para o canto da sala. – Vamos passar o pano aqui... Aliás, é muito bom passar o pano nas coisas sujas, esquecer que elas existiram... Não acham?

Ela deu um olhar indagador aos tios, um olhar inconveniente daqueles que somente a ruivinha sabia dar.

– Ah, claro, minha querida – respondeu a tia, num tom de voz muito gentil acompanhado de um sorriso meigo que não combinava nada com a carranca que ela estava há uns instantes atrás. – O único problema é que se você sempre limpa e a sujeira continua a voltar, às vezes é melhor parar de limpar.

– Talvez – tio Rony rebateu, cruzando os braços -, o problema esteja com a faxineira que não está limpando direito.

– Ah é?! – exclamou a tia, se levantando. – Pois fique sabendo, Ronald Weasley, que a faxineira não tem obrigação nenhuma de limpar a sujeira!

E saiu pisando forte escada acima. Tio Rony também se levantou e parou de frente para as escadas.

Mas é isso o que faxineiras fazem! Elas limpam! – gritou ele.

Uma porta foi batida com um forte estrondo lá em cima e tio Rony fez uma careta. A porta da cozinha se abriu e Harry meteu a cabeça para fora, olhando apreensivo para Rony.

– Vocês brigaram de novo ou...? – perguntou ele.

Tio Rony bagunçou a cabeça, deu um suspiro e respondeu:

– É, Harry, acho que vou ter que desenterrar o Doze Maneiras Infalíveis de Encantar as Bruxas da gaveta...

Harry lhe deu um tapinha solidário nas costas e lhe estendeu outra cerveja amanteigada. Alvo e Lilí se olharam e encolheram os ombros.

– Bom – começou Alvo -, não é como se eles fossem o maior exemplo de casal amável e compreensível do mundo.

Lilí concordou e os dois voltaram a limpar.

Lá pelas quatro horas da tarde, praticamente todos os Weasley já haviam chegado. Tio Jorge, Fred, Carlos e Hugo estavam entretidos em uma empolgada conversa sobre os novos produtos da Gemilidades Weasley. Tia Audrey, tio Percy, Molly, Rosa e tia Hermione discutiam a situação do Ministério, os novos regulamentos e tudo o mais. Tio Gui, tio Rony e Harry estavam pondo em dia o papo, comentando as últimas missões e as confusões com os duendes. Tiago e Daniella estavam em um canto, falando coisas bobas um para o outro. Gina e Lilí tentavam manter uma conversa decente com tia Fleur, o que não era muito fácil, levando em conta que tia Fleur não era a mais popular dos eventos... Dominique, como já era de se esperar, estava atirada em um canto, ignorando todos, lançando um olhar furioso para a barulheira que Lucy, Roxanne e Louis estavam fazendo ao correr pela casa.

Os avós de Alvo chegaram um pouco depois. junto com Teddy e Victoire. Demoraram porque Teddy insistira que conseguia trazê-los no carro que Harry lhe dera quando completara dezessete anos. O único problema é que o garoto não obtivera sucesso em nenhum dos testes de motorista que fizera (e, acredite, foram muitos), mas sempre contestava dizendo que podia usar um feitiço de proteção para estacionar. Victoire, no entanto, o conhecia bem demais para permitir que ele fosse o responsável por três vidas inocentes, nem mesmo num carro completamente embalado em plástico bolha. Então, após uma grande discussão, eles chegaram via Pó de Flú.

– Pelo visto todos os casais estão em conflito – observou Lilí, arrumando os enfeites da árvore de Natal.

– É, pena que essa maldição não cai sobre Tiago e Daniella – suspirou Alvo.

Quando a noite foi caindo, a Sra. Weasley, Gina, tia Hermione e Ketwch se enfiaram dentro da cozinha e trancaram a porta.

– Quem vê pensa que vão fechar negócio em um mercado negro de um grande lote de lágrima de fênix – riu Alvo, mas depois, notando o olhar um tanto que assustado de Carlos, acrescentou: - mas estão só preparando o jantar!

– Ah – fez Carlos, e deu uma risada.

O garoto deu uma boa olhada em todos os Weasley ali e se voltou para o amigo.

– Poxa, Al, eu nunca imaginei que os seus parentes fossem tão...

– Normais? – adivinhou Alvo, rindo. Carlos, meio sem jeito, murmurou um “sim”.

– Bem, as pessoas também não imaginam que eu seja normal, não é?

– É, mas não é só por você – respondeu Carlos, e olhou para o amigo esperando que este lhe dissesse alguma coisa, mas Alvo pareceu não entender qual era o seu ponto, então ele continuou: - Quero dizer, ter Alvo Potter como parente já deve ser incrível, mas, além dele ainda ter Harry Potter na família devia ser o bastante para que eles fossem... Esnobes.

– Ah – disse Alvo, compreendendo o que Carlos estava dizendo. - Bem, quando lutamos contra Bob Rondres na primeira série eles até ficaram um pouco... Orgulhosos, acho... Mas aí... Bom, digamos que eles já tinham experiência o suficiente com o meu pai. E também, não sou o favorito da família. Dominique é a prova.

Ele apontou para a prima que, como de costume, estava isolada em um canto, observando a irmã com cara de quem comeu e não gostou. Alvo nem teve tempo de explicar à Carlos o antigo dilema Victoire-Dominique, pois uma Rosa muito apreensiva apareceu na frente dos garotos.

