Os Jogos do Vício escrita por Ryskalla


Capítulo 3
Capítulo 2 - Lembranças Esquecidas




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Aquela aparência era difícil de acostumar. As palavras de Myra estavam frescas em sua mente. Todo demônio pode mudar a aparência, eles apenas não têm conhecimento disso... Tu deverás mudar tua aparência, Charlie. Para o bem de Cedric. Claro que o demônio sabia que Cedric havia perdido suas memórias e que ele era um deles agora. Vender sua alma para o Vício lhe assegurava aquilo. Fora transformado em um demônio e Myra disse que foi gentil... Que a morte não foi dolorosa... Que Cedric estaria mais seguro como demônio do que como humano. Seguro do quê? Essas eram as coisas que Charlie não entendia.

— Escute, Dric. Caídos são criaturas perigosas... Amargurados e vingativos. Eles odeiam os anjos, porém também nos odeiam. Enquanto estivermos na terra deles, é melhor respeitá-los. Lembre-se, mesmo Lúcifer é um Caído. — A Cidade Destruída. Várias construções estavam em pedaços, derrubadas, incompletas... Todo o lugar parecia ser cinza, assim como o ar. Eles respiravam cinzas apenas como uma lembrança do passado. Aqueles que já morreram não precisavam mais do ar, não importando sua essência.

— Certo... — Os olhos vermelhos do garoto gravavam pouco a pouco os detalhes daquele lugar na sua memória. Não havia quase nada lá. Quando acordou, Cedric apenas se lembrava de seu nome e que aquela era a única coisa que ele queria lembrar. Nunca tentou correr atrás de suas memórias perdidas, sabia que era uma escolha sua. Charlie era um cara legal, sempre lhe ajudando em suas missões... Sempre tentando animá-lo. Venha, Dric, essas garotas adorariam conhecê-lo. Experiências, era isso que Charlie tentava lhe proporcionar. É bom se acostumar, por vezes a nossa mestre irá exigir que façamos isso em troca de informação. Melhor que seja por prazer. Melhor que saibamos fazer.

Ambos aparentavam ter a mesma idade, Cedric sendo apenas um pouco mais alto. Eram completamente opostos, ao passo que Cedric era loiro de pele pálida, Charlie tinha os cabelos negros como um pesadelo e a pele morena. A única coisa que tinham em comum eram os olhos: Vermelhos como uma rosa.

— Você deveria se animar mais. É uma missão interessante, sabe? Matar um desertor. Vai ser divertido. — Charlie parou de caminhar para encarar o garoto. Era estranho, para ele, ver uma terceira versão de Cedric. Quando criança ele era cheio de energia e alegre, até que se tornou um adolescente irritadiço e frustrado, mas que se encantava com facilidade. Agora era apenas uma sombra silenciosa, quase sem sentimentos. O único sentimento que por vezes conseguia definir no rosto do garoto era a confusão. Ou o sofrimento quando tinha que matar alguém. Odiava o sangue, quase tinha medo dele. Charlie entendia aquelas mudanças... Perdas. Cedric perdera muita coisa... Suas memórias eram sua perda menos preocupante.

— Certo... — Ele murmurou uma segunda vez, com certo desgosto. Matar não era divertido de forma alguma. Não entendia a razão, no entanto... É como se matar despertasse algo... Algo que deveria continuar adormecido por toda a eternidade.

— Se quiser eu posso fazer isso por você. Pode aguardar aqui fora... Não irei demorar muito. — Como Cedric nada respondeu, Charles entendeu seu silêncio como uma confirmação. Encarou o lugar, desejando que o desertor não oferecesse muito trabalho. O pobre infeliz estava escondido em uma das poucas casas cujo teto não havia desabado. Assim como as outras casas, aquela tinha um aspecto miserável. As janelas estavam quebradas e a porta tombada. Charles se perguntou se a porta fora uma estratégia para denunciar invasores, já que seria trabalhoso passar por ela sem fazer barulho. Não importava, aquela parecia ser a única saída e se a vítima resolvesse fugir, Cedric poderia atrapalhar seus planos. Respirou fundo e correu para a casa, dando um salto com o intuito de pular a porta. O seu pé direito acabou ficando preso, ocasionando uma queda. Charles não conseguiu reprimir a cachoeira de palavrões que jorrou de sua boca e quando viu um vulto correndo pela porta, as palavras jorraram com mais intensidade.

— Dric, segure-o! — Berrou ao passo que ia saindo da casa. Cedric pareceu confuso por um momento quanto a criatura saiu, porém acabou agarrando-o e jogando-o no chão. — Bom trabalho, Dric.

No entanto algo deu errado. Cedric deu um leve sorriso e distraiu-se por uma fração de segundo, o que foi o suficiente para que a criatura o agredisse. O garoto o acertou com um soco em uma reação reflexa, acertando-o bem no nariz e fazendo com que o sangue espirrasse em suas mãos e rosto. Continuou acertando-o com uma série de socos desesperados e só parou quando Charles segurou sua mão.

Ele se levantou e deixou o corpo do garoto ensanguentado, só então se dando conta de que era uma criança. Uma criança alta demais para sua idade e com o corpo desajeitado, mas ainda assim uma criança. As lágrimas formaram-se nos olhos vermelhos de Cedric, fazendo com que Charles revirasse os olhos. Outra vez não, ele pensou.

