Os Jogos do Vício escrita por Ryskalla


Capítulo 2
Capítulo 1 - Órfãos de Guerra




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A garota seguramente não entendia o que estava acontecendo. Sabia que havia algo de errado com ela, mesmo que não soubesse o que era. Sua mamãe se fora... Como era ela? A menininha andava perdida pelas ruas destruídas, assustava-se com os pedaços de vidros que caíam do céu. Estava completamente sozinha. Não, não completamente...

Havia Davis, seu ursinho. Amy sabia que sempre poderia contar com ele, mesmo desconhecendo a razão. Era apenas um ursinho velho e cheio de remendas. O que ocorria ali? Suas memórias se alteravam e ela já não sabia em que acreditar. Mamãe morrera ou não? Onde estava sua mãe?

— Mamãe? Mamãe? — Algumas criaturas horríveis olhavam para ela e logo em seguida a ignoravam. Não vão te machucar, Davis contava para ela, apenas continue procurando a mamãe. — Mamãe? Mamãe?

Lágrimas inocentes rolavam em seu rosto. O mundo estava morto, porém estava quente. Todo o lugar queimava e pessoas gritavam. Deveria estar no inferno... O que era o inferno? Um pedaço de madeira caiu do céu, fazendo com que Amy gritasse. Nada irá te machucar, procure a mamãe, procure a mamãe...

— E-eu n-não quero. E-estou com medo... Estou com medo, mamãe! Mamãe? Eu não quero ficar sozinha, mamãe... — Os finos joelhos estavam encostados no chão e todo o corpo da menina estava encolhido. Ela protegia Davis, porque ele era o único que estava com ela. Não queria conhecer aquele mundo feio, o mundo dos mortos. Você encontrará seu anjo, Amy, ele irá lhe ajudar a encontrar a mamãe... Davis insistia que ela fosse forte, sim... Mamãe iria querer que ela fosse forte, não iria? Porque Amy era a garotinha forte dela. Sim, lembrava-se agora... Você é minha garotinha, Amy, minha garotinha forte. Pouco a pouco as lágrimas iam cessando e suas perninhas finas voltavam a se erguer. Tinha que continuar caminhando... Continuar caminhando até encontrá-la. Porque a mamãe precisava de sua garotinha forte.

Uma espécie de transe tomou conta dela. Amy não viu quando os anjos chegaram, não viu anjos e demônios guerreando. Não viu as mortes ou o sofrimento... Seus pés a levavam automaticamente para a saída daquela imensa catedral, mesmo que ela não soubesse onde era a saída. Pedaços de vidro caíam e ela desviava de todos eles, apenas acordou quando encontrou seu Salvador. O homem doce, o de palavras gentis.

— Olá, menininha. É perigoso ficar aqui, querida. — Os olhos castanhos avermelhados de Amy encontraram os olhos levemente vermelhos do rapaz de cabelos brancos. Que aparência incomum! — Está tudo bem, está tudo bem... Eu irei protegê-la, quer uma balinha?

Com curtos movimentos da cabeça, a garota aceitou a bala. O estranho a pegou gentilmente no colo, ele a segurava com apenas o braço direito e com a mão esquerda ele segurava uma espada. Como era estranha a mão daquele homem, era o que Amy pensava. O mundo estava acabando para algumas pessoas ali dentro e ela não sabia o que isso significava. A garota apenas encostou sua cabecinha no ombro macio de seu Salvador e tentou ignorar a cena de destruição ao redor.

Infelizmente, para Brooke, aquilo era algo que ele não podia fazer.

Estava mais lento, de fato, pois carregava uma criança e uma criança sempre atrasava. Aquela garotinha não era pesada, era incrivelmente leve e Brooke simplesmente não entendia como ela conseguiu sobreviver... Demônios Perdidos em sua grande maioria adoravam caçar crianças... Como aquela criança passou despercebida?

Aos poucos, Brooke pareceu entender a razão. Apesar do corpo tenso e da espada em mãos, nenhum de seus esforços parecia ser necessário. Os Perdidos simplesmente ignoravam a menina. Não exatamente ignoravam, eles a viam, na realidade, porém, viravam o rosto e procuravam outra vítima ou até mesmo um anjo. Brooke parou e olhou para a criança, ela havia adormecido em seus braços. Ela seria seu amuleto da sorte. Sim, a menininha abençoada que o ajudou a escapar com vida do desastre da Cidade Catedral. Um milagre enviado pelos anjos ou até mesmo por Deus. Quem poderia saber? Seguiu com ela, sem reduzir sua velocidade. Mesmo que os demônios não o atacassem, a cidade estava desmoronando. Pedaços de vidro e vigas de madeira caíam, arcos de pedra despencavam e aquilo era tão mortal quanto os Perdidos. Além disso, a temperatura estava incrivelmente alta... Muito diferente do clima ameno que o Outono trouxera consigo, ainda mais diferente da temperatura que o inverno traria. O que o fizera lembrar...

