Deuses e Diamantes escrita por André Tornado


Capítulo 9
Herói.


Notas iniciais do capítulo

"Nas alturas onde as montanhas encontram os céus,
Na lonjura onde os relâmpagos fendem o mar,
Posso jurar que existe alguém, algures,
A velar por mim."
Bonnie Tyler, Holding Out For A Hero



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De punhos assentes na cintura numa atitude descontraída, Son Goku inclinou a cabeça ligeiramente para a direita.

– Eh!... Tu és muito grande.

A observação descabida não arrancou qualquer reação ao guerreiro gigante, que estava longe e que provavelmente não o tinha escutado. Número 17 estava demasiado esgotado para se importar. Fechou os olhos e lembrou-se dos cinco minutos anteriores, entre a chegada do saiya-jin e aquela frase imbecil, “Tu és muito grande”.

Eram lembranças dispersas, pedaços de uma grande tela estraçalhada, que ele não conseguia unir nas arestas corretas. Continuava zonzo, com um sabor metálico na boca, as costas assadas, o corpo batido e a última pessoa que queria ver era Son Goku.

O saiya-jin dissera-lhe que sentira a energia do combate e que resolvera aparecer para ver o que é que se estava a passar. Reparara em Ozilia e perguntara-lhe quem era ela. Obviamente, ele não lhe respondera. Limitara-se a negar com a cabeça e não sabia explicar por que é que negara com a cabeça, um gesto reflexo, talvez, mas não fora uma resposta de certeza, isso podia assegurar. Goku perguntara-lhe quem é que o estava a atacar e ele, mais uma vez, não respondera. O saiya-jin que descobrisse por si. E acabara por ver o guerreiro gigante na orla da cratera e saíra-se com aquela tirada idiota:

– Tu és muito grande.

Ozilia estremeceu e dava sinal de que iria despertar. Reparou no diamante dela, preso numa das mãos, encurvada como uma garra, que parecia sujo, não por fora, mas por dentro, uma nódoa acinzentada tinha-se alojado no interior da pedra. Ele limpou os olhos embaciados com o braço.

– Importas-te que vá ter com aquele ali?

Son Goku debruçava-se sobre ele sorridente, com a expressão descontraída de quem se prestava a entrar num jogo qualquer. Não lhe respondeu outra vez, limitou-se a menear a cabeça. Ele que fosse, queria lá saber, e que tentasse deter aquele monstro estático, que não emitia qualquer leitura que os guiasse e que lhes permitisse ter uma ideia de como derrotá-lo. No momento em que Ozilia se sentava, amparando a testa com a mão que não segurava o diamante, Son Goku aterrava junto ao guerreiro gigante e olhava para cima, à procura de contacto visual com os olhos do adversário.

Número 17 fez uma careta. Detestara aquela intromissão.

– Quem é aquele?

A pergunta de Ozilia arrancou-o do azedume. Mascarando que se sentia melhor do que realmente se sentia, levantou-se e sacudiu a poeira das calças rasgadas como se fosse um gesto casual. Respondeu imprimindo segurança à voz:

– Son Goku. É um saiya-jin. Já ouviste falar deles?

– Não. E o que faz ele diante do inimigo?

– Vai lutar com ele.

– Ele é louco, ou quê?

Um clarão luminoso ofuscou-os. Depois, veio o estampido sonoro do rebentamento e um sismo de baixa intensidade sacudiu o chão. Ozilia também se levantou, guardando o diamante no bolso da camisa. Despiu o casacão, largando-o atrás dela. Número 17 espreitou o gesto, gostava muito daquele casacão, mas estava tão rasgado quanto as suas calças e parecia que já não iria aquecê-lo por mais um inverno nas montanhas. Chegava o fim da linha para o casacão.

Ozilia deu um passo em frente, ele agarrou-lhe no braço.

– Onde vais?

– Ajudar o teu amigo.

– Ele não é meu amigo.

– Muito bem, não é teu amigo. Mas vai precisar da minha ajuda.

– Espera… Deixa ver até onde consegue ele chegar. Se queres que te diga, ele não vai precisar da tua ajuda.

Son Goku punha-se de pé combalido, mas decidido a prosseguir a luta contra o guerreiro gigante, que se postava, mais uma vez, como uma coisa parada e inofensiva, incapaz de ripostar qualquer ataque ou de sequer elaborar um ataque.

Ozilia soltou uma gargalhada de escárnio.

– Ah! Queres dizer que o teu amigo vai conseguir derrotar o assassino dos deuses? Não sabes o que dizes, humano patético!

– Observa… E é humano artificial.