— Dric, está tudo bem, era um demônio... — Tocou-o levemente no ombro, contudo foi afastado e logo Cedric estava correndo para longe dele. Acho que ele nunca irá se acostumar a matar alguém, esses eram os pensamentos de Charles ao encarar a criança-demônio, mesmo que ele não consiga matar... Ainda assim ele irá chorar. Com o braço esquerdo, Charles pegou o pescoço da criança e o torceu, encerrando assim o sofrimento daquela pequena alma.

O que estava acontecendo? Era o que Cedric se perguntava. O que o levara a ter uma atitude tão violenta? Aquilo não estava certo, por alguma razão... Qual seria ela? Talvez se recuperasse suas memórias ele poderia entender, mas se optara por esquecê-las... Bem, então elas deveriam continuar esquecidas.

— Cedric! — Uma voz inteiramente diferente o chamara. Ele se virou, imaginando que ouvira mal e que na verdade aquele era Charles. Foi uma surpresa encontrar um anjo na sua frente. Ela tinha uma bela aparência feminina, cabelos ruivos e olhos esverdeados... Todos os anjos tinham uma bela aparência, embora nem todos tivessem a forma de uma mulher. Entretanto todos os anjos odiavam os demônios. Os olhos de esmeralda do anjo olhavam para ele completamente horrorizados e uma pergunta invadiu sua mente... como ela sabia seu nome?

— Pois não? — Resolveu ser polido... Talvez aquele anjo o perdoasse e não resolvesse matá-lo. Cedric certamente não queria matá-la. Ela continuou em silêncio e lágrimas surgiam em seus olhos, como se ele a deixasse triste. — Algo errado?

— Você... não lembra? Cedric, o que houve com você? — Uma expressão magoada ia se formando em seu rosto angelical, fazendo com que o demônio se sentisse culpado de alguma forma. Ora, qual era o problema dela? — Hexabelle... Este nome não lhe faz lembrar nada?

— Desculpe, mas como sabe meu nome? — Aquele nome não significava nada para ele, embora aquilo fosse compreensível... ele perdera as memórias. Talvez Hexabelle fizesse parte de sua antiga vida, embora ele não soubesse como um anjo poderia ter feito parte de seu passado.

— Dric, você não vai acreditar... O demônio tinha uma irmã e... — Os olhos de Charles tornaram-se imediatamente assustadores. Ele correu para frente de Cedric, assumindo uma postura defensiva. — Procurando a morte antes do tempo, anjo?

— Eu presumo que não, demônio. — Outro anjo se fez presente, dessa vez ele tinha a forma de um garoto de dez anos. Cabelos pretos como o céu sem estrelas e olhos pálidos. O anjo parecia a própria noite. — Não almejamos lutar. Iremos embora em paz. Sei que você irá escolher o melhor para seu amigo. Ele ainda não está acostumado com essa vida, não é?

Charles lançou um último olhar furioso para os anjos e arrastou Cedric consigo. Hexabelle fez menção de segui-los, mas foi impedida pelo outro anjo.

— Achei que você tivesse dito que havia se esquecido de tudo de sua vida humana, Hexabelle. Que tivesse esquecido suas emoções. — Seu olhar era forte, mesmo que não fosse acusador. Hexabelle abaixou sua cabeça, a raiva e a tristeza brigando por espaço em sua alma.

— Eu esqueci... Cedric não fazia parte da minha vida humana. O que aconteceu com ele, Purah? — A regra era não contar nada para a novata... Não até que ela se lembrasse de sua vida de antes. Até que se lembrasse da sua vida de Arcanjo, antes de sua morte e reencarnação em um corpo humano. Porém, aqueles olhos eram tão desesperados que Purah não teve alternativa que não fosse revelar o que acontecera com o jovem demônio. Talvez com aquele conhecimento ela desistisse... Talvez se entregasse com mais facilidade.

— Ele perdeu as memórias de sua antiga vida, assim como você. Embora você tenha perdido as lembranças de uma vida muito mais antiga que a dele. Você esteve perdida por muito tempo, Belle.

— Isso eu pude perceber! Quero saber por que ele é um demônio agora! — A ira era um dos sentimentos mais perigosos que um anjo poderia sentir. Purah abraçou Hexabelle por um logo momento, passando uma sensação de calma para o corpo da Arcanjo. — Desculpe... Mas é difícil para mim... E-eu o amava tanto!

— Minha doce aprendiza... Ele vendeu a alma para o Vício. Vendeu em troca do esquecimento. Imagino que ele em uma forma humana não seja tão útil nos propósitos do Vício. — Ele podia sentir as lágrimas dela, quentes como o Sol da manhã. A ira não havia se abrandado completamente. — Sinto muito... Você o perdeu para sempre.

Aquilo não era verdade. Ela não havia perdido Cedric, nunca iria perdê-lo. Tinha um corpo físico, um corpo físico e forte agora... Um corpo capaz de destruir cada pedaço daquele ser asqueroso. Sim, agora ela tinha o poder de se vingar de Myra. E então ela o recuperaria. Pouco se importava com sua Queda, se cair era o preço a se pagar por ter Cedric ao seu lado... Ela pagaria por aquilo milhares e milhares de vezes.


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