Precisava de agasalhos. Roupas, qualquer coisa serviria. Observava ao redor enquanto caminhava em passadas rápidas, fitando os muitos corpos no chão. Próximo à Igreja, os corpos estavam amontoados, como se as pessoas buscassem refúgio naquele local sagrado em uma última tentativa de salvação desesperada. Dentre os corpos, Brooke pode identificar dois padres trajando suas respectivas casulas. Bom, aquilo teria que servir.

— Querida... Por favor, acorde. — Brooke murmurou para a menina gentilmente. Os olhinhos da criança abriram imediatamente, como se ela não estivesse dormindo e sim apenas com os olhos fechados momentaneamente. — Precisarei que fique em pé por alguns minutos.

Ele a deixou cuidadosamente no chão e segurou sua espada com mais firmeza. Não havia tempo para descobrir como se retirava aquela roupagem. Utilizou sua espada para cortá-las em um movimento rápido e preciso, tomando o cuidado para não sujá-las ainda mais de sangue. Empurrou o corpo do padre sem vida para o lado, permitindo que tirasse a casula de baixo dele. Era feita de um tecido pesado, provavelmente brocado. Esperava que aquilo aquecesse tanto quanto aparentava. Repetiu as mesmas ações com o corpo do padre que estava mais a frente, próximo à entrada da Igreja.

— Imagino que isso nos ajudará bastante quando sairmos daqui, quando o outono acabar, principalmente. Não irá demorar muito... — Brooke segurou a minúscula mão da garota com sua mão de carne. Ela olhou para sua mão de metal, porém nada perguntou. Havia alguma coisa de estranho naquela criança. Conforme corriam, ele percebia que, vez ou outra, os olhos da menina pareciam perder o foco, então ela segurava o urso de pelúcia com mais força e eles voltavam ao normal. Indagou-se se aquilo não seria efeito do trauma, os pais daquela menina provavelmente foram mortos na sua frente... Brooke não era tão jovem quando enfrentou sua primeira guerra e assistiu a morte dos pais. Aquela situação era, certamente, pior para a criança que ele salvara, do que fora para ele no passado.

Os portões entraram em seu campo de visão e Brooke não podia sentir-se mais grato. Breve eles estariam longe daquele cenário de dor e destruição e, se tivessem sorte, encontrariam uma cidade segura para se abrigarem. O pouco que ele conseguira salvar de seus pertences não era o suficiente para os dois, o que iria obrigá-lo a conseguir um trabalho. Não poderia deixar aquela menina sozinha, nem confiava nos abrigos infantis. Quando atravessaram os portões, um vento frio os recebeu, enchendo-os de esperança e alívio.

— Veja, pequena, estamos salvos. — Ele a tomou novamente nos braços e seguiu rumo à trilha bem trabalhada que levaria os dois até a floresta, onde era mais seguro descansar. Levariam cerca de duas horas para chegar até lá e a parte mais escura da noite acabara de começar. O homem jogou por cima de seus ombros uma das casulas que havia roubado e sinalizou para a menina segurar a ponta, protegendo-os com um casulo de calor. — Agora me diga, minha menininha corajosa, qual é o seu nome?

— É... Amy. — Sua voz era um tanto confusa, como se não tivesse tanta certeza quanto ao seu nome. Ou talvez ela fosse apenas esperta o suficiente para não dar seu nome verdadeiro.

— É um nome muito bonito, sabia? — O primeiro sorriso iluminou o rostinho infantil de Amy, revelando seus dentinhos incrivelmente brancos. Brooke lhe sorriu de volta, o sentimento de amizade crescendo dentro dos dois. — Pode me chamar de Brooke, querida. Espero que sejamos ótimos amigos.

Amy deu um aceno positivo com a cabeça, um sentimento de alegria ia pouco a pouco tomando conta da garota. Ela apertou Davis contra o peito, o urso parecia estar satisfeito com o novo amigo que encontraram. Sim, Amy... Você achou seu anjo.


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