– Precisamos conversar – disse ela, com um ar muito sério. Até que essa frase poderia ter tido algum efeito se Carlos não viesse a debochar logo à seguir.

– Precisamos emagrecer! – corrigiu ele, com vestígios de riso na voz, e encarou a coxinha de frango que a ruiva segurava na mão.

– Engraçado, Carlos, muito engraçado – respondeu a garota, séria. Depois voltou-se para Alvo, ignorando completamente a existência de Carlos. – Descobri algumas coisas. Sobre aquilo.

Não foi preciso que Rosa especificasse. Alvo e Carlos a seguiram até o quintal da casa dos Potter, onde não havia ninguém. Rosa se virou para os garotos com aquele ar dramaticamente preocupado.

– Tem... Um pedaço de galinha no seu dente – riu Carlos.

Rosa decidiu terminar a coxinha primeiro e depois Alvo teve de lhe mostrar os restinhos da galinha para só então ela lhes contar.

– Al, o tio Harry não lhe disse qual fora o objetivo da missão?

– Não, mas... Bem, é óbvio! Estão fazendo as buscas pelo Rondres, não é? – disse Alvo.

– Bom, não exatamente – respondeu Rosa. Ela lançou um olhar por cima do ombro para a casa, verificando se não havia ninguém por perto, e então continuou num tom mais baixo: - esse era o objetivo inicial da missão, mas então, na fronteira de Bristol, encontraram... Comensais da Morte.

Comensais da Morte?!– exclamou Alvo, alarmado.

– Shhh! – fez Rosa, fazendo um sinal impaciente com a cabeça em direção à casa.

– Comensais da Morte? – repetiu ele, quase sussurrando.

Rosa confirmou.

– Mas em Bristol? – perguntou Carlos à Alvo (porque continuava bravo com Rosa). – Acha que poderiam estar vindo para cá?

– Acho que não – respondeu Rosa para Alvo, como se fosse esse quem tivesse feito a pergunta. – Ouvi papai dizer qualquer coisa sobre estarem procurando algo por lá mesmo. E seria besteira se estivessem procurando por você quando o mundo todo sabe que você está em Godric’s Hollow.

Alvo a fitou por um tempo, não sabia dizer se estava irritado com os Comensais ou com ela.

– Isso significa...? – murmurou ele, num tom resmungão.

– Que o número de comensais está crescendo. Mais rápido do que esperávamos. – Respondeu ela, lentamente, como se os garotos (ou melhor, o garoto, já que ela estava evitando olhar para Carlos) fossem incapazes de entender.

Muito embora Alvo pudesse estar indiferente por fora (ou pelo menos era o que ele achava), por dentro ele estava lutando contra um ataque de nervos. Carlos, no auge de sua lerdisse, após pensar por um bom tempo, soltou a seguinte pergunta:

– Mas então ele está reunindo um exército?

Rosa se limitou a soltar um muxoxo e balançar a cabeça. Alvo respirou fundo e respondeu:

– Não é bem um exército, Carlos, mas sim, está.

Carlos arregalou os olhos, parecia mais abalado que Alvo. Ele soltou um longo assobio e depois sentou-se no chão, encarando fixamente o muro que rodeava a casa dos Potter.

– Por que ele não me disse nada? – perguntou Alvo, que estava, agora, mais irritado que frustrado. – O papai. Por que ele não me contou?

– Acho – começou Rosa, num tom muito gentil – que ele só não quis preocupar você. E também, não há nada que você possa fazer, Al.

– É – concordou ele, bravo -, realmente não há. Mas eu gostaria de ficar sabendo se um bando de bruxos está se reunindo em um algum lugar do mundo para tramar a minha morte.

– Ah, também não é bem assim – disse Rosa.

Não é bem assim? – repetiu ele, quase gritando. – Rosa, eu sou O Escolhido!

Carlos e a garota olharam para ele, espantados, e Alvo percebeu o que acabara de falar. Estava tão irritado que as palavras escapavam de sua boca antes mesmo que ele as pudesse medir.

– Desculpe – murmurou.

Ele fitou o céu por um tempo. Depois suspirou e sentou-se ao lado de Carlos, mexendo na neve que se acumulara no chão. Rosa foi até ele e pôs a mão em seu ombro.

– Al, nós sabemos o quão difícil deve ser pra você, mas... Você precisa entender que não pode fazer nada quanto à isso.

– E se eu puder? – perguntou ele, num tom desafiador. Na verdade, a pergunta fora mais para ele mesmo do que para Rosa, o que não explicava o fato dele estar voltado para a garota. – Rosa, eu estou cansado de ficar aqui parado vendo essas coisas todas acontecerem sem fazer nada para impedir! Droga, olha quem eu sou! Eu deveria fazer alguma coisa à respeito, as pessoas esperam que eu faça alguma coisa!

– E por que diabos você se importa com a opinião de pessoas que em um instante te veneram e no outro te transformam no Louco?! – explodiu Rosa, no tom de voz mais baixo que alguém realmente zangado consegue usar.

Os dois se encararam por um tempo. Rosa estava brava porque não gostava de ser contrariada. Alvo estava bravo porque, por mais que odiasse admitir (e ele realmente odiava), sabia, bem lá no fundo, que a prima estava certíssima.

– Sério, Al, relaxa – continuou ela. – Só porque você é O Escolhido, não significa que tenha que resolver todos os problemas do mundo.

Alvo se virou para Carlos, procurando saber se este concordava com Rosa, mas as únicas palavras que saíram de sua boca foram estas:

– Cara, Bob Rondres está reunindo um exército?!

