Mas é claro que Jessica não viu nenhum sinal da garota.

E, para completar tudo, ela foi obrigada a fazer o seu treinamento, pois seus irmãos não ficaram muito satisfeitos com ela zanzando pra lá e cá.

-Eu já disse! Estou procurando a Mary! É importante! - Jessica protestava, mas Marcus apontava o dedo indicador para ela e o balançava, negando a permissão. Por fim, ela acabou fazendo todos os exercícios de sua manhã com má vontade, e ficou olhando o refeitório na hora do almoço, apesar de não ter visto nada.

Jessica tinha a impressão que Mary teria de aparecer uma hora ou outra, então tentou livrar a cabeça dos pensamentos durante a tarde. Ela passou pelo treinamento de luta corpo a corpo, natação (naquele frio), artes e por fim seu treinamento particular de magia, por ser filha de Hécate. Ela era mais do que uma boa feiticeira. Só não desafiava seu irmão para ser líder do chalé por não gostar de ficar dando ordens toda hora para todos. Talvez por alguns momentos sim, mas não ter que ficar lidando com crianças aprendendo magia.

Quando terminou, estava suada e suje de lama, causada pela neve. Ela foi correndo para tomar banho, pegar a pouca água quente. Jessica pegou uma roupa qualquer e se trancou no banheiro, escutando os protestos de seus meio-irmãos, reclamando de que ela iria demorar muito e acabar com a água. Sem dar moral, abriu o registro do chuveiro e despiu as roupas rapidamente, amarrando o cabelo e entrando para baixo da água quente, que correu por seu corpo, aquecendo-a.

Quando terminou, uma névoa de vapor tomava conta de todo o banheiro, mal podendo enxergar o outro lado do cômodo. Ela se enxugou e trocou de roupas rápido, querendo se aquecer.

-Você acabou com toda a água quente, Spartaw – um furioso Marcus disse quando ela saiu.

Jessica só o olhou e respirou fundo enquanto o garoto entrava no banheiro, reclamando. Ele vivia reclamando e bravo com tudo. Quando se tornou líder do chalé ficou tudo cada vez pior.

-Realmente parece que você viu um fantasma. Me diga, o que aquela tal de Mary tem de tão especial?

Jessica olhou para um dos pufes perto da porta. Kaio estava lá, com os olhos bicolores faiscando em sua direção. Durante o dia, qualquer um podia ter as piores impressões dele. Mas, ao longo em que a noite caía, podia-se ver a benção de Nyx atuando sobre ele.

A garota o encarou por um tempo pensando no que responder. Como todos os filhos de Hécate, ele era astuto e pronto para obter qualquer informação de outras pessoas, mesmo que elas fossem aparentemente inúteis.

-Nós não damos de cara com ela sempre – Jessica respondeu, firme, mas sentindo Kaio penetrar em suas barreiras.

-Sei... Mas até mesmo Quíron ficou meio assustado com ela por perto. Nunca havia visto ele assim.

-Ela é filha de Hades.

-E ex-Caçadora.

Jessica o olhou, sem expressão, mas com uma vontade enorme de pular em seu pescoço e o esganar. Ela deu um suspiro fundo e saiu do chalé, sentindo o sorriso malvado de Kaio em sua nuca. Ela foi para o outro lado da construção dos chalés, indo até a moradia dos filhos de Hades. Ir até lá lhe dava arrepios depois do que havia passado, mas a garota realmente precisava falar com Mary. Mais pelo fato de curiosidade do que qualquer outra coisa.

Quando chegou em frente ao chalé, Jessica hesitou e engoliu em seco antes de bater na porta. Esperou por alguns momentos, e, quando iria bater de novo, a porta se abriu, lançando um ar abafado e quente para fora, fazendo os pelos da nuca de Jessica se eriçarem.

Uma descabelada e sonolenta Mary se postava em sua frente, com o peso do corpo apoiado na mão que segurava a porta, tamanho o sono. Ela olhou para Jessica com os olhos semicerrados, como se estivesse olhando para o Sol.

-Você. Precisa de algo? - Ela disse, esfregando os olhos e passando a mão pelos cabelos, tentando desembaraçá-los, mas sem nenhum sucesso.

-Eu só queria saber o que você e Quíron escondem tanto – disse Jessica, um tanto hesitante. A aura que se desprendia do chalé e da garota estava deixando-a nervosa.

Mary a olhou atentamente, mais desperta com a pergunta feita. Ela respirou fundo e olhou para dentro do chalé, aparentemente analisando algo.

-Quer entrar?

Jessica ergueu a cabeça para olhar dentro do chalé. Não pode enxergar nada, mas continuava a ficar nervosa.

-Eu... Eu não sei bem... - ela respondeu, hesitante.

Algo parecido com diversão passou nos olhos da outra garota.

-Entre, é bem mais confortável do que parece. É só fachada – e deu um passo para o lado, dando espaço para que ela pudesse entrar. Receosa, entrou devagar chalé.

Mary bateu duas palmas, e luzes amarelas, colocadas nas laterais do chalé apareceram. Elas estavam iluminando as paredes negras, com algumas pedras preciosas cravadas no mármore e alguns ossos. Mesmo não sendo direcionadas para o centro do ambiente, elas iluminavam tudo, de uma forma que não se doía os olhos. Entre cada espaço onde não havia uma lâmpada, estava uma cama de solteiro, totalizando seis, três em cada lado, com um baú feito de pedras na ponta da cama. Duas tinham almofadas ou outros pertences pessoais em cima delas, com posters grudados nas paredes, enquanto uma outra, que Jessica chutou que era a de Mary, estava totalmente desorganizada. No meio do chalé, havia um aconchegante tapete e uma mesa preta, com seis cadeiras estofadas. Havia várias coisas em cima da mesa, entre livros, mapas, peças e armaduras e comida.

-É... - Disse Jessica, pouco a vontade com a primeira impressão que tinha. - Aconchegante, mesmo.

Mary deu um sorrisinho enquanto voltava para a cama bagunçada e se sentava lá, com as pernas cruzadas.

-Se acomode. Você vai precisar.