Com um salto, Son Goku acercou-se do torso do guerreiro gigante e tentou combatê-lo com os punhos, esquivando os braços enormes que se moviam com grande destreza. A luta corpo-a-corpo tinha uma técnica interessante, mas Ozilia desdenhou:

– Pfff! Não há nada para observar. Se eu não vou até lá, o teu amigo não terá qualquer hipótese.

Começou a caminhar, número 17 seguiu-a.

– Mas ele ainda nem sequer se transformou. Já te disse que deves esperar.

– Que tipo de transformação? – A seguir emendou agastada: – Ah, e o que interessa no que é que o teu amigo se transforma? Só existe uma forma de deter o assassino dos deuses e é atingir-lhe um ponto vital que ele protege com uma barreira impenetrável, para além daquela couraça e de uma técnica de luta que não abre fraquezas na sua forma de lutar.

– Hum… E tu sabes onde está esse ponto vital.

– Claro. O meu diamante leva-nos até esse ponto vital. Já me tinha levado, há pouco, mas o maldito armou a defesa demasiado rápido e eu estou ferida.

Son Goku apanhou com um murro em cheio na cabeça e sumiu-se numa nuvem de pedras e de pó que levantou ao abrir um buraco no solo. O grito que largou a despencar-se das alturas foi tão estridente que Ozilia encolheu-se, detendo a marcha.

– Bem, lá se foi o teu amigo.

– Ele não é meu amigo… Pelo contrário.

Ozilia levantou um dos sobrolhos finos.

– Inimigo?

Número 17 olhou no fundo dos olhos dourados dela.

– Hum-hum… Inimigo – percebeu ela, neutralizando qualquer expressão no seu rosto oval, ficando séria. – Bem, o teu inimigo perdeu a sua vez neste combate e eu devo retomar.

Retirou o diamante do bolso, esfregou-o na camisa como se o pudesse limpar da tal nódoa interna.

– Devemos atacar juntos – insistiu número 17. – Tu abres o caminho para esse ponto vital e eu ataco.

Son Goku levantava-se, interrompendo a conversa. Foi para junto deles com um salto, nunca desviando os olhos do guerreiro gigante parado.

– Mas por que raios ele fica assim imobilizado? – Perguntou intrigado.

– Está a calcular as possibilidades e analisa as desvantagens do oponente – respondeu ela. O diamante começou a brilhar.

– Ah… E tu também já estás acordada. Eu sou o Goku. E tu?

– Não te interessa.

– Eh… Estás zangada comigo?

Número 17 processou aquela última informação. O guerreiro gigante calculava possibilidades e analisava desvantagens. Tal como uma máquina. Mas ele também era uma máquina e, segundo a lógica, encontravam-se no mesmo patamar, além de que ele tinha mais hipóteses de vencer pois era mais forte. O único dado diferente, que fazia os pratos da balança pender para o lado errado, seria o tal ponto vital. Sentiu uma cotovelada cortar-lhe o raciocínio.

– Ei, a tua amiga está zangada comigo porquê?

Respirou fundo, respondendo contrariado a Son Goku:

– Ela não é minha amiga.

– Todos inimigos, então! – Atirou Ozilia divertida, o diamante a encher-se de luz dentro da sua mão.

Nisto, Goku voltou a cabeça para o guerreiro gigante.

– Cuidado! – Avisou. – Ele vai atacar.

Ela admirou-se:

– Como sabes tu isso?

– Ele faz sempre isso antes de atacar.

– Isso, o quê?

Uma chuva de raios finos de energia abateu-se diante deles, criando uma barreira elétrica faiscante. Antes de os raios fenderem o chão, Goku puxou número 17 e Ozilia pelas respetivas camisas, afastando-os do ataque. Aterraram alguns metros mais atrás.

– Os olhos acendem-se – explicou Goku apontando com um dedo. – É difícil de perceber, porque o capacete que ele usa é muito grande e tapa-lhe a cabeça toda, mas os olhos acendem-se mesmo. Quando o faz emite ki, muito pequeno, quase não se percebe. Parece uma picada. Então, dá para perceber que ele vai atacar.

Ozilia olhou para número 17 intrigada. Ele não quis elucidá-la, não lhe apetecia pôr-se com elogios a alguém que desprezava.

– Muito inteligente – concordou Ozilia indiferente. – Mas agora é a minha vez.

Um braço de Son Goku barrou-lhe o caminho.

– Nem penses, menina. Tu ficas aqui. Eu vou acabar com o que comecei.

Ela gaguejou furiosa:

– Me-menina?!!