Bom, pelo visto, Carlos ainda não havia se recuperado do choque de saber de uma notícia totalmente inesperada como essa.

***

Quando os Longbottom chegaram (eles foram os últimos), foi uma algazarra geral. Primeiro porque, sendo Neville o diretor de Hogwarts, todos os mais velhos queriam saber notícias da antiga escola (“Cara, até o diretor vem passar o Natal na sua casa!”, exclamou Carlos, muitíssimo animado). E também porque Luna (que trajava uma espécie de vestidão laranja e azul, com pedrinhas verdes) viera logo atrás, carregando os gêmeos Lorcan e Lysander. Na verdade, à primeira vista, pareciam dois palhacinhos. Depois, Alvo viu que eram, na verdade, outra coisa, embora não soubesse identificar o que eram, exatamente: usavam perucas vermelhas e macacões roxos, com várias bolinhas e listras coloridas. Nos pés havia algo um tanto diferente, mas lembravam pés de pato.

– O que diabos são essas roupas? – Tiago fez a pergunta que todos queriam fazer.

– Ah, são os trajes de Vancilianeu – respondeu Luna, no seu habitual tom tranquilo de voz. Antes que Lilí pudesse soltar um de seus inconvenientes comentários e dizer que ninguém entendia quase nada sobre as coisas que ela falava, Luna viu as caras de dúvida e se adiantou: - Vancilianeu, o grande curandeiro!

Ninguém pareceu entender alguma coisa a mais com a “explicação” que Luna dera, então ela prosseguiu:

– Vocês sabem, Vancilianeu, um famoso curandeiro conhecido por curar gêmeos!

Fez-se novo silêncio.

– Nem olhem pra mim – disse tio Jorge -, era o Fred quem entendia dessas maluquices, digo, fatos raríssimos.

Alice deu um muxoxo de indignação e tio Jorge lhe apontou a língua. Luna, nem um pouco ofendida (para falar a verdade, ela nunca ficava), tornou a explicar:

– No Natal, certa vez, ele foi ajudar dois gêmeos com varíola de dragão à beira da morte. Ele foi vestido com roupas como essa, e curou os gêmeos da varíola. Desde então, tem sido costume vestir os gêmeos com as roupas que Vancilianeu usou, no primeiro Natal das crianças. Dizem que afasta a maioria das doenças.

Por uns segundos todos fizeram “ah”, finalmente entendendo, mas logo a sala explodiu novamente naquela algazarra de vozes de bebê, com Tiago indo à frente e gritando “meu preciosos afilhados passando, se afastem!”, como se fosse o guarda-costas de Luna.

– É realmente irritante quando as pessoas falam assim – disse Alvo, observando tia Fleur dar um ataque de histeria ao ver o quão fofos eram os dedinhos de Lorcan.

– Bom, então acho que você não vai gostar nada do presente que o papai vai te dar – cantarolou Lilí, colocando somente a cabeça para fora (ela estava na cozinha).

Alvo a olhou, curioso. Ela estava com aquele sorriso sapeca que Lilí geralmente ficava quando estava aprontando.

Ela fez um sinal e Alvo, Carlos e Rosa se aproximaram. Do outro lado se deparam com Lilí segurando a coisa mais fofa que Alvo já viu: um filhotinho de cachorro que mais parecia uma bolinha de pelos cinza.

Oh, seu filhitinho lindo, vem cá! Pur que vuxê é tããão fofinho? Pur que? Vem, deixa eu amar vuxê!

Todos olharam rindo para Alvo, e este só então percebeu que estava agarrado ao cachorrinho e praticamente o beijando.

– Bem – disse ele, um pouco vermelho, lembrando o que acabara de dizer sobre vozes de bebê -, aquilo não se aplica à cachorros.

Lilí deixou escapar um risinho.

– Estava lá em cima, tinha seu nome nele – contou ela. Depois sua expressão mudou e ela perguntou, muito animada: - Que nome você vai dar pra ele?

– Nome? – repetiu Alvo. Ele pensou um pouco, ergueu o filhotinho e olhou no fundo daqueles olhinhos bonitinhos. – Pierre.

– Pierre?! – repetiram os três.

– É, é pequeno, é chique demais para um vira-lata. É como eu e essa coisa d’ O Escolhido – brincou ele.

– É, mas se alguém perguntar, foi você quem achou ele – advertiu Lilí, e saiu gingando.

– Ei, onde você vai? – perguntou Alvo, lutando com a língua de um Pierre extremamente animado.

– Onde você acha? – Lilí se virou. – Achar os meus presentes, é claro. Se pra você o papai comprou um cachorrinho, acho bom ele ter me dado um pônei.

***

Se Carlos estava esperando que Alvo ganhasse ao menos um pouco de tratamento especial de sua família, estava muito enganado. Na verdade, a coisa era bem diferente...

– Al?

– Sim?

– Junta aquela coisa pra mim?

– Que coisa?

– Aquela coisa perto daquele troço.

– Ah, claro, como eu não adivinhei...

***

– Al?

– Que foi?

– Amarra meu sapato?

– Já vou...

***

– Alvo!

– Eu.

– Ajuda o meu porquinho voador a dar um mortal triplo enquanto foge de um Rabo-Córneo Húngaro sedento por bacon?

