A Rosa Que Sangra escrita por Wondernautas


Capítulo 20
Do verão ao outono


Notas iniciais do capítulo

Perdões a quem acompanha a fic. Passei por algumas provas (não só avaliações na escola ...), alguns problemas e certas frustrações. Mas consegui postar, só não sei se é um cap ideal depois de tanto tempo sem escrever. Mas demorei tanto que não acho que seria certo demorar mais. Enfim... capítulo 20 ta ai!!



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Tardezinha agradável... Uma exata semana desde o fiasco de festa, também chamado de aniversário de Minos Bezzarius. Desde então, Asuka não deu mais as caras. Por outro lado, Manigold e Kardia se deram ao trabalho de procurar maiores informações sobre Jessie através da mágica ferramenta chamada internet. Afinal de contas, não é da noite para o dia que alguém se torna uma modelo internacional...

– Mani, vai ficar até quando vasculhando a vida da Jessie nesse computador? - pergunto, caminhando da cozinha até me posicionar centímetros atrás da cadeira na qual o caranguejo está assentado, no terceiro quarto do apartamento.

Além do dele e do meu, há também esse quarto. Aqui se encontra a mesa do computador, o próprio pc e uma estante com papéis, documentos e algumas anotações.

– Alba... logo logo... eu termino. - afirma ele, vidrado na tela do computador.

Bem, no fundo não entendo por que tamanha curiosidade sobre a vida de alguém que sequer já teve relevante importância para algum de nós dois. Contudo, pensando melhor, quem sabe seja tudo pelo Kardia? É então que me rendo, me aproximo mais e jogo meu corpo contra as costas da cadeira, repousando meu queixo no ombro esquerdo dele e, olhando para a tela do computador, pergunto:

– E o que já descobriu? - indago, levando meus braços a envolver seu pescoço.

– Muita coisa... - fala, sem desligar seu olhar um segundo sequer da " pesquisa de informações em massa " - Como por exemplo que ela passou mais de um ano em um namoro sólido com Asuka Mayer e que terminara há alguns meses. Parece que a ex-namorada do Kardia não aceitou o fim do relacionamento e passou a persegui-la e até mesmo a ameaçá-la. Por causa disso, Jessie se mudou para outro país e passou a focar na sua carreira...

É... Pra quem está há dias pesquisando sobre a vida da modelo, ele não parece estar tão desatualizado assim...

– Então a Asuka não aceitou o fim do romance? - pergunto, observando a tela e todos os sites em que ele entra e sai com tamanha aptidão.

– Sim. A Asuka é, definitivamente, doida de pedra. - comenta ele, séria.

– Será que ela... - inicio, com um certo receio em meu tom de voz.

– É capaz de fazer algo contra o Kardia? Não sei, talvez... - ele me interrompe, continuando a navegar na internet a procura de mais informações - Não duvido nada. - diz - Ela, pelo que parece, está com um certo ódio não só da própria Jessie, como do Kardia também. E até mesmo de mim...

– De você? - pergunto, observando brevemente o seu rosto, mas em seguida voltando a fitar a tela do pc - Por quê?

– Fui eu o responsável pela relação das duas vir a tona, lembra?

E como me lembro. O engraçado é que até hoje nunca falei para o Mani que eu estava escondido naquele dia, observando-o em sua " diversão com o amiginho ". Foi um momento que me marcou. Contudo, não é hora pra falar sobre isso...

– Pelas pesquisas que fiz, é provável que o fim do namoro entre elas se deu pela excessiva preocupação da Jessie com a sua carreira. Talvez manter um relacionamento como o que ela e Asuka tinham viria a, cedo ou tarde, prejudicá-la...

Ele se cala por alguns segundos. Meus olhos acompanham tudo o que surge na tela do computador e, em seguida, ele prossegue:

– Mas caso nada tivesse sido descoberto, quem sabe Asuka ainda estaria com Kardia e, sob nenhuma suspeita, ainda seria a amante pessoal da Jessie?

– Então você está querendo dizer que se não fosse você, as duas estariam juntas até hoje sem que ninguém soubesse? - pergunto.

– É uma possibilidade. - responde - Claro, desconsiderando qualquer outra coisa que poderia ter ocorrido e atrapalhado as duas como o que eu acabei fazendo.

