A Semideusa escrita por Messer


Capítulo 2
Garçonete




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– Um café com açúcar. O que mais?

Mary levantou uma sobrancelha para a garconete. Para ela poder adivinhar o que iria pedir, já convivia nesse mundo há mais tempo que imaginava.

A garçonete sorriu, com os olhos totalmente azuis brilhando. Mary desviou o olhar novamente para o cardápio. Havia muitas comidas estranhas lá, mas a alimentação humana estava somente incluída no final do cardápio. Virando-o para poder ver, a garota escolheu uma porção de frango frito, e teve seu cardápio recolhido pela garçonete fada, que fora para trás do balcão, atender um casal de licantropos.

Mary franziu levemente a testa e um lado de seu lábio levantou, formando um sorriso, apesar de sua expressão dizer outra coisa. Mesmo convivendo com eles, ela não havia se acostumado. No fundo, Mary achou que nunca se acostumaria, mesmo que, durante toda sua vida, ter visto coisas como essas.

– Você ainda acha estranho isso? - Ela escutou a voz de John. Virando-se para ele, Mary viu que o garoto estava de olho nela a algum tempo, a julgar pela posição, onde estava levemente inclinado para frente, com os cotovelos apoiados na mesa. Seu olhar, para variar, era de divertimento.

– Sim - ela admitiu, dando um suspiro antes de continuar. - Era mais fácil quando eu achava que era tudo uma ilusão da minha mente.

– Sabe - ele disse, olhando para as criaturas que estavam no bar -, nem mesmo eu me acostumei direito a isso aqui. Tipo, é estranho, até. Você nunca tem uma vida... Normal.

– Você queria ser um mudano?

John olhou para ela, com os olhos arregalados.

– Pelo Anjo! Não! - Ele balançava as mãos. - Eu só queria... Sabe, umas férias. Entende?

Mary assentiu com a cabeça, voltando a observar a lanchonete. Ela não se lembrava bem do lugar, mas era o tipo onde os Nelphim e as outras criaturas mágicas se encontravam. Uma música pop tocava de fundo, mas era parcialmente abafada com as conversas d povos das fadas, licantropos e feiticeiros. Era um ambiente meio escuro, mas aconchegante, até, para o tipo de Mary. As mesas estavam quase todas lotadas, e as garçonetes gritavam pedidos ali e aqui, e andavam apressadas por entre as mesas. Era um ambiente comum, tirando a aparência peculiar dos que se encontravam ali.

John e ela não eram exceção. Por causa do treinamento, estavam bem armados. Mary usava uma estranha combinação das luvas com adagas escondidas, um coque se soltando no alto da cabeça, calças jeans e uma blusa de lã preta por baixo do casaco, sem contar as armas que estavam presas no cinto de sua calça.

Já o garoto estava mais comportado. Casaco de couro marrom por cima da blusa de malha preta, calças jeans e seu chicote estava enrolado na cintura, servindo como um cinto. Ele, diferentemente de Mary, havia guardado as outras armas (que não eram tão grandes como as dela) nos bolsos interiores do casaco. Isso a deixou levemente irritada, por estar andando por aí totalmente armada e chamando a atenção de todo tipo de criatura que possuía a visão. Tanto que alguns clientes da lanchonete a lançavam olhares feios, uma vez ou outra.

– Há quanto tempo você está no Instituto? - Ela disse, ligeiramente curiosa.

John olhou para ela, e seus olhos pareceram tristes, mas fora muito rápido. Ela não pode dizer se estava delirando ou não.

– Desde meus cinco anos, pelo o que me contaram.

– Seus pais...?

– Morreram.

Ela levantou as sobrancelhas, em um ato de esclarecimento e lhe desviou o olhar. Ela sabia o que era isso.

– Entendo. Eu fugi de casa com sete anos, após ser apedrejada. Eles pensaram que eu era uma bruxa. E talvez continuaram pensando, pois foi naquele dia que eu descobri quem era meu pai. E minha mãe... - sua voz se tornou um murmúrio. - Ela me odiava. Até hoje não sei o que aconteceu com ela.

– Você nunca quis descobrir? - Ele perguntou, com uma voz mais serena.

Em resposta, Mary só balançou a cabeça, em negação. Ela só sabia que sua mãe fora para os Campos de Asfódelos. Mas nunca soube quando morreu e o por quê.

Segundos depois, a garçonete apareceu, e o logo os dois começaram a devorar a comida que lhes fora servida. Mary não percebera o quanto estava com fome, e, quando menos percebera, já havia acabado com o prato. John havia comido com a mesma velocidade.

– Vamos para o Instituto - ele disse, em tom sério, deixando algumas moedas na mesa. - Nós temos uma festa para ir.

Mary arregalou os olhos.

– Festa?