***

Um pouco antes da ceia, Alvo e Rosa, foram mostrar o povoado à Carlos. O primeiro ponto em que pararam foi a casa de Batilda Bagshot, pela qual Carlos não ficara muito animado até saber da briga que Harry e tia Hermione tiveram com Nagini, ali. Depois foram ver os Ruschole e desejar-lhes um feliz Natal. Aí foram tomar abóbora-quente (era uma espécie de chocolate-quente feito com abóbora, uma delícia) no velho bar de Baddy, que ficou felicíssimo com a visita de Alvo, e até mesmo lhes contou algumas histórias do tempo em que era Auror. E, antes que pudessem ir embora, Baddy puxou Alvo para um canto:

– Eu sei que não é muito, mas... – começou ele, e tirou do bolso algo parecido com um pulseira toda trançada com cordinhas pretas. -... Ficaria honrado em poder lhe dar um presente, Sr. Potter.

O velho colocou a pulseira no pulso de Alvo.

– Se você apertar este botão – prosseguiu Baddy, apontando para um pontinho preto mínimo quase imperceptível, parecido com uma pedra – vai pingar uma tinta. – Essa não é uma tinta comum, Sr. Potter, é uma tinta à base de Veritasserum.

– A poção da verdade? – perguntou Alvo.

– Isso mesmo – confirmou Baddy. – E com a tinta é basicamente o mesmo. Porém, se a pessoa estiver mentindo a tinta não aparece quando for escrever. Ganhei do meu pai, quando ainda era menino, ainda deve ter tinta o suficiente para algumas frases. Como eu disse, é muito pouco, mas achei que lhe pudesse ser útil para alguma brincadeira, Sr. Potter. São muito raras essas tintas, antiguíssimas.

– Ah, obrigado, Baddy, mas eu não tenho nada para te dar – lamentou Alvo, sem jeito.

– Que isso, Sr. Potter, apenas aceite – disse Baddy.

Alvo lhe desejou um feliz Natal e seguiu com Carlos e Rosa. Eles deram uma rápida passadinha na capela, onde o padre rezava a missa de Natal, mas não chegaram a entrar porque Pierre estava fazendo um estardalhaço por causa de um gato que vira correndo pela rua. Olharam também algumas lojinhas onde Alvo comprou uma coleira para Pierre, difícil foi fazer ele se mexer com ela.

– Vamos, Pierre! – chamou Alvo, puxando a coleira. – Vamos!

– Al, você não entende nada de cachorros – disse Carlos. Ele tomou a coleira de Alvo e se adiantou: - Olhe e aprenda: Pierre! Vamos, Pi, seja bonzinho que o titio te dá um biscoitinho! Vamos lá, Pi, tem comida lá em casa!

Mas Pierre nem se mexeu.

– Poxa, sempre funcionou comigo – disse Carlos, desapontado.

– Ah, me dá isso aqui! – retrucou Rosa, e pegou a coleira de Carlos. – Tudo o que ele precisa é de pulso firme, olha: - Pierre. Vamos. Embora. Agora!

Mas as únicas reações do cachorro foram dar dois passinhos para trás e um latido, como que confirmando que não iria embora.

– Muito bem, veterinória – debochou Carlos.

– Aprende a falar primeiro – rebateu Rosa, irritada, como sempre acontecia quando ela estava errada.

No fim tiveram que retirar a coleira de Pierre.

A comida para um Weasley era mais ou menos o que um balde de água seria par um camelo em pleno deserto. Então você pode imaginar como eles estavam quando Gina deixou queimar o peru.

– É, da próxima vez é melhor mandar o Hugo assar o peru – resmungou tio Rony.

Mas, pior do que esperar o novo peru ficar pronto quando você é um Weasley faminto é esperar o novo peru ficar pronto quando você é um Weasley faminto enquanto assiste Tiago e Daniella brincado de casinha com Lysander e Lorcan.

– Fala sério – disse Lilí -, Tiago virou uma maria-mole.

– E o que você me diz da Daniella? – perguntou Carlos, fazendo careta. – Essa garota tá parecendo a Mia Sobith. Se bem que a Mia é mais simpática... E olha que eu odeio ela!

Lilí deu uma risada e Rosa revirou os olhos, como se Mia fosse sua melhor amiga (o que não era verdade, é claro, Rosa também odiava ela, mas estava disposta a discordar de qualquer coisa que Carlos dizia).

– E acaba de ficar pior - avisou Alvo, observando Daniella se levantar e distribuir presentes.

Só de olhar para o que Tiago ganhara, Alvo já ficou rezando para que não tivesse ganhado nada.

– Ah, Ella! – exclamou Tiago, numa voz muito agradecida (era difícil dizer se estava fingindo ou não, levando em conta o fato de que era um ótimo ator). Ele deu um suspiro e vestiu a camiseta. Era toda branca e havia, no centro, a imagem de Daniella sorrindo, logo acima dos dizeres “minha namorada me ama”. – Sério, Ella, você se superou dessa vez!

Daniella deu alguns pulinhos de alegria e depois seguiu distribuindo seus presentes.

– Carlos, aqui... Rosa, meu anjinho, aqui o seu... Lilí, fofa, aqui... Ah, Al, que cachorrinho lindo! E aqui está o seu!

Alvo não soube como foi que conseguiu dizer um obrigado ao abrir a embalagem e se deparar com seu presente. Era uma camiseta igual a de Tiago, porém a de Alvo, assim como a de Lilí, tinha a frase “minha cunhada me ama” em letras azuis brilhantes que brilhavam no escuro. A de Carlos dizia “minha amiga/vizinha me ama” e a de Rosa “a namorada do meu primo me ama”. Mas, pior que as frases – que, por si só já eram bem chamativas -, foi descobrir que, quando vestidas, as camisetas gritavam suas frases sempre que alguém chegava perto.

