A Rosa Que Sangra escrita por Wondernautas


Capítulo 11
Durante o orvalho, a rosa é perfeita


Notas iniciais do capítulo

Perdãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaao pela demora, eu atrasei muuuuuuito, sei disso. Mas consegui postar hoje, finalmente. Espero que a qualidade do capítulo compense todo o tempo que levei para postar...



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" Um homem sem amigos é uma terra sem umidade, uma manhã sem orvalho, um céu sem nuvens. Os amigos não são os que nos bajulam, mas os que desmistificam nosso heroísmo e revelam nossa fragilidade. Um intelectual sem amigos é um livro sem conteúdo... Augusto Cury... Você não é homem, mas é humana! "

- Por quê o Albáfica me disse isso? - Pandora se pergunta, deitada sobre a cama no seu quarto de hospital, olhando atentamente para  o teto.

Albáfica e Yuzuriha, há pouco, haviam saído do hospital em busca de Manigold. Contudo, o estudante de Medicina passara rapidamente no quarto da morena para lhe dizer esses versos. Por incrível que pareça, foi apenas isso o que ele falou antes de sair às pressas.

- Sinto uma paz tão grande... - sussurra para si mesma, fechando seus olhos e sorrindo tão serena quanto o orvalho da primavera - Nem parece que estou condenada a uma morte prematura e inevitável. Talvez a aceitação, afinal, seja a melhor escolha nesse momento...

- Não fale bobagens, Pandora!! - grita uma voz firme, mas nobre e elegante.

- Mani... - Pan se espanta, ouvindo a voz e imaginando ser o seu querido ex-namorado. Abre os olhos e vira sua face para a porta que se abre. Sorri...

- Você tem que parar com essa bobice. - indaga o homem alto e bonito, que se aproxima da cama e se coloca ao lado direito de Pandora.

- Qual o problema de aceitar a morte, Minos? - ela pergunta para ele, ansiosa por uma sincera resposta.

- Acho que nenhum. - fala ele, sério, olhando em seus olhos - Mas quando se aceita a morte enganando a si mesmo... ai sim, é algo problemático e errado de se fazer.

A bela permanece olhando fixamente nos olhos do amigo. Sem ainda se pronunciar, ela o espera concluir o discurso iniciado.

- Você está enganando a você mesma! - exclama, com um tom de voz mais alto, mas não agressivo - Aliás, está tentando alcançar essa façanha, mas nós dois sabemos que você não conseguiu.

Pandora arregala os olhos, como se não fizesse a menor ideia do que Minos se refere. Porém, no fundo, ela compreende perfeitamente o que o amigo diz. E sabe que ele tem toda a razão.

- Eu... - tenta se explicar, aflita.

- Pandora... - Minos a corta, mais suave e gentil do que jamais fora em toda a sua vida - Você não precisa guardar seu sofrimento todo para você. É para isso que servem os amigos: para compartilhar as dores e as alegrias.

Ela, nesse instante, se lembra dos versos ditos por Albáfica minutos atrás. Um amigo de verdade retira de nós a armadura de bravura e valentia, que envolve o nosso coração, para nos mostrar quem somos de verdade. Somos frágeis, e nenhuma pessoa se difere disso. Não há heróis, nem vilões nesse mundo. Mocinhas, mocinhos... nada disso é real. Existe somente humanos... frágeis humanos. E por sermos tão frágeis, necessitamos da companhia de pessoas que nos valorizem verdadeiramente. Pessoas que estejam ao nosso lado, sempre... Pessoas que despertem, em nós, o desejo latente de... viver. Por fim, Pandora se dá conta de que essa é a grande verdade da humanidade.

Contudo, assim como essa fragilidade é nossa fraqueza, ela também é a nossa força. Quando sorrimos e nos envolvemos na alegria de estar ao lado de pessoas especiais, nos tornamos verdadeiramente fortes. Somos capazes de fazer o impossível, de derrotar o invencível e de atingir o inalcançável. Humanos são fracos, mas são fortes...

- Mas... - inicia ela, com um tom choroso - O Albáfica guardou para si, em toda a sua vida, o seu sofrimento. Ele sofreu muito e o seu caminho foi doloroso e cheio de espinhos. Contudo, ainda sim, ele permaneceu como uma rosa solitária em um jardim abandonado, lutando sozinho contra as adversidades e...