Querendo ou não, começo a me preocupar. Decido não externar isso, pelo menos não agora. Talvez esteja cedo demais preocupá-lo com as minhas suposições. Ou talvez não...

– Mani... você acha que a Asuka é mesmo doida?

– Ela tentou matar o cachorro da Jessie em uma banheira depois de invadir a casa dela...

Me calo. E meus olhos sofrem uma expansão volumétrica assustadora. Fiquei pasmo com essas palavras, admito.

– Tentou matar o cachorro dela? - de fato, não consigo deixar minha perplexidade passar despercebida.

– Isso... e mais...

E ainda tem mais? Céus, a Asuka deve ser uma fugitiva do manicômio, quem sabe? Só pode!!

– A Asuka já ameaçou a Jessie de morte. - diz ele.

Silêncio. Um silêncio que dura quase um minuto completo. Isso pode ser mais sério do que eu pensei. Porém, a situação requer a quebra desse silêncio. E assim o faço.

– Vamos chamar a polícia...

– A polícia? - pela primeira vez desde o início dessa nossa conversa, ele para de teclar tanto e vira seu rosto em direção ao meu.

Nossos rostos estavam tão próximos que nossos lábios se tocaram. Não fora de propósito, afinal de contas... Mas ver aqueles olhos tão próximos dos meus, esses olhos que amo tanto, reviveu em mim uma lembrança de certa forma esquecida...

– É. - falo, afastando meu rosto. O momento é sério, não há clima para romance - Não acho que deveríamos esperar ela fazer alguma coisa... - dando as costas para o Mani, caminho de retorno à cozinha - Não é certo esperar que ela cometa alguma loucura.

Ele nada fala. É provável que esteja refletindo sobre os meus dizeres. De um jeito ou de outro, tenho que terminar a torta de morango que eu estava a fazer agora há pouco. Contudo, enquanto meus passos me levam para a cozinha, aquelas lembranças se tornam cada vez mais fortes...

/--/--/

Anos atrás, quando eu ainda cursava o segundo ano do Ensino Médio, eu sofria. Sofria muito. Foi um ano muito díficl para mim. Descobrir minha sexualidade, meu amor por um garoto hétero e popular como o Manigold, minha solidão, a falta dos meus pais, as pessoas soberbas e interesseiras ao meu redor... Tudo tão complicado para mim... E, durante uma festa escolar no mês de novembro do mesmo ano, que um certo ocorrido em minha vida aumentou ainda mais a dor daquela ferida.

Era noite, 19 horas e alguns poucos minutos...

– Vai ficar só sentado nessa cadeira? - pergunta Dégel, assentado em uma cadeira ao meu lado, estando nós dois no pátio da escola.

Nessa época do ano, sempre ocorria na escola a chamada Festa de Fim de Ano. Na realidade, ainda faltava um mês para o término do ano, mas era organizada no início de novembro para não acontecer em um período próximo aos resultados finais. Geralmente, durava quatro horas. Durante esse tempo, alunos do colégio faziam apresentações para demonstrar seus talentos. Canto, dança, teatro, qualquer tipo de demonstração artística. Como seria de se esperar, não apresentei nem nesse ano, nem no anterior. Para falar a verdade, a única razão por estar ali é por precisar, desesperadamente, de pontos na disciplina de Química. Com exceção dessa matéria, eu já havia passado em todas. E apenas por marcar presença, os alunos ganhavam dois pontos extras.

– Acho que sim... - respondo a Dégel, desmotivado.

Eram poucas as pessoas que se aproximavam de mim e adquiriam a minha " autorização " para tal. Não afirmo isso referente à noite em questão, mas à minha vida em geral. Assim como eram poucas as que se aproximavam sem interesses levianos, como por me achar bonito ou por precisar de ajuda em alguma matéria. Dégel, mesmo não sendo o que chamamos de amigo, não se encaixava em nenhum desses dois casos. Para detalhar com mais eficiência, era o melhor aluno da sala, no meu ponto de vista.

– Não bebeu nem comeu nada... E isso, desde o início da festa, há pouco mais de uma hora. - afirma ele, com um copo descartável de refrigerante na mão direita, a frente do corpo.

