Os Jogos do Vício escrita por Ryskalla


Capítulo 4
Capítulo 3 - Silêncio




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Uma solitária Hexabelle observava as terras humanas lá de cima no Reino dos Anjos, aqueles que se diziam seus irmãos a olhavam com piedade. Era algo completamente irritante, para dizer o mínimo. Não estava pedindo para ninguém ter piedade dela. Purah continuava a tentar fazê-la lembrar, algo que ela julgava ser engraçado. Como o anjo do esquecimento poderia ajudá-la a lembrar de seu passado?

— Você sempre teve problemas em controlar a ira, Hexabelle. — Um de seus irmãos se aproximara. A arcanjo não conseguia se recordar o nome dele... Desviou o olhar irritado e voltou seus olhos para as terras humanas. Se ela estava irritada isso dizia respeito apenas a ela, não? Tinha motivos para ficar irritada. Myra era um grande motivo. — As Terras Lá de Baixo carregam nossas maiores perdas... Os Guardiões são muito corajosos, já que vivem lá por toda uma eternidade. Ouvi dizer que está tendo problemas para se recordar de sua vida aqui.

— E apesar disso ninguém parece disposto a me ajudar. Dizem que tenho que lembrar sozinha. — Claro que não poderia dizer que Purah por vezes a ajudava, contando histórias a respeito dela própria que Hexabelle duvidava que fossem verdade. Era extraordinário demais.

— Poderia me presentear com sua companhia durante uma caminhada? — Deveria aceitar? Era o que a ruiva se perguntava. Focou no rosto daquele cujo nome não lembrava. Seus cabelos eram castanhos, quase loiros e seus olhos eram de um azul celeste magnífico. Aquilo só a deixava triste... Azul sempre a faria se lembrar de Cedric.

Levantou-se e iniciou a caminhada, o seu acompanhante viu aquilo como uma resposta positiva e juntou-se a ela quase que imediatamente. As primeiras passadas foram seguidas de um silêncio pensativo.

— Sabe. — Iniciou o arcanjo. — Nossa história é algo realmente engraçado. Você é a sexta arcanjo e Lucy é sua contraparte. No entanto, você sempre preferiu lutar contra Myra, que é a minha contraparte. Alguém explicou a você nossa história?

— Não. — Finalmente alguém parecia querer esclarecer as coisas para ela. Desde sempre Myra fora sua inimiga... Isso explicava muitas coisas. Ao menos parecia explicar.

— Imaginei. — Um sorriso límpido por parte do arcanjo fez com que Hexabelle corasse e desviasse seu olhar. Cedric raramente sorria, mas sempre que o fazia Hexabelle sentia seu coração derreter um pouco. — Veja, não sabemos como os anjos ou os primeiros demônios foram criados. Simplesmente passamos a existir, ou ao menos é isso que supomos. Sablo veio primeiro e é responsável pela Bondade. Eu, Theliel, fiquei responsável pela Perfeição. E então Sophia apareceu, sendo responsável pela Lucidez, o que de certo modo significa dona de bom julgamento. Felicity trouxe com ela a Felicidade e Akriel nos presenteou com a fartura. Você foi a sexta a aparecer... Hexabelle. Em teoria, você deveria ser responsável pelas sete virtudes, porém a paciência sempre foi um problema. E por último veio Tykhe, trazendo-nos a boa sorte.

— Meu nome então é Hexabelle por que fui a sexta a aparecer? — Sempre achara seu nome incomum, descobrir que havia um significado por trás dele de algum modo a fazia sentir-se mais conhecedora de si mesma.

— Em parte. Você é a sexta e é bela. Desse modo seu nome tornou-se Hexabelle. — Alguns minutos lhe foram cedidos para que ela absorvesse toda aquela nova informação. Eles agora subiam uma escadaria cujo fim parecia não chegar. — Existiam outros irmãos celestiais acima de nós, contudo... Por alguma razão, desapareceram. Havia Lúcifer, também, era um querubim. Ele, porém, não desapareceu. Lúcifer teve outro fim. Foi o primeiro a ser banido do Reino dos Céus e após isso começou o desaparecimento de nossos irmãos superiores. Está acompanhando?

— Sim. — Não era uma mentira, estava interessada pela história. Aquilo era algo novo para ela, mesmo que não entendesse a relação daquela história com seu passado.

— Lúcifer apaixonou-se pela primeira Desperta, Lilith. Nós a chamamos assim porque ela foi o primeiro demônio cuja consciência despertou. E devido a essa união, Eva nasceu. Eva, a mãe da humanidade. Eva, a protegida de Deus. Eva, a orientadora e mãe de muitos filhos. — O cenho de Theliel se franziu conforme ele falava e continuaram franzidos mesmo após uma pausa. — Lúcifer tinha uma escolha. Esquecer Lilith ou abandonar o Reino dos Anjos.

— Uma escolha injusta. — Hexabelle apontou.

— Não discordo e nem concordo com sua opinião. — Aquele sorriso límpido aparecera novamente. — Lúcifer escolheu Lilith e deu origem aos Caídos. Deus encarregou Jeliel, um gentil serafim, a acompanhar Eva e ajudá-la a tomar conta de seus filhos. Assim, quando Eva tornou-se mulher, ela e Jeliel tornaram-se marido e mulher. Os outros serafins e querubins desapareceram... Alguns acreditam que tenham seguido o exemplo de Lúcifer, outros que receberam um chamado de Deus para algum propósito maior. Desse modo, o Reino dos Anjos é habitado somente por Arcanjos, Anjos e Guardiões. Muitas mudanças ocorreram aqui devido à Queda de Lúcifer e não teria sentido listar todas, apenas listei as de maior importância. Acredita-se que Lilith tenha ensinado a Lúcifer o segredo para despertar um demônio e ele assim o fez. Despertou um demônio para lutar contra cada um de nós, exceto Tykhe possui uma contraparte. Se ela existe, nunca entrou em guerra contra nós. Primeiro despertou Mefisto e lhe atribuiu a crueldade. Myra veio logo após e ele lhe atribuiu os defeitos... Ela nominou-se como Vício. A loucura não possui um nome certo e sempre é a primeira a morrer. Cada vez que a loucura morre, ela reencarna com outro nome.