– Ah, ótimo – disse Carlos -, o meu presente pra ela vai ser um balde bem grande de bomba de bosta.

Alvo mal teve tempo para concordar com o amigo e Daniella já estava de volta.

– Ah, Al, se você quiser posso conseguir uma camiseta com “minha concunhada me ama” para a Natalie – e, após dar uma piscadela, saiu aos pulinhos pela sala.

Alvo se virou para Carlos.

– Tiago vai ficar viúvo, porque eu juro que vou matar a Daniella! – rosnou ele.

– Natalie? – estranhou Rosa.

– Longa história... – respondeu Lilí entre risinhos.

Depois disso o garoto desistiu de tentar envergonhar Tiago (o que foi uma pena, pois já tinham decidido que contariam que ele fala enquanto dorme) e concentrou toda a sua genialidade para usar contra Daniella.

A única coisa que confortou Alvo na hora do jantar quando teve que sentar do lado de Daniella foi saber que nenhum Weasley parecia ter ido com a cara da garota, a não ser, talvez, a Sra. Weasley.

– Como o tempo passa... Meu primeiro netinho a namorar... – comentou ela, num tom de lamúria e, ao mesmo tempo, orgulho.

– Mas e a Victoire? – lembrou tio Gui.

– Ah, bem... Ah, você entendeu! – disfarçou ela.

Mas se havia uma coisa que todos concordaram era que a ceia estava uma delícia. Era pudim de carne, ensopado, batatas mergulhadas na manteiga, macarrão com queijo temperado com o mais gostoso orégano dos sereianos, isso tudo sem falar nas sobremesas. Uma verdadeira tentação para os Weasley. E ninguém podia julgar Rosa por estar se empanturrando daquele jeito. Bem, ninguém e Tia Fleur...

– Ela come demais – disse ela, no seu inglês pesado (e totalmente forçado, pois já havia perdido o sotaque francês há muito tempo). – É por isso que está rechonchuda desse jeito.

Rechonchuda? – ofendeu-se tia Hermione que, com certeza estava mais irritada com o fato dela ter se atrevido a insultar sua filha do que com o “rechonchuda” em si. – Rosa está um pouco fora de forma, o que é muito comum nessa idade!

Tia Fleur deu um moxoxo de descrença.

– Dominique, é claro, sempre foi magrinha desse jeito. O corpo da mulher deve ser esbelto, esguio, um templo!

– Claro, se ela quiser trabalhar na es...

– Rosa! – advertiu tia Hermione, muito embora seu tom fosse bem menos severo do que quando ela estava realmente brava.

Após a ceia (ou seja, quase duas horas depois, pois quando o assunto era comida os Weasley nunca se cansavam) foi aquela algazarra de sempre da troca de presentes. Alvo ganhara alguns livros, sapatos novos, uma caixa enorme que, quando abriu, jorrou água direto em sua cara (presente de tio Jorge) e mais um monte de outros presentes (o lado bom de ter mais parentes que uma família de coelhos), embora não tivesse gostado tanto desses. Mas, definitivamente, o melhor presente que ganhara depois de Pierre) fora um violão, presentes de seus avós.

– Você vai amar – disse a vovó Weasley, aproveitando para tentar (realmente, só tentar) arrumar os cabelos do neto. – Aquela banda famosa, como é mesmo o nome, Arthur?

– As Esquisitonas, Molly – respondeu o marido.

– Ah, sim, isso mesmo – confirmou a avó. – O vocalista tem uma parecida. Achamos que você ia gostar, Hugo!

– Alvo – o garoto corrigiu.

– Oh, sim, claro!

Para dizer a verdade, Alvo não era fã d’As Esquisitonas, mas ter um violão com certeza seria legal.

– Mas, Al, se quiser escutar música boa mesmo – começou seu avô -, tem uma banda trouxa muito boa! Um sucesso hoje em dia, os cantores são ótimos! O nome é Beatles, pode ir a um show deles se quiser!

Alvo não era um especialista em coisas de trouxas, quanto mais em bandas, mas tinha ligeira impressão de que esse grupo já não existia há tempos...

Quando estudou em escolas de trouxas, Alvo tinha aulas de música, e tinha alguma noção de como se usava o instrumento. Rosa e Carlos até vieram lhe ajudar com algumas notas, mas Rosa ficou realmente irritada ao notar que Alvo estava levando bem mais jeito para a coisa do que ela, que sabia quase todos os nomes das notas e acordes.

O garoto até mesmo se arriscou a tocar algumas musiquinhas meio às cegas, mas desistiu quando Lysander assoviou “hipogrifos natalinos” muito melhor que ele que estava se matando para fazer a primeira estrofe no violão.

Como era costumeiro, pertinho da meia-noite, em Godric’s Hollow, quando a maioria das famílias se aconchegava no calor de suas lareiras para cantar músicas natalinas e celebrar o nascimento do menino Jesus, os Weasley todos pegaram uma almofada cada um ou se sentaram em um sofá, onde se deu início à discussão (acredite quando digo “discussão”) para decidir que histórias iriam ouvir. Que família adorável...

– E o que vai ser? – perguntou Hugo. – Eu voto na história da câmara secreta.