Nós dois, assentados em duas cadeiras, lado a lado, atrás de uma mesa. Estávamos bem próximos ao palco, que havia sido instalado no pátio da escola para as eventuais apresentações. Assistíamos, naquele momento, com pouco interesse, um grupo de dança da nossa sala.

– Não tem importância nenhuma... - digo, enquanto ambos mantemos nossos olhares para a apresentação - Nem queria estar aqui...

– Eu também não. - fala ele, tomando um gole do seu refrigerante - Só estou aqui por que o Kardia praticamente me implorou. Agora deve estar por aí, agarrando qualquer uma... - diz, com uma nítida naturalidade, ao abaixar o copo, com uma certa quantia de refrigerante restante no mesmo.

Mesmo sendo duas pessoas bem diferentes entre si, Kardia e Dégel eram grandes amigos desde antes do primeiro ano do Ensino Médio. Se conheceram nos anos iniciais do Fundamental e, a partir dali, nunca mais se separaram.

– Eu queria poder explodir essa escola. - comento.

– Somos dois. - diz ele.

Nos calamos. Dali em diante, passamos minutos em silêncio, somente assistindo a dança de nossos colegas, um total de sete. Quatro garotos e três garotas. Contudo, eu sequer dava importância para tudo aquilo. A verdade é que eu tinha vontade de chorar...

– Vou ali... - falo, me levantando e saindo do lado direito de Dégel, indo para a mesma direção, no intuito de me retirar do pátio.

Não olhei para trás. Portanto, não faço ideia se Dégel olhou para mim ou continuou assistindo a apresentação com lealdade. Não era esse meu interesse, se é que tinha algum. Ah, tinha sim: meu exclusivo e único objetivo era fugir do mundo.

– Por que eu tinha que gostar de um cara tão... imbecil? - me pergunto, com meus olhos úmidos, durante aquela caminhada ríspida entre todas aquelas pessoas.

Todos mantinham seus olhares para o palco da festa. Em algumas mesas espalhadas pelo pátio, era possível ver pessoas conversando alegremente, sobre assuntos que em nada me importavam.

– Droga... droga... droga! - pensava eu, relutante por ter de aceitar tudo aquilo. Aceitar essa situação tão dolorosa e esse sentimento tão gritante.

Após alguns segundos, subi os três degraus da arquibancada e fui em direção ao banheiro masculino, a poucos metros.

– Na verdade, acho que eu é que sou um imbecil... - falo comigo mesmo, ao entrar no banheiro.

As lágrimas, sem mais delongas, começaram a escorrer dos meus olhos para o meu rosto. Estava chorando, manifestando toda aquela dor por tanto tempo interiorizada em mim.

Naquele mesmo dia, durante a manhã nos preparativos da festa, todos os alunos da decoração estavam trabalhando nos acertos finais. Eu também, já que não iria apresentar nada e, por consequência, fazia parte da equipe decorativa. O que me machucou foi ver Manigold, trocando algumas palavras com uma garota um tanto quanto bonita. Melhor dizendo, ter de continuar convivendo com ele daquela forma. Eu não estava preparado para isso. Seria melhor sumir do mundo.

Chegando no tal banheiro, fui direto para a primeira cabine que vi. Logo, pensei o que ele estaria fazendo naquele exato momento. Se estava na festa ou não. Entro, me assento no vaso sanitário, com a tampa sobre o mesmo. Fecho a porta, um tanto quanto irritado, com minha mão direita.

– Tem um nervosinho ai, é? - escuto a voz conhecida, na cabine ao meu lado direito.

Meus olhos se arregalam.

– Manigold? - penso - Mas que droga!!

Decido sair do banheiro. Me levanto e, abrindo a porta com minha mão esquerda, dou de cara com o próprio.

– E ae, Albáfica? Tudo certo? - pergunta ele, sorrindo de olhos fechados e mãos nos dois bolsos da calça.

Nada falo. Apenas sinto meu coração disparar sem nenhum controle.

– Sua calça... - falo, com a voz demasiadamente trêmula, apontando meu indicador para o zíper entreaberto dele.

Além de ver parte da cueca preta dele, aquela proximidade me incomodara.

– Oh cara, foi mal. - diz ele, entre risos, usando ambas as mãos ao retirá-las dos bolsos e levá-las até o zíper em questão, para fechá-lo.

– Tudo bem... - digo, mentindo já que na realidade, não havia nada bem comigo.