— Um demônio pode reencarnar? — Talvez, se Cedric reencarnasse como um humano... Poderia haver uma esperança para ele, afinal. Theliel parecia saber o que ela pensava, pois sua expressão tornou-se soturna.

— Na realidade, não. Nunca entendemos o motivo para que a loucura sempre voltasse... Ela é o único demônio capaz de retornar. Ou talvez apenas Despertados possuam essa capacidade. — Hexabelle parou. Estavam quase no final da escadaria. Uma violenta vontade de chorar a dominou. Não havia saída para Cedric? Mesmo que ela se esforçasse ao máximo? Lutou contra as lágrimas bravamente. Tinha que haver um modo. E eles tinham uma eternidade para descobrir. — Sobraram então Lia, Cassius e Lucy. Cujas responsabilidades são respectivamente, a Depressão, a Fome e... Os Pecados.

— E eu deveria impedir Lucy de espalhar os pecados pelo mundo. E você deveria impedir Myra. — O tom de Hexabelle era tão infeliz que arrancou uma risada melódica de Theliel. Ela o encarou com uma expressão confusa e ele sinalizou para que continuassem a subir.

— Nunca foi assim. Veja, o Pecado também é responsável por inibir a Perfeição assim como a Virtude também pode inibir o Vício. Somos muito parecidos, Belle, e desse modo podemos ajudar um ao outro a lutar contra nossas contrapartes. — Os degraus terminaram em um amplo espaço dourado. Duas criaturas translúcidas similares a serpentes sobrevoavam e aquilo foi o suficiente para que Hexabelle perdesse o fôlego. Aquelas criaturas malditas... Elas foram as responsáveis... Destruíram a vida de Cedric... Se elas nunca tivessem aparecido em Rosária, Cedric ainda seria um humano agora. — Cuidado.

Sequer se dera conta de que estava para cair escadaria abaixo. Uma mão de Theliel segurava sua cintura, com o instinto de protegê-la. Estava tão transtornada que não percebeu que ele a abraçara.

— Tenha calma... Dragões Celestiais foram criados quando perdemos você... Eles ficaram responsáveis por exterminar o pecado. Não os culpe. — As palavras eram sussurradas em seu ouvido com uma calma não natural. Todo o corpo de Hexabelle tremia em uma ira mal contida. Todos eles eram culpados. Cedric fora afastado dela e talvez nunca mais estivesse ao alcance de sua mão. — Belle... Você deve...

— Não venha dizer que devo esquecê-lo! Estou farta de Purah mandando que eu esqueça. — Hexabelle tentou empurrá-lo, porém os braços de Theliel eram fortes. E quem dera a ele a autorização para chamá-la de Belle? Apenas Cedric podia chamá-la assim.

— Você não deve esquecê-lo. Ouça... — O arcanjo finalmente a libertou de seus braços e caminhou até o dragão mais próximo. Levou sua mão à cabeça da criatura e o acariciou. — Quando Lucy matou você... Todos nós ficamos inconsoláveis. E então você renasceu... Filha de uma Caída com um humano. Entramos em desespero quando a Caída tentou te matar após descobrir que você era um ser celestial. A situação deveria ter sido mais bem planejada, claro. Entenda, um anjo foi enviado para batizá-la com seu verdadeiro nome e sua mãe entrou em fúria. Não podíamos intervir e como ficamos aliviados quando seu pai a salvou... Quando Myra despertou uma obcessão por anjos e descobriu a seu respeito... Era como se tudo conspirasse para que você nunca retornasse para nós. Então você se matou e sua existência desapareceu por completo. Não conhecíamos os espíritos... Mandaram que eu a esquecesse também. Nunca consegui, sempre acreditei que se eu a mantivesse em minha memória... Um dia você voltaria para mim. Eu sou grato a essas criaturas... Graças a elas eu pude ter você de volta.

O significado daquelas palavras? Hexabelle fingia não entender, lutava para não entender. Não queria ser a causa do sofrimento de ninguém. Era inevitável pensar que Cedric talvez fosse a Alice de Theliel. E ela conseguia lembrar de todo o sofrimento contido, toda a inveja e a raiva. Lembrava-se da culpa por sentir tudo aquilo, afinal... Que direito ela tinha? Era apenas uma alma vagante que em nada poderia contribuir para a felicidade de Cedric... Alice não era uma má pessoa e talvez pudesse ser a pessoa perfeita para Cedric. Ao menos era disso que Hexabelle tentava se convencer. Sentia-se horrível, contudo o silêncio era a única resposta que poderia dar para Theliel. Não era mais a Hexabelle de antes. Ela era diferente agora, mesmo que todos tentassem forçá-la a voltar ao seu eu de um passado tão distante... Não era possível, nunca seria.

Iniciou sua descida e abandonou Theliel, uma atitude completamente covarde. Tal como Cedric fora covarde em nada dizer quando Hexabelle lhe confessou seus sentimentos. Ela podia entendê-lo agora... Nenhuma palavra seria capaz de traduzir o que ela sentia. Nenhuma palavra seria capaz de confortá-lo. Sob muitos aspectos, o silêncio era a melhor resposta que alguém poderia dar.


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