– Ih, essa não – cortou Lilí. – Esqueceu a mãe de quem quase morreu lá? Já ouvi essa história mil vezes.

– E por que o tio Harry não conta sobre a última batalha? – sugeriu Roxanne.

De novo?! – exclamou Lucy, exasperada. – Já estamos carecas de saber dessas histórias! E olha que eu só tenho dez anos!

– Na verdade – contestou Lilí, com um ar muito sábio -, já estamos carecas de saber de todas as histórias.

– Isso é – concordou Hugo. – Todo ano é a mesma coisa! Precisamos de novas histórias!

Foi só o garoto terminar e, quase como se tivessem combinado, todas as cabeças se voltaram para Alvo, em expectativa.

– Nem olhem pra mim! – foi logo dizendo. – Vocês já sabem o que aconteceu!

– Conta, Al!

– É, Al, conta pra gente!

Todos engataram num coro de “conta! Conta!”. Até mesmo Dominique parecia interessada.

Alvo se mexeu nervosamente no sofá. Você pode até achar que Alvo foi muito fresco por hesitar em contar. E, provavelmente, você tem razão. Mas pense em algo muito ruim que aconteceu com você ou simplesmente uma má experiência que, no momento, pareceu terrível, mas que, agora, quando você lembra, vê que não foi lá essas coisas. Algo como o primeiro dia de aula ou uma visita particularmente dolorosa ao dentista. Pode-se dizer que com o Alvo é o mesmo. Claro que uma visita ao dentista nem se compara a Bob Rondres, mas já dá pra ter uma ideia. Acontece que Alvo estava realmente nervoso nas vezes em que se encontrou com Bob Rondres, por isso falar sobre esses assuntos o deixava nervoso. É complicado de se explicar, mas basta que você entenda o quão desconfortável Alvo ficava em relação à tudo isso, porque entender realmente a verdadeira razão do nervosismo você, provavelmente, nunca irá entender. Porém, as experiências com Bob Rondres eram mesmo marcantes, e deixavam um efeito diferente em cada bruxo que cruzava seu caminho (os sobreviventes ou não). Em Alvo, por exemplo, era o desconforto, algo como lembrar de um compromisso chato e inadiável. Em Rosa, a satisfação de (além de estar um passo à menos de ficar mundialmente conhecida) passar por algo parecido com as histórias que sempre ouvia dos pais. Em Carlos, era a emoção de ter vivido uma aventura bruxa. Já em Tiago, a fama era o principal. E eram em horas como essa que Alvo agradecia por ter um “papa-fama” feito Tiago como irmão. Pois este, vendo que o garoto não se sentia bem falando daquelas coisas, logo tomou à frente.

– Ah, mas por que o Alvo tem que contar? – perguntou ele, ofendido. – Esqueceram que o Sr. Incrível aqui também estava presente nas duas vezes? Pois então, deixo vocês escolherem qual querem ouvir primeiro.

– A do ano passado, a do ano passado!

– Não, a do Medalhão de Prata!

– Não!

– Sim!

– A do ano passado!

– A do retrasado!

Silêncio! – bradou Tiago, numa imitação muito fajuta de Dumbledore. – Vamos do começo. Estava eu no meu canto, brincando de ser lindo, até hoje não consigo parar e...

– Ah, não dá para o Alvo contar? – reclamou Hugo. – Queremos saber da história, não das mentiras do Tiago.

– Mentiras?! – exclamou o garoto. – Meu filho, a minha beleza é uma bênção para essa família de ruivos!

No final foram Rosa e Carlos quem contaram porque a narração de Tiago não foi satisfatória.

Após as histórias, vieram as discussões sobre qual música colocar para tocar. Os mais velhos – e Roxanne – concordavam que As Esquisitonas era a melhor escolha, já os mais novos – com exceção de Roxanne – insistiam que não havia pedido melhor do que Os Explosivins (“Qual é pai!”, disse Tiago, que – assim como Carlos – era de longe um grande fã. “O nome já diz, a música deles é uma explosão do momento!”). Acabou que, para ser justo com todos, ninguém ouviu nada, e ficaram apenas conversando até o sono chegar.

A maioria foi embora, somente os Weasley (por parte de tio Rony) e os Longbottom ficaram. Os pais ficaram nos quartos, junto com os bebês. E os mais novos se alojaram na sala.

Seria legal dizer que Alvo teve uma noite tranquila embalada por sonhos felizes envolvendo seu cachorrinho Pierre. Ou simplesmente que os outros esperaram Daniella adormecer e depois jogaram um balde de bomba de bosta em sua cabeça. Mas, infelizmente, nada disso aconteceu. Seria uma sorte se tivesse acontecido, porque o que aconteceria a seguir marcaria aquelas vidas para sempre.

Porém, sem fazer a menor ideia do que o esperava ao acordar, Alvo inocentemente deixou que o cansaço tomasse conta de seu corpo e se deixou levar pelo sono. O que foi um erro. Pois, se naquela noite Alvo – ou qualquer um deles – estivesse acordado, muita coisa poderia ter sido evitada. No entanto, Alvo fechou os olhos, para na próxima vez que os abrisse, ser surpreendido com uma terrível tragédia...