- Alguma vez você já teve a curiosidade de perguntar a ele se era feliz? - Minos a interrompe, novamente.

Pandora passa alguns segundos em silêncio. Procura, dedicada, as melhores palavras para darem sequência aos seus dizeres. Finalmente encontra:

- Não é essa a questão, Minos... Eu não quero tentar ser uma heroína somente por que ele sofreu e suportou essa dor... Eu apenas quero, agora, sofrer por ele. É a minha vez de chorar.

- Pan... - Minos, parecendo entender  o que a amiga quer dizer - Está me dizendo que se culpa pelo sofrimento dele, por ter passado tanto tempo ao lado de quem ele também ama... Se culpa por, ao buscar a sua felicidade, trazer a dor para o Albáfica?

Ela, desviando o rosto para o outro lado da cama, não responde. Minos, portanto, continua:

- E agora... quer se redimir tomando toda a dor para si?

- Sim... - confirma ela, se debulhando em lágrimas silenciosas - Tanto ele quanto o Manigold foram atingidos pelo meu egoísmo. Eu queria ser feliz e acabei cegando-me, esquecendo-me que os outros ao meu redor também merecem ser felizes.

- Eu te agradeço, do fundo do meu coração, Pandora... - declara uma outra voz. Ao que tudo indica, mais alguém acabara de entrar no quarto da morena.

Pandora vira o rosto e o inclina para a frente. Seus olhos negros se encontram com os olhos azuis celestes de quem, segundos atrás, chegou.

- Albá... fica? - Pan, surpresa. Surpresa não pela chegada do sujeito, mas sim por ter praticamente a certeza absoluta de que ele ouviu o que dizia.

Albáfica, sem sair da porta, sorri olhando para ela. Suave como de costume, ele fala:

- Te agradeço de verdade, mas não concordo que tome a minha dor toda para você. Agora, se desejar compartilha-la, ai podemos chegar em um acordo...

/--/--/

Chegamos. Yuzuriha, ele e eu... Ele... Sim, Manigold. Eu, há minutos atrás, sai apressado do hospital. Lembrei-me de dizer alguns versos para Pandora, então voltei para seu quarto. Em seguida, retomei meu trajeto e, com Yuzu, fui de carro até meu apartamento. Obviamente ela dirigiu, mas isso agora não importa. A questão é que encontrei ele saindo do banho, de toalha. Irresistível? Wow, sem dúvida!! Mas não era o momento para admirar o Manigold. Apenas disse para ele colocar suas roupas depressa, pois deveríamos ir até um certo lugar o mais rápido possível. No retorno ao hospital, Mani perguntou inúmeras vezes para mim e para a Yuzu para aonde estávamos indo, sendo que a propósito a loira ainda não o conhecia pessoalmente. Optamos por não responder, apenas pedimos a ele que aguardasse. Logo... chegamos e aqui estamos.

Não foi uma surpresa encontrar o tal Minos no quarto com a Pandora. Yuzuriha, depois do diagnóstico do médico, tinha tomado a providência de ligar para todas as pessoas na agenda do celular dela. Com exceção do Manigold, Minos é o único contato que ela tinha...

- Eu te agradeço, do fundo do meu coração, Pandora... Te agradeço de verdade, mas não concordo que tome a minha dor toda para você. Agora, se desejar compartilha-la, ai podemos chegar em um acordo...  - digo, após ter ouvido parte da conversa entre os dois amigos.

- Pandora... - Manigold, desesperado, se retira rapidamente de trás de mim e toma a dianteira, correndo para o lado esquerdo da cama, paralelo ao Minos.

Nessa altura do campeonato, Manigold já sabe e está ciente de tudo: da doença degenerativa e desconhecida de Pandora e seu irreversível destino. Expliquei a ele cada detalhe assim que saímos do carro e viemos caminhando até o quarto. Não seria certo permitir que ele indagasse a ela com várias perguntas sobre sua situação em um momento de extrema fragilidade dela.

- Manigold... - ela sorri, para ele, como uma criança adornada de felicidade - Eu te amo muito, Manigold, muito mesmo. Acabo de convencer definitivamente disso. - revela ela - Amo de verdade e intensamente, como nada que algum dia amei. Então eu tentei preencher esse amor com a sua presença, mas foi errado e egoísta da minha parte. Por favor, me perdoe... E te agradeço por tudo.

