Os corredores de Panem estão desertos, gosto deles assim. Se pudesse deixava eles sempre assim. Contudo, logo eles estarão lotados, cheios de alunos disputando centímetro por centímetro.

Preciso ir até a biblioteca, retirar alguns livros, que reservei ontem para um trabalho de história. Devido a isso, vim mais cedo para o colégio. Nem acredito que me esqueci de fazer este trabalho! Também, depois do feriado que tive, com direito a uma pequena odisseia, havia esquecido completamente de qualquer coisa do colégio. Amanhã é sábado, finalmente, vou poder descansar um pouco. Essa semana foi uma longa semana. Tomei uma bolada na barriga. Peeta resolveu fazer uma reunião secreta (nome idiota para uma festinha particular dos populares) e quase destruiu a casa. Quebramos a garrafa de 50 mil dólares de vinho da coleção de Haymitch. Peeta me atacou na piscina, depois ainda ficou doente para completar – pensando melhor, preciso parar de pensar nestes incidentes pós-reunião secreta, principalmente um certo abraço...– Katniss, lembre-se de que você precisa fazer aquele trabalho! É isso ai, preciso me concentrar no trabalho.

– Bom dia! – diz uma voz atrás de mim.

Me viro e vejo Cinna, meu novo professor de literatura.

– Você é uma das minhas alunas, não?

– Sim – confirmo – Katniss.

– Sou novo aqui, e estou um pouco perdido... Você me poderia dizer onde fica a biblioteca?

– Estou indo para lá.

Cinna me acompanha até a biblioteca. Simpatizei com ele, desde o primeiro momento em que o vi. Ninguém diria que o jovem que me acompanha, vestindo uma calça jeans e calçando All Star, é um professor de Panem. Cinna não se encaixa entre o corpo docente de Panem, como eu não me encaixo entre os alunos. Este deve ser o motivo que me fez simpatizar com ele.

– Pelo visto somos os únicos aqui – diz, com um suave sorriso no rosto.

– Sim, ainda é muito cedo para... eles – falo, com uma certa ironia, que Cinna capta, pois ri do meu comentário.

– Estuda aqui há muito tempo, Katniss?

– Desde a sétima série... É, já tem um bom tempo...

– Então, deve conhecer Panem muito bem. Estou certo?

Nunca me senti a vontade com meus professores, porém, com Cinna é diferente. Ele me desperta algo, que me faz sentir confortável. Em Panem, sempre estou no modo apreensível ligado, uma vez que nunca sei o que me espera.

– Mais do que gostaria! – digo transmitindo um dos meus pensamentos sem querer. Sempre evito manifestar minha opinião, principalmente, perante um dos professores de Panem. Como pude falar isto? – Mas... Panem é considerado um bom colégio... – tento corrigir minha fala, sem grande sucesso.

Cinna me olha e sorri, seu sorriso é compreensivo, como se entendesse o que sinto. Talvez, Cinna, sinceramente, me entenda.

– Aqui fica a biblioteca – digo, apontando para a porta, que temos em nossa frente.

– Obrigado, Katniss. Nos vemos mais tarde, na aula – diz, e vai sentar-se em uma das mesas da biblioteca.

Sexta é, definitivamente, o melhor dia da semana. Não só porque é o dia anterior a sábado, mas também, porque tenho aula de literatura com Cina, minha matéria preferida, junto com meu professor predileto, um pacote completo. Talvez, meu último ano em Panem, não seja tão mau assim.

Peço para bibliotecária os livros que reservei. Ela me entrega os livros. Olho para o relógio, constatando que é cedo para ir à minha sala. Decido que o melhor é ficar um pouco mais na biblioteca. Não sinto a mínima vontade de ir para a sala e ver todos os meus colegas fofocando sobre a reunião secreta. Este será um assunto recorrente nos próximos dias, até que eles se cansem – o que é pouco provável – ou venha um novo escândalo, escândalos são frequentes em Panem, acredite.

Vou até a seção de literatura e começo a observar os títulos, gosto de ver se há livros novos. Até que um título prende minha atenção, “Alice no país das maravilhas”. Nunca havia visto este livro aqui, ele é encadernado com uma capa, que lembra os livros antigos. Na capa, há um desenho de uma Alice, que me parece triste, já que ela olha para os outros personagens, o chapeleiro maluco e o coelho branco, que aparecem na capa, com um olhar distante. Esta Alice não aparece se encaixar no país das maravilhas, ou melhor, um país sem maravilhas.

– Katniss – diz uma voz, que me traz de volta a realidade, ao meu mundo sem maravilhas.

Me volto e vejo Gale, que me olha.

– Desculpa, não queria te atrapalhar.

– Não... Eu só estava olhando... este livro – digo mostrando o livro que tenho nas mãos.

Gale olha para o livro. Seu rosto, repentinamente, faz uma expressão que não consigo decifrar.

– Alice nos país das maravilhas – lê o título.

– É um dos meus livros favoritos...

– Lembro que, quando te conheci, você não largava este livro...

Como Gale recorda isso? O olho, surpreendida. Contudo, Gale parece não notar minha surpresa.

– É impressionante – sorri, mas este sorriso possui certa melancolia – como vocês duas são parecidas...

– Ahã? Com quem eu me pareço? – digo, espantada.

– Com uma amiga... – o olho, interrogativa – Delly... – acrescenta depois de um momento de silêncio.

– Delly... – repito o nome, que não me é familiar. Nunca havia escutado este nome antes.

– Sim, Delly – fala com certa nostalgia na voz, misturada com... uma ponta de tristeza?

– Eu a conheço? – falo a primeira coisa que me vem à cabeça, não quero ficar em silêncio.

– Não – responde simplesmente.

– Ela mora longe... em outro país?

– Não, Delly morava bem perto da minha casa... Eu, Peeta e Delly crescemos juntos, formávamos um trio inseparável – sorri.

– Vocês três? – Nunca ouvi que Peeta tinha uma amiga chamada Delly.

– Sim, nós três.

Olho para ele, interrogativa, esperando que me conte mais sobre Delly. No entanto, Gale fica em silêncio por algum tempo, o que eu deveria falar agora?

– Delly – diz interrompendo o silêncio – amava os livros como você. Ela tinha o quarto cheio de livros. Em seu aniversário, ela sempre pedia um livro de presente para mim e Peeta. Delly amava olhar os livros da biblioteca da mãe de Peeta. Aliás, ela sempre pegava os livros, que Peeta havia ganhado de sua mãe. “Alice no país das maravilhas” era seu livro predileto...

O que? Por que tudo isso é novidade para mim? Nunca soube que Peeta havia ganhado livros de sua mãe... Será que aqueles livros em seu quarto são presentes dela? E a biblioteca da casa dos Mellark pertenceu a mãe de Peeta? E Delly, quem é exatamente Delly? Por que nunca ouvi nada sobre ela antes, se ela parece ser tão importante assim? Estas perguntas fervilham em minha mente. Entretanto, não me atrevo a verbaliza-las para Gale. Ele fala de Delly de uma maneira, que não consigo descrever, ou compreender os sentimentos que transmite ao falar dela. Nostalgia? Tristeza? Saudade?

O sinal toca.

– É melhor irmos para a sala – diz Gale, se afastando de mim e saindo da biblioteca.

A conversa com Gale me deixou repleta de perguntas. A grande questão que me instiga é: quem é Delly? Isso não sai de minha mente. Apenas com a aula de Cinna consigo tirar parcialmente este assunto de minha mente.

Finalmente, ouço o sinal, que anuncia o final das aulas. Vou para a biblioteca, meus colegas sempre estão muito empolgados com o final de semana e as festinhas... Como não quero ouvir esta velha ladainha, que escuto todas as sextas, sobre vestidos, festas, caras e garotas que eles irão pegar, nos corredores de Panem, o melhor lugar para evitar isto é a biblioteca.

Procuro por uma mesa que seja bem afastada de tudo. No entanto, não tenho tempo de achar uma. Meu celular começa a vibrar no bolso da minha calça.

Às vezes, até esqueço que tenho um celular. A única pessoa que me liga é... minha mãe. Ah, não! Se for minha mãe, estou perdida. Calma, pode ser apenas engano, não? Sim, deve ser isso, engano, afinal as pessoas amam ligar errado. Pego o celular em meu bolso. Olho lentamente para o visor. É minha mãe.

– Alô – digo tentando parecer calma.

– Alô, querida, sou eu, sua mãe – era isso que meu visor dizia, mãe! – Querida, estamos tão ocupados esta semana que nem podemos ligar! – devo agradecer por isso – Mas, não se preocupe, hoje, estamos voltando!

– Hoje?! – não posso acredita no que acabei de escutar, como assim, hoje?

– Isso mesmo, Katniss, voltamos, hoje! Isso não é maravilhoso, querida! Eu e Haymitch não vemos a hora de voltarmos! Querida?...