Mary viu John dar uma leve risada com a cara que ela fizera. Realmente, odiava festas. Tantas pessoas juntas, fazendo movimentos estranhos... Era muito mais confortável ficar em casa.

– Não posso dizer que vamos à festa – ele deixou os lábios em uma linha fina e levantou as sobrancelhas, fazendo Mary desconfiar.

– Nós vamos invadir, não? - A pergunta soava mais como uma afirmação. Em resposta, John sorriu e deu de ombros. Talvez, ir a uma festa não fosse tão ruim assim. - Por quê?

John começou a se encaminhar para a saída do bar, e Mary se apressou para ir atrás, curiosa pela resposta. Alguns passos fora do estabelecimento, o frio já cortava suas faces, deixando-as levemente ruborizadas.

– Uma suspeita de mortes – John disse, um pouco antes de Mary refazer a pergunta.

– Onde? E mortes de quem?

Ele olhou para ela. Estavam seguindo para a estação de metrô, pelo o que ela percebeu. Diferente do garoto, Mary lutava para andar na neve, que estava consideravelmente alta. John mais parecia andar em um terreno de grama aparada.

Mas seu olhar era estranho. Parecia que iria zombar e censurá-la pelo fato de estar perguntando tanto. Ou simplesmente ficou impressionado pela sede por informações que a garota queria. Ela desviou o olhar, torcendo para que ele não percebesse o seu rosto que estava ficando mais vermelho.

– Não muito longe daqui – ele por fim respondeu, voltando o olhar para onde andavam. Estavam perto da estação. - Somente algumas quadras de distância. Um antigo prédio, perto do litoral. E tem muita atividade demoníaca lá.

Mary parou subitamente, e uma leve irritação passou pelos olhos de John.

– Por quê?

– Laurence, por que você sempre faz perguntas assim? - John suspirou e voltou a andar para a estação, que estava somente a alguns passos de distância. Mary logo se pôs a lutar novamente contra a neve para alcançá-lo.

– Não me chame de Laurence – ela disse quando chegou ao seu lado.

Eles adentraram a estação, que estava levemente mais quente do que fora, mas continuava a congelar os ossos. John olhou para ela, com um tom interrogativo.

– Mas não é esse o seu nome?

– Não importa.

Mary estava irritada. Principalmente pelo fato de John ter feito a pergunta. A ideia de a espionagem ser interessante fora pelo ralo abaixo. Ela somente seguiu ele e se sentou em um dos assentos do trem, emburrada e sem olhá-lo. Mas podia sentir a leve descontração que rodeava o garoto. Ele adorava irritá-la. E conseguia.

Os dois ficaram em silêncio até o metrô parar na estação desejada. De má vontade, ela seguiu John para fora da estação. O frio do inverno lhe atingiram como adagas. Mary cruzou os braços em volta de si, em uma tentativa desesperada para se esquentar, apesar de saber que isso não ajudaria em nada.

– Vai ficar pior, não se preocupe – ouviu a voz desdenhada de John.

Ela franziu a testa.

– Eu sei – murmurou, irritada.

– Você fica tão fofa quando está brava – ele disse.

Mary olhou para ele com os olhos arregalados e o queixo caído. Seu rosto adquiriu um tom de escarlate possível de se ver à metros de distância. John deu uma risadinha do jeito dela e tirou o casaco, passando-os pelos seus ombros. Isso não ajudou em nada para retirar o vermelho de seu rosto, mas parte do frio foi lentamente expulsa de si.

– Obrigada, mas você vai ficar com frio – disse ela, com a voz meio trêmula.

Ele suspirou antes de responder.

– Não me importo. Gosto de frio. Além do mais, não sabia que você tinha tanto frio, com essa pele que mais parece de um cadáver.

– Ainda sou um ser humano – ela retrucou, voltando a seu estado normal de irritação.

– Um ser humano de mais de trezentos anos, que tem a aparência de... Dezesseis, metade de deus grego e metade anjo. Claro.

Mary lhe deu um soco no braço, fazendo-o rir.

– Cale a boca – ela rosnou tentando parecer que iria arrancar os seus braços.

Mas, se ele percebeu, não pareceu notar. Estava muito ocupado dando risada dela.

Logo, chegaram ao Instituto, com seu estilo gótico. As pontas das torres pareciam perfurar o céu cinzento. Para mudanos, mais parecia uma igreja abandonada. Mas Mary já estava acostumada com o Mundo das Sombras. Ela tocou a parte de trás da mão esquerda, e, mesmo estando coberta com a luva preta, Mary passou o dedo pela Marca da visão, que não fizera há muito tempo.

Afinal, já me adentrei demais isso pra fugir, ela pensou.

E entrou no Instituto, mais frio do que a neve que caía.


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Notas finais do capítulo

Hi!!



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