Manigold recolhe em suas mãos a mão esquerda da ex-namorada. Devolvendo-lhe o sorriso, ele fala:

- Você não tem nada para pedir perdão ou tentar se redimir. E eu também te agradeço, Pan... Estar todo esse tempo contigo foi algo muito especial para mim. E sei que você não recolheu tanto sofrimento para você só pelo Alba, mas por mim também, certo?

Ela responde com o movimento positivo da cabeça.

- Mas você não tem que sofrer sozinha, nem se culpar pela minha dor ou pela dor dele... - diz o caranguejo, desviando o olhar para mim, mas rapidamente voltando-o para ela - Todos nós aqui nos importamos com você e queremos estar ao seu lado.

- Mas eu fui a culpada. Fui a culpada pelo sofrimento que vocês aguentaram. - fala ela, quebrando o próprio sorriso - Fui egoísta e negligenciei a verdade: você nunca me amou, mas sim amava o Albáfica. Eu era o empecilho que atrapalhava o amor de vocês dois... Um amor incondicional e sem precedentes, que eu impedi.

Em algo ela está certa: meu amor pelo Manigold é incondicional e sem precedentes. Porém, a Pan se flagela e se martiriza, culpando a si mesma por ele e eu demorarmos tanto tempo para nos entregarmos um ao outro.

- Não era não, Pan, está enganada. - agora eu me manifesto - Você não era empecilho, nem atrapalhou os nossos sentimentos. 

Yuzuriha e eu caminhamos até nos colocarmos lado a lado de Manigold. Em consequência, estamos agora ao redor de Pandora.

- Tudo na vida acontece no momento certo. - afirmo, sendo envolvido pelo olhar úmido dela - Se o meu amor pelo Manigold e o dele por mim são tão verdadeiros quanto os seus sentimentos, Pan... Cedo ou tarde, nós dois estaríamos juntos.

Silêncio, um silêncio que dura alguns instantes. Todavia, ele é rompido pela declaração da morena:

- Mesmo eu sendo sua rival,  você nunca me afastou ou me tratou mal. Não nutriu, em momento algum, ódio ou raiva de mim. Pelo contrário, sempre me rodeou com gentileza, respeito e carinho. Demonstrou estar contente com a minha presença, ao invés de repudiá-la. As vezes acho que você não é humano, mas sim um anjo que se perdeu entre nós quando apreciava as belas rosas desse mundo.

Acabo rindo, mesmo que de forma suave. Sem cessar meu olhar sobre ela, digo:

- Eu não sou um anjo, sou somente um humano como qualquer outro. Sou como você: um humano que deseja ser feliz e também ver a felicidade daqueles que me são valiosos.

- Entende isso? - Minos pergunta e, nesse instante, ela olha para ele - Você não traz dor nem sofrimento para ninguém quando tenta ser feliz. É seu direito tentar encontrar a felicidade, Pandora... Todo mundo tem esse direito.

- Mas não quando essa felicidade se baseia em roubar a alegria alheia... - diz ela, hesitante, ao fitar o amigo.

- Pandora... - chamo ela e seus olhos de volta para mim - Eu estava feliz, desde que eu pudesse estar ao lado do Manigold. A amizade dele já era suficiente para mim. Em momento algum você roubou a minha felicidade. Tudo o que você está fazendo agora é roubar o meu sofrimento. Está tomando ele de mim, tomando-o todo somente para você. Mas entenda que quando se tem amigos, a regra é compartilhar, seja alegria ou tristeza, não se deve ter tudo para si mesmo.

Pandora sorri outra vez. Notando isso, é Yuzuriha que se manifesta desta vez:

- Está entendendo o que eles dizem? Esses rapazinhos estão certos, querida Pandora... - a loira estampa no próprio rosto um sorriso extremamente encantador, como todos os anteriores que eu já pude apreciar, capturando o olhar da morena - Ninguém nasceu nesse mundo para sofrer. Todos nós temos direito à felicidade e é por isso que ninguém vive sem ter amigos de verdade, sem amar... São com essas pessoas que devemos sorrir e apreciar tudo de bom que existe nessa vida.

- Felicidade... amizade... amor... e também a esperança. - pronuncia Pandora, compartilhando seu disputado olhar com Manigold, Yuzuriha, Minos e eu, contemplando o rosto de cada um de nós - Obrigada... de coração. - agradece, enquanto as lágrimas lavam sua face silenciosamente.

- Sim. Você tem direito a tudo isso, Pandora. Assim como todos nós aqui. - afirma Yuzuriha.

- " Anteriormente, minha vida possuía uma cor sem vida e sem graça alguma. Era acinzentada e neutra... Eu não era feliz. Mas Manigold foi capaz de me trazer a cor que eu precisava, mas sequer era ciente de sua existência: o vermelho do viver. " Se lembram destas palavras... Albáfica... Yuzuriha ? - pergunta ela, fitando nós dois.

- Sim. - Yuzu e eu, sem percebermos, respondemos ao mesmo tempo.

- Pois é... - os olhos de Pandora, pouco a pouco vão se fechando, mas resistem ao máximo, enquanto ela fala observando a face do Mani - Elas não eram falsas. O Manigold foi capaz de tingir, de verdade, a minha vida com esse belo vermelho e dar um significado para ela.

Manigold, sem conseguir segurar as lágrimas, acaricia a mão dela, sem deixar de se manter atento ao que Pandora diz.

- Apreciar essa cor foi sim a melhor coisa de toda a minha vida, mas... - continua, olhando para o teto - Agora não é essa a cor de que preciso. Eu preciso de uma cor diferente: o nobre e gracioso branco da paz. Uma cor ainda mais rara, que só o Manigold não seria capaz de me oferecer. Mas aqui estão todos vocês, meus amigos... me presenteando com essa coloração. Então eu agora sou capaz de entender: não tenho que aceitar a minha morte, mas sim aceitar a maravilhosa cor que, com a amizade de todos vocês, pude herdar...

- " Quis um verso bem pequeno, simples como uma flor, que depois do orvalho e sereno, tal qual lágrimas de dor agradece ao Sol num aceno, explodindo pétalas de amor. "  - Yuzuriha recita esses versos, comovida.

Paulo Moreira, autor desses belos versos. Me surpreendo ao ouvir Yuzu citá-los, com tanta naturalidade quanto eu quando faço as minhas próprias citações literárias. Sem elas, eu não seria eu mesmo.

Rápido, estendo minha mão direita para Pandora. Nela, está uma rosa branca, que segurei desde minha chegada. Sorrindo, ela ergue o braço trêmulo e a pega para si, ao retirar a sua mão da proteção das do Manigold. Levando-a ao encontro da outra mão e unindo-as sobre os seios, os olhos de Pan se fecham definitivamente.

- " A sabedoria constitui uma espécie de orvalho a qual, como não ignoramos, nos molha, refresca e desenvolve. O conhecimento é, em contrapartida, uma espécie de corrente de água que nos lançam em cima. Quando muito, serve para alterar o desenvolvimento das nossas raízes. Os conhecimentos passam, mas a sabedoria fica. " ... O. Henry. - falo, sorrindo.

Todos nós, emocionados e dominados por nossas próprias lágrimas, notamos um pouco de sangue a escorrer da narina direita de nossa querida amiga. Esse mesmo sangue percorre seus lábios, seu pescoço e parte dos seus seios até chegar a rosa e tingir uma pequena fração de uma de suas pétalas com a gota vermelha. É como uma flor no orvalho da primavera, o mais puro orvalho que já vi. " A felicidade é como gota de orvalho numa pétala de flor" ... Vinícius de Morais.

Sim, eu jamais fui capaz de desenvolver raiva ou ódio de Pandora. Sempre a vi como uma pessoa como qualquer outra: humana  que sofre como humana e é feliz como humana. Todos nos que vivemos nesse mundo, constantemente, buscamos por redenção. Sorrimos, choramos, nos ferimos e ferimos aos outros. A vida é esse eterno e instável ciclo. Errar e acertar é o que significa viver. Afinal, nenhum homem ou mulher é perfeito. A própria humanidade é a imperfeição. Mas é por ser tão imperfeita que a vida se revela tão bela...

E essa agora é uma adorável rosa branca. A rosa branca da paz que fora agraciada com uma pequena e humilde gota do vermelho da vida. Não há, nesse mundo, flor mais bela e perfeita do que esta... E algo me faz ter a absoluta e definitiva certeza de que, como ela, jamais vi ou verei igual.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Então nos vemos nos reviews! Até lá!!