Um dia, Jessica parou para pensar o por quê de as pessoas ficarem tontas ou perturbadas gravemente com algumas coisas ditas ou vistas. No caso de ver, ela pensava, podia até haver alguma exceção, mas no caso de ouvir alguém dizer, não. Aliás, eram somente palavras, nem se sabia se o que se havia dito realmente era verdade.

Agora, ela talvez soubesse o por quê.

O mundo pareceu virar um pião enquanto ela olhava boquiaberta para Mary.

-Você só pode estar tirando uma onda com a minha cara, né? - Ela disse, encarando-a.

A garota franziu a testa e olhou para o lado, como se quisesse se lembrar de algo. Depois de um tempo, sua expressão relaxou milimetricamente enquanto se voltava para Jessica.

-Não, apesar não ter certeza do significado do que você havia dito. - Ela deu uma pausa, franzindo a testa novamente e olhando para o chão, parecendo escolher as palavras com cuidado. - Isso realmente aconteceu, Jessica. Chocou-me tanto como você está agora.

Ela deu uma risada sem humor.

-Como pode ter certeza de tudo isso? Aliás, como posso saber se você está mentindo ou não?

Por um momento, ela ficou com medo de ter exagerado nas palavras. Sabia que Mary dava uma de durona, mas era como manteiga derretida. A garota loira se levantou bruscamente, se afastando três passos da cama onde estava. E tirou o casaco.

-Ei, ei, o que pensa que está fazendo? - Jessica disse, ficando ruborizada e trêmula.

Mary não parou. Por debaixo do casaco preto, estava vestindo uma sobrepele cinza. A filha de Hécate também não havia notado, mas a garota estava com a mão direita enfaixada com um pedaço de gaze, deixando somente os dedos da mão à mostra. Ela desenrolou a faixa da mão, deixando-a cair no chão e revelando uma marca negra, com um desenho que ela não conseguiu identificar de imediato. Ela continuou a se despir, arrancando a segunda pele e deixando-a somente com uma blusa sem mangas justa.

Jessica prendeu a respiração quando ela veio para perto e lhe mostrou as marcas. Havia mais uma no braço esquerdo dela, que era uma espécie de linha enrolada com duas saídas. A outra, no dorso da mão, parecia um olho aberto. Ambas eram negras, davam a impressão que foram marcadas à fogo na pele, apesar de não haver nenhum sinal de queimadura.

-Eu poderia mostrar a que tenho nas costas – Mary começou, com a voz dura enquanto Jessica pegava sua mão para examiná-la melhor -, mas não quero tirar minha blusa. Agora, talvez, você acredita um pouco em mim?

A filha de Hécate olhava boquiaberta para a Marca. Onde ela tocava, o desenho brilhava, como se seu dedo fosse alguma espécie de luz. Talvez realmente a amiga estava falando a verdade. Jessica não achou que a garota estava mentindo, mas a história era absurda demais. Ou talvez não.

-São Marcas de proteção, feita com isso – Mary se afastou e pegou algo que estava dentro do travesseiro na sua cama. Era parecido com uma varinha mágica, só que mais grossa e de uma cor azul-claro, gelo. - Isso não é uma varinha mágica, Jess. É uma estela. Isso queima.

-Mas por quê vocês fazem isso? - Ela perguntou meio hesitante.

-Nenhum Caçador de Sombras tem algum poder. Bastante força, mas nenhuma outra habilidade nesse estilo. Isso os ajuda.

Jessica olhou para os lados, tentando absorver algo. Era demais para sua mente, todas aquelas estranhas histórias. Então tudo o que viveu, acreditando na existência de semideuses para salvar o mundo e nos deuses era mentira? Havia mais alguém com eles? O fato de pensar nisso a deixava com enxaqueca.

A filha de Hades estava se vestindo novamente, e colocando a luva para disfarçar a Marca quando se virou novamente para Jessica.

-Você não vai absorver isso agora, Jessy. – Mary disse com delicadeza enquanto o aviso para o jantar soava.

Ela ofereceu sua mão para ela, que aceitou e se levantou. Quando as garotas saíram, Jessica correu para junto de seus irmãos, que já estavam seguindo para o refeitório. Olhando para o outro lado, viu a amiga andar sozinha, seguindo à frente dos outros chalés.

-Eu acho que vocês andam com muitos segredos, Jessica – ela escutou Marcus falar.

-Dimitte me in pace! - A garota retrucou, irritada.

-Non vexatum me, sororem. Scitis quid eveniat intellego.

Jessica engoliu em seco, sentindo a pulsação nos ouvidos. Os filhos de Hécate, mesmo ela não sendo uma deusa olimpiana, eram bastante poderosos. As vezes, ela esquecia que o irmão era tão poderoso quanto ela.

Os três sentaram na mesa, agindo como se nada tivesse acontecido. Jessica odiava isso. Não podia de jeito nenhum ser um pouco livre, caso contrário iria se realmente punida.

Ela engoliu o jantar sem sentir muito o gosto depois de fazer as oferendas. Quando todos terminaram, eles foram até a fogueira, onde cantaram e comeram guloseimas, mesmo com o chão coberto de neve. A fogueira mágica, que mudava de acordo com o humor dos campistas, estava amarela, mas não muito grande. Jessica e seus irmãos estavam sentados em um dos últimos bancos da fogueira, balbuciando as letras de algumas canções. Kaio lhe ofereceu alguns doces, mas ela rejeitou.

A garota olhava Mary, do outro lado da fogueira, sentada no primeiro banco, rindo, conversando e cantando. Ela parecia estar bem à vontade, apesar de alguns semideuses em sua volta estarem levemente tensos. E Jessica sabia o por quê. De onde ela estava, podia sentir o poder que vinha da garota.

Quando terminaram, cada um seguiu para o seu chalé. A filha de Hécate olhou para Mary, querendo falar com ela, mas a garota fez um gesto que ela entendeu que iriam conversar amanhã. Aliás, ia ser muito difícil conversar hoje, sem que ela ficasse meio louca. Então, se virou e entrou no chalé. Mas seus dois irmãos a esperavam, com caras sérias e braços cruzados. Eles queriam respostas para os acontecimentos atuais.

Uma gota de suor escorreu pela nuca de Jessica. Ela sabia que a noite ia ser longa.