É comum que, quando estamos muito agitados, tenhamos vários sonhos e pesadelos enquanto dormimos. Foi o que aconteceu com Alvo. Primeiro ele sonhou que havia se tornado um famoso cantor, e que tocava “Hipogrifos natalinos” para uma multidão de fãs. Depois o sonho mudou, ele estava em Hogwarts e tentava explicar para Natalie Dursley que o “concunhada” na camiseta que Daniella lhe dera não passava de uma brincadeira. Então o sonho mudou novamente: dessa vez, ele se viu de novo em um palco, com centenas pessoas gritando seu nome. E, dentre essas pessoas, Alvo conseguiu distinguir Brubock. Ele dizia alguma coisa, mas com toda a algazarra da multidão, era difícil entender. De repente, como num passe de mágica, tudo ficou em silêncio, aí Alvo pôde ouvir com clareza o que Brubock estava dizendo: “ele os levará, senhor, ele os levará!”. Alvo respondeu que estava ocupado demais para se preocupar com aquilo agora, mas Brubock insistiu, sua voz adquirindo cada vez mais um tom de urgência. Alvo já ia retomar seu show quando sentiu uma pontada de curiosidade. Então a curiosidade se transformou em necessidade, e agora Alvo precisava saber do que Brubock estava falando. Um ruído esquisito foi crescendo por ali, embora Alvo tivesse a ligeira impressão de que fosse só em sua cabeça. O ruído foi crescendo... E crescendo... Até que se tornara uma agonia zumbindo em seus ouvidos. Aí, sem o ruído parar – Alvo não entendeu como isso aconteceu -, a voz de Brubock se junto à confusão de barulhos em sua cabeça, repetindo a mesma frase: “ele os levará, ele os levará!”. Cada vez mais alto...

Cada vez mais agonizantes...

– Para! – gritou Alvo, assustado. Acordara com seu próprio grito.

Olhou à sua volta, demorando a perceber que não estava no meio de um show, sendo perturbador por barulhos ensurdecedores que pareciam competir entre si para ver quem iria explodir a sua cabeça.

Apalpou a camiseta, percebendo que esta estava ensopada de suor. Respirou fundo, olhou para os lados, mas ninguém havia se acordado, então se atirou na cama, encarando o teto, esperando sua respiração se acalmar. Não passara nem um minuto quando o garoto desistira. Levantou-se e foi até a cozinha, meio aos tropeços, porque ainda estava com os olhos embaçados pelo sono. Abriu a geladeira e tomou de um gole só um copo de água gelada. Voltou para a sala e já ia se deitar para tentar dormir novamente quando notou uma coisa: tinha menos pessoas ali do que deveriam ter. No geral, era bem normal que você perca a conta de quantos Weasley tem à sua volta, mas Alvo tinha certeza de que haviam sete pessoas quando ele fora dormir. Ele olhou ao redor e fez as contas. Tiago... Daniella... Alice... Rosa... Hugo... Faltavam Lilí e Carlos.

Ele voltou até a cozinha, talvez não tivesse percebido e os dois estivessem lá fazendo um lanchinho da noite. Mas não estavam. Ele voltou à sala, meio atônito. No andar de baixo só haviam essas duas peças, e mais o banheiro, mas este estava vazio. A não ser que eles estivessem lá em cima, o que não fazia sentido, pois lá só estavam os quartos. Mesmo assim, a ausência dos dois perturbou Alvo um pouco e ele subiu as escadas. Provavelmente Carlos quisera pegar alguma coisa em sua mala e Lilí deve tê-lo guiado até o quarto de Alvo. A porta estava só encostada, mas também não havia ninguém ali, só as malas.

Preocupado, ele olhou com mais atenção para o corredor.

– Lilí! Carlos! – sussurrou ele, alto o suficiente para que, se estivessem por ali, os dois ouvissem. – Onde vocês estão?

Mas a única resposta foi o silêncio. Ele achou que talvez os dois tivessem saído para pegar um ar no jardim e, mal descera dois degraus, tropeçara em alguma coisa e foi parar no último degrau da escada, fazendo um estardalhaço danado.

– Desculpa, Pierre – murmurou Alvo, que não sabia se massageava seu braço ou a pata pisada do cachorrinho.

Não demorou muito e seu pai veio ver o que causara o barulho.

– Al? Está tudo bem?

Os olhos do pai correram de Alvo para Tiago, provavelmente associando um barulho desses com uma briga entre irmãos típica dos dois.

– Não consigo achar Carlos e Lilí – respondeu ele.

Demorou um pouco para que o pai entendesse do que ele estava falando. Ele colocou os óculos e examinou o andar de baixo, no parapeito da escada.

– Eles não estão nos sacos de dormir?

– Não, e nem na cozinha ou no banheiro.

Os dois desceram (Alvo deu uma rápida massageada na patinha pisada de Pierre antes disso) e Harry foi conferir se não estavam mesmo na cozinha. Vendo que não estavam, os dois correram para o jardim.

– Carlos! – chamou Alvo, um pouco mais alto. – Lilí!

– Filha! – gritou Harry, visivelmente preocupado. – Filha, onde você está?

Eles deram a volta na casa, mas não encontraram ninguém.

– Vai lá em cima e procura de novo, que eu vou dar uma olhada pela vila – avisou Harry e, pegando um casacão qualquer no porta-casaco, saiu correndo pela neve.

Alvo obedeceu e voltou para a casa, mas sua mãe, tia Hermione, Luna e Neville já estavam descendo a escada.

– O que aconteceu? – perguntou ela, mal-humorada. – Por que diabos seu pai estava gritando? O que o Tiago fez?

– Carlos e Lilí sumiram – balbuciou Alvo, congelado porque fora procurar pelo jardim somente de pijama.

O choque imediatamente atingiu o rosto da mãe, mas ela se limitou a perguntar:

– Já procuraram pela casa toda?

Alvo confirmou com a cabeça e, sem nenhum aviso, Gina simplesmente saiu correndo porta afora. Alvo ia atrás, mas Neville o puxou pelo braço:

– Espera, Al, cadê o seu pai?

– Foi procurar pela vila – o garoto respondeu.

Tia Hermione pegou imediatamente um casaco e Alvo o vestiu.

– Vai ficar tudo bem – tranquilizou Luna, vendo que ele estava nervoso. – Eles devem estar por aí.

Um choro de bebê quebrou o silêncio e ela subiu para o andar de cima. Alice e Daniella se levantaram, sem entender o que estava acontecendo.

– Carlos e Lilí – respondeu Neville, notando o olhar delas. - Sumiram.

– Sumiram? – repetiu Daniella, atordoada.

Ele confirmou. Daniella pareceu querer fazer mil perguntas ao mesmo tempo, mas acabou não dizendo nada.

– Eu acordei e não achei eles – explicou Alvo, tentando manter sua voz firme. – Não sei onde...

Sua voz foi morrendo e ele resolveu ficar quieto, notando que isso só o deixava mais nervoso ainda.

– Mas não podem ter ido longe – disse tia Hermione, séria. – Devem ter visto alguma coisa na rua e foram atrás. Talvez o Pierre, Al.

– Não – o garoto sacudiu a cabeça. – Pierre está ali.

– Mas precisamos fazer alguma coisa! – exclamou Daniella.

– Harry e Gina já foram procurar por eles – disse Neville. – É melhor esperarmos.

– Mas e... – começou Alice, mas acabou tropeçando em Tiago, que deu um rosnado e debateu-se como se estivesse sendo atacado por um enxame de abelhas. Rosa e Hugo também se acordaram.

– Vai acordar a sua mãe, Alice! – grunhiu Tiago, mal-humorado.

– Ela já está acordada, idiota! – respondeu ela, no mesmo tom.

O choro de bebê no andar de cima recomeçou e Neville subiu para ajudar. Enquanto ele subia, tio Rony veio cambaleando escada abaixo.

– O que Tiago fez? – perguntou, esfregando os olhos.

– Fui acordado brutalmente do meu sono – retrucou o garoto em resposta.

– Carlos e Lilí sumiram – explicou tia Hermione, num tom de voz calmo de mais para quem diz uma coisa dessas.

O que?! – exclamaram tio Rony, Tiago, Rosa e Hugo.

Levou um tempo para ela explicar o que houve e, quando conseguiu, ela e tio Rony tiveram de segurar um Tiago frustrado que tentava ir ajudar à todo custo.

– Me deixem ir! – disse ele, se debatendo.

– Tiago, seus pais estão procurando! – tia Hermione tentou, inutilmente, acalma-lo.

– Eu vou também! – ele rebateu.

– Vai dar desencontro! – respondeu tio Rony, puxando seus braços.

Harry apareceu do nada na porta. Suas bochechas coradas pelo frio e por estar correndo. Ele fez um sinal para a rua.

– Não estão – disse, ofegante.

Não foi preciso que repetisse. Tio Rony e tia Hermione o seguiram correndo, Tiago em seu encalço.

– Tiago, fica! – ordenou Harry, irritado.

– Não, eu vou ajudar!

Fica na casa! – voltou-se o pai, virando-se para o garoto. Seu tom foi tão duro e severo quanto Alvo e Tiago jamais ouviram. Os dois, surpresos, pararam imediatamente.

Harry respirou fundo e apontou um dedo em direção à casa.

– Voltem – disse, mais calmo. E se voltou para os outros que também estavam parados em frente ao portão. – Todo mundo. Nós avisamos se acharmos.

– Não se preocupe, Harry – disse Neville, que surgiu sabe-se lá de onde, segurando Lysander. Ele colocou o braço nos ombros de Alvo. – Luna e eu ficamos com as crianças.

Harry deu um rápido aceno com a cabeça e seguiu com tio Rony e tia Hermione pela noite afora, deixando um rastro de pegadas no chão. Pegadas. Alvo virou-se lentamente para a porta na esperança de encontrar alguma pista em cima das pegadas, mas ele e o pai andaram tanto por volta da casa que, se houvesse pegadas incriminadoras ali seria impossível distinguir quais.

Então, como se uma luz se acendesse em sua cabeça, ele percebeu, assim que seu olhar encontrou o ponto do muro em que vira Brubock pela primeira vez. Ali, enquanto a chuva de nove caía sobre seus ombros e enquanto Tiago xingava à altos brados por não o terem deixado ir procurar, enquanto Luna e Neville tentavam o acalmar e enquanto Daniella tinha um ataque de choro. Alvo virou-se para o diretor e disse com a maior convicção que alguém podia dizer, alto e lentamente:

– Rondres os levou.


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Notas finais do capítulo

Espero que se lembrem dos sonhos que o Alvo já estava tendo. Mas calma, calma, não disse que eles estão mortos ainda, ou melhor, nem disse se eles estão mortos, mas vocês saberão o que aconteceu em breve.
Ok, deixem um review e não se esqueçam de, se tiverem bebês gêmeos na família, vesti-los com as roupas de Vancilianeu no Natal u.u
P.S. A cada review a Amanda vai doar um galeão para comprar bomba de bosta para jogar na cabeça da Daniella.