Ele se afasta um pouco da porta, da minha cabine, olhando e arrumando seu zíper, abrindo então espaço o suficiente para que eu pudesse sair. E assim eu fiz, sem nem mesmo olhar para ele. Temia o que eu mesmo poderia fazer caso olhasse. Agarrá-lo sem conseguir segurar a mim mesmo era meu maior medo naquele instante.

– Licença... - falo, passando pela porta do banheiro e saindo dali.

Minha mente estava extremamente conturbada. Era uma confusão de sentimentos, de acontecimentos. Era cada vez mais comum sentir um fluente desejo de fugir de tudo, apenas para esquecer de todos esses problemas. Porém, por mais que encontrasse distrações, sendo elas momentos de alegria ou diversão, cedo ou tarde tinha de encarar minha dor novamente. Ela sempre estava ali, me perseguindo, me machucando...

– Por quê, Albáfica? - me perguntava, andando com pressa para longe do banheiro - Por quê você é tão besta?

Passando pelas dependências da escola, meu olhar se prende ao céu tomado por uma noite iluminada por tantas estrelas. É quando, em poucos minutos, sem nem perceber, chego a um canto isolado do colégio. Uma área próxima a cantina. É possível ouvir o som um pouco abafado das músicas no palco da festa, agora distante.

Desviando meu olhar para o que está a minha frente, viro meu corpo e me assento na grama baixa do lugar. E me entrego às lágrimas silenciosas. Meus lábios se mexem e minha voz se manifesta:

– Albáfica, você é um idiota...

/--/--/

Hoje, essa dor não existe mais. Minha vida entrou nos trilhos e tudo corre bem. Claro, bem na medida do possível. Então por quê me lembrei disso agora? Seria pela reaparição da Jessie e da Asuka? Será que as feridas do passado não se cicatrizaram completamente, como eu esperava? Será que, talvez, elas nunca venham a se fechar de fato? Talvez... quem sabe... todo espinho deixe no nosso coração... a lembrança de uma dor?

– Você tá bem, Alba? - pergunta Mani, aparecendo na porta da cozinha, parando em frente a mesma.

– Não sei, pra ser sincero... - respondo, sem olhar de volta para ele, enquanto coloco a torta no forno. - Quase pronta... - comento.

– Aconteceu alguma coisa? Está preocupado com o Kardia e o Dégel?

– Deve ser... - digo, virando meu corpo para ele, que se posiciona a alguns poucos metros de mim.

Manigold vem caminhando em minha direção. Permanecemos olhando um nos olhos do outro. Não estou interessado em pará-lo. Nem de admirar a sua camisa verde tão limpa que parece nova...

– Não é só por isso, é? - pergunta mais uma vez, enlaçando minha cintura com seus braços assim que se aproxima o suficiente de mim.

– Isso seria pouco? - indago.

– Na verdade, não. Mas consigo ver nos seus olhos que tem algo além disso te preocupando.

Desvio meu olhar, abaixando meu rosto.

– Estou certo?

Não respondo.

– Fala comigo... - pede ele, colando a sua testa na minha.

Ergo parte do meu rosto, o suficiente para fitar seus olhos. Seus braços me levam para mais perto de si e Mani pede outra vez:

– Fala comigo, Alba...

– Eu acho que... - tento começar a falar - ...acho que...

Não consigo falar. Aliás, nem consigo me entender. Não sei por que estou assim, não sei o que está acontecendo comigo...

– Alba... - diz ele, colando seu corpo no meu e aproximando nossos lábios mais ainda - Eu estou aqui, não tô?

– Sim. - respondo, sem resistir às atitudes dele.

Mani me dá um abraço, levantando seus braços da minha cintura e levando-os para as minhas costas. Recosta seu rosto no meu ombro esquerdo e fala:

– Te amo... Não esqueça nunca disso.

– Nunca vou esquecer. Eu também amo você... - respondo, antes de nos entregarmos a um beijo lento, suave e tranquilo.

Sim... No fundo, creio que sei a resposta para todas aquelas perguntas: mesmo após tanto tempo, eu não deixei de ser um... idiota.


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Notas finais do capítulo

Reviews, pessoal? Preciso saber da opinião de quem lê. Abraços e até o próximo cap!!