Son Goku transformou-se em super saiya-jin e Ozilia retraiu a fúria. Contemplou a aura de energia que rodeava aquele estranho intruso nos seus assuntos, que lhe tinha aloirado a cabeleira negra que se espetava para cima, revolvendo-se entre faíscas, e que lhe tinha esverdeado os olhos. Não percebia o fenómeno, mas compreendia que o poder exibido estava muito para além do que ela julgara possível num humano. No entanto, disse, continuando indiferente:

– Muito bem, acho que me conseguiste impressionar. Mas devo dizer-te que não basta a força para derrotar aquele monstro.

– Estou a ouvir-te.

Havia cólera misturada na aura impossivelmente forte daquele homem estranho, havia ânsia e impaciência em doses tão gigantescas como o adversário que enfrentavam, mas ele controlava a amálgama de sensações revertendo-as a seu favor, alimentando a energia que parecia ilimitada. Que lutador extraordinário! Ozilia insistia na sua máscara de apatia.

– Só o podemos derrotar se atacarmos o seu ponto vital. Eu consigo descobri-lo com a ajuda do meu diamante.

Os olhos de Goku espreitaram, de relance, a pedra que ela segurava na mão direita.

– Por muito que me custe admiti-lo, ela tem razão. Só o podemos derrotar se agirmos juntos.

Olharam os dois para número 17 que prosseguiu, enquanto vigiava o guerreiro gigante:

– Ela descobre o ponto vital, eu ataco para distrai-lo e tu destróis o ponto vital.

– Concordo com o teu plano – respondeu Goku, acenando com a cabeça uma vez. – Mas como sei onde está esse ponto vital? Ele vai ficar à vista quando ela o descobrir?

– Vai ser um ataque perigoso – avisou Ozilia. – Nunca foi tentado.

– Bem, vai ser tentado hoje.

Ela tocou com dois dedos na testa de Goku, que se encolheu com o toque. Pestanejou, abafando um gemido dorido. Ela revelou séria:

– Agora saberás quando eu descobrir o ponto vital.

Hai.

Olhou para número 17 que explicou, sem o encarar:

– Podem contar comigo. Eu não vou falhar. Não está no meu feitio… falhar.

O seu orgulho não se permitiria falhar diante de Son Goku.

Esticou a perna esquerda para trás, fletiu o joelho direito e saltou. Largou um grito irado, erguendo os braços e enchendo as mãos de esferas amarelas, vorazes, sibilantes, que foram despejadas como uma tempestade de energia que submergiu o guerreiro gigante. Gritava enquanto prosseguia na criação do furacão de fogo, as explosões sucedendo-se, rolos de fumaça nascendo, a terra inteira abanando.

Esgotado, terminou o ataque, baixou os braços. Ozilia rodeava o guerreiro gigante dando voltas intermináveis em redor deste, como se o quisesse enrolar num fio invisível que o haveria de transformar num casulo igualmente gigante. E o super saiya-jin Son Goku aguardava.

Ela desviou-se de um punho repentino, esquivou um segundo soco. O guerreiro gigante ripostava. Goku investia agora, atacando com os pés juntos. Acertou na cabeçorra, o guerreiro gigante tombou pesadamente para trás. Ozilia tinha desaparecido.

Uma explosão azulada cegou-o. Número 17 protegeu a cara com as mãos esfoladas. Não aguentou a vaga invisível que se desprendeu da explosão e caiu para trás, como o guerreiro gigante. O chão desnivelou, grandes porções de terreno ergueram-se e baixaram, ele estava deitado sobre uma plataforma que parecia um pião a girar. Quando recuperou a visão, estava ferido, fatigado, mas era vencedor. O guerreiro gigante tinha desaparecido e não havia sequer a couraça ou o elmo como recordação da sua presença naquele mundo. Estava tudo transformado em pó, corpo e armadura, alma e ponto vital.

Arrancou o lenço vermelho esturricado que usava ao pescoço, a sua marca pessoal, e atou-o ao ferimento do braço esquerdo, utilizando os dentes para puxar uma das pontas.

Goku, com os cabelos negros, regressado ao estado normal, ajudava Ozilia a levantar-se, dando-lhe uma mão, olhando-a com uma verdadeira preocupação, perguntando-lhe qualquer coisa ao que ela respondeu negando com a cabeça e esboçando um sorriso.

Número 17 sentiu ciúmes, uns estúpidos e incontroláveis ciúmes. Não por causa da forma irrepreensível e eficaz com que Son Goku terminara com o guerreiro gigante, mesmo que tivesse sido com a ajuda dela e também com a ajuda dele, mas por causa do olhar maravilhado e profundamente doce que Ozilia dispensava ao saiya-jin